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JULHO, TEMPO DE REVOLUÇÃO
Acadêmico: José de Souza Martins
"Aquela não era uma revolução paulista. No inquérito policial-militar, soldados de outras regiões do País disseram ter vindo combater greves operárias na capital paulista, de intuito separatista. Era falso."

Vivemos nestes dias algumas expressões do que tem sido a história dos elos ocultos da continuidade nas descontinuidades da política brasileira. Com outros nomes e outras caras, as mesmas personagens, de trajes rotos pelo tempo.

Três decisivas revoluções ocorreram no mês de julho, em S. Paulo. Uma, a Revolução Liberal de 1842. Dois combates a marcaram, com sete mortos, no que é hoje a entrada da Cidade Universitária da USP, ao pé do morro do Butantã. Foi um confronto entre as tropas do Barão de Caxias, depois duque e patrono do Exército, e os cavalarianos civis vindos de Sorocaba e de Itu, comandados pelo futuro brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, mais tarde patrono da Polícia Militar de S. Paulo, e pelo Padre Diogo Antônio Feijó, ex-Regente do Império. Antes dos combates, ainda em Sorocaba, Tobias casou com a Marquesa de Santos, gentil senhora da crônica da Independência do Brasil.

A Revolução era para depor o presidente da província, Marquês de Monte Alegre, baiano do Partido Conservador. Partido que estabelecera um cerco político em torno do jovem imperador adolescente, Dom Pedro II. Caxias representava a unidade nacional, a ordem e o conservadorismo nela implícito. Nesse cerco, teimava invisível a nostalgia do vínculo com Portugal.

No lado oposto, em 1842, o Partido Liberal, com gente relativamente progressista como o Padre Feijó, que está sepultado na catedral de S. Paulo. Suas tropas acamparam no morro do Jaguaré, onde hoje se situa a favela. Desse liberalismo de província nascia o oligarquismo brasileiro. Liberal na forma, fisiológico no conteúdo.

Outra revolução é a de 5 de julho de 1924, um sábado, a cidade de S. Paulo ocupada de madrugada por tropas insurgentes do Exército, do movimento que veio a ser o Tenentismo. O comando provisório era do capitão Joaquim Távora e do major Miguel Costa, da Força Pública, à espera do general Isidoro Dias Lopes, cujo descabido atraso, porque no Rio chegou tarde para tomar o trem para S. Paulo, trouxe os combates para dentro da cidade.

Aquela não era uma revolução paulista. No inquérito policial-militar, soldados de outras regiões do País disseram ter vindo combater greves operárias na capital paulista, de intuito separatista. Era falso.

Além dos combates de rua, a cidade foi bombardeada pelos aviões do Exército. Famílias inteiras foram mortas em bairros como o Brás, a Mooca, a Vila Mariana, o Cambuci. Não há um monumento que lembre as vítimas do conflito. Restou um marco, na Luz, a chaminé da antiga usina termoelétrica, que ficou no que é hoje o meio da rua João Teodoro, ao lado do quartel da Polícia Militar. Tem as marcas dos tiros de canhão contra o quartel disparados pelas tropas legalistas desde a esplanada da igreja do Carmo, no centro. Um monumento feito à bala.

A Revolução de 1924 deixou marcas. Execuções sumárias de saqueadores foram feitas nas ruas do centro, com base na lei marcial. O Jardim da Luz foi usado como campo de concentração de presos políticos. Mais de um terço da população da cidade evadiu-se. Quando da retirada das tropas revoltosas, 513 pessoas tinham sido mortas nos bombardeios e nos combates. Na Santa Casa, cadáveres mutilados de adultos e crianças esperavam identificação.

Os tenentes de 1924 seriam decisivos autores da Revolução de Outubro de 1930, depois alçados ao generalato no regime de Getúlio Vargas, patronos de sua deposição, em 1954, do golpe de 1964 e de suas reencarnações ativas no revanchismo de 2018.

Em 1932, estourou a Revolução Constitucionalista de 9 de Julho, que se estenderia por três meses, no interior do Estado. Mais de mil mortos em combate. Foi reação ao desvio da Revolução de Outubro, que tardava na convocação da Constituinte para a reforma política contra o oligarquismo.

Apesar de combatida sob o pretexto de que era uma revolução separatista, que não era, a revolução de 9 de julho foi reação à guerra do governo federal contra S. Paulo. A multidão que compareceu ao comício da Praça do Patriarca na tarde e na noite de 22 de maio, ouviu inflamados discursos sobre as agressões a S. Paulo.

O que deve ter exacerbado as emoções foi o fato de que o Exército estava a demarcar as divisas de S. Paulo e Minas, anexando território paulista a Minas Gerais. A inflamada multidão dirigiu-se ameaçadora à Praça da República, na esquina da rua Barão de Itapetininga, onde ficava o Clube Três de Outubro, de Miguel Costa, que apoiava Vargas. De dentro do prédio, tiros foram disparados contra a multidão. Quatro mortos e muitos feridos tombaram. Uma placa na beira da calçada assinala o local.

Era o estopim da revolução, que seria traída e derrotada. Mas, no plano econômico, venceu: Getúlio e os militares tiveram que se associar aos industriais de S. Paulo, dando início à história do Brasil economicamente moderno. No plano cultural, S. Paulo deu início à sua verdadeira revolução, com a criação da Universidade de S. Paulo, pública, laica, gratuita e democrática, uma fábrica de ciência, de conhecimento e de cidadania.

* José de Souza Martins é sociólogo. Pesquisador Emérito do CNPq.
Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, autor de Moleque de Fábrica (Ateliê Editorial)

Publicado no dia 05 de julho de 2019 no Valor Econômico [Suplemento Eu& Fim de Semana, Ano 20, Nº 970, S. Paulo.




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