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Acadêmico: Gabriel Chalita Antigamente, era comum aguardarem. O tempo da escrita. A correção das rasuras. O tempo da entrega. E a leitura era mais vagarosa, penso eu. Hoje é tudo muito rápido. Por isso não se presta atenção.
Carteiro é minha profissão. Entrego cartas. Entrego envelopes. Entrego sentimentos. Há muita gente que ainda envia cartas. Não me chamem de velho, de ultrapassado, mas prefiro as cartas às mensagens rápidas, que nascem sem estarem prontas. É assim que fazem os apressados, no calor das perturbações escrevem e mandam e ferem. Já os que escrevem cartas ouvem a canção demorada do pensamento. Viajam viagens imaginárias, frequentam lugares, relembram momentos. Nada de pressa. Antigamente, era comum aguardarem. O tempo da escrita. A correção das rasuras. O tempo da entrega. E a leitura era mais vagarosa, penso eu. Hoje é tudo muito rápido. Por isso não se presta atenção. Dia desses, surpreendi meu filho irritado com uma mensagem que recebeu. Na tentativa de acalmá-lo, li com ele. Até o final. Ele olhou-me em silêncio. Não havia razões para irritação. A pressa fez com que ele não entendesse a mensagem. Irritou-se com o início, e o resto não pôde dizer o que queria. É assim que é. Parece que acenderam o fogo da intriga. E que o alimentam com a ausência de paciência. É o reino dos perturbados. Gosto da volta para casa, depois do trabalho. Do anoitecer com a minha mulher. Uma música ao fundo e a conversa. Ela me conta o que fez na farmácia e eu ouço. Ouvir é amar! E eu conto o que fiz e o que imaginei. Quando entrego os envelopes, fico desejando que sejam boas notícias. Exames de laboratório sempre são aguardados com alguma apreensão. Que sejam surpreendidos com boas notícias os que recebem. É o que desejo sempre. Entrego contas também, claro. Que tenham como pagar. Que estejam trabalhando. Por que viver desejando o mal ao outro ou sendo indiferente ao outro? Os sentimentos bons que enviamos, recebemos. Tenho crido nisso toda a minha vida. E é por isso que tenho paz. Gostaria de ter mais coisas do que tenho? Certamente. Os desejos vêm. Mas vão. Minha mulher fala muito do que permanece. Ela estudou mais do que eu. Gosta de ler. Preocupa-se com cada informação que passa adiante. É responsável. Eu entrei o ano passado na faculdade. Sou o mais velho da turma, mas não me importo. Desafios novos nos rejuvene scem. Meu filho já é formado. Talvez seja meu professor em um dos semestres. Imaginem que privilégio ser aluno do próprio filho. Ele tem as agitações próprias da idade, mas é muito talentoso e tem o que é o mais importante, na minha opinião, para o ser humano: bons sentimentos. O resto se ajeita. Ele é bom, graças a Deus. Semana que vem é meu aniversário. Eles sempre me surpreendem com algum gesto de amor. Minha mulher e meu filho. Como não ser feliz? Há tantos que buscam uma história de amor, que sonham em ter uma família, que engatinham em busca de atenção. Eu tenho tudo isso. Com todas as imperfeições. Com todas as dores que já nos visitaram. Mas, em nossa casa, as cartas que guardamos são aquelas que nos elevam. Não gostamos de colecionar notícias ruins. Damos a elas a pouco atenção que elas merecem. O tempo precioso é reservado para o que nos une. Que presente quero de aniversário? Não vou dizer assim rapidamente, vou escrever uma carta e enviar para que eu mesmo possa recebê-la. Vou escrever com a calma necessária para errar menos. Vou escrever para compreender melhor o que é essencial. E, quando lê-la, vou prestar atenção para que nada se perca. Para que eu não me perca. Mesmo estando tudo bem, é preciso ser cuidadoso. Sentimentos ruins também são entregues. E chegam quando se menos espera. É preciso estar alimentado para enfrentá-los. É isso que tento fazer todos os dias. Alimento-me, entregando amor. Publicado no dia 28 de abril, no jornal O Dia (RJ). voltar |
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