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Acadêmico: Gabriel Chalita "Justo na semana da Páscoa, o fogo na Catedral. Fiquei triste, sim. E, depois, fiquei feliz. Era muita gente na rua cantando cânticos de oração. Diante do fogo, a fé. "
Eu vi as imagens. Fiquei triste. Nunca saí do Brasil. Não conheço Paris. Mas, de longe, imagino como deve ser a Catedral que pegou fogo. Trabalho em uma Igreja. Cuido de tudo. Já convivi com todo tipo de padre. Uns mais santos; outros menos gentis. São humanos, oras! Nos dias da semana santa, fico mais feliz em fazer o que eu faço. Limpo as imagens. Coloco as velas nos castiçais. Cubro de roxo o altar nos dias que antecedem a Páscoa. E, depois, enfeito de flores a Igreja. Ah, e toco os sinos, também. Gosto do anoitecer na Igreja. Fecho as portas e, antes de ir embora, fico olhando para as imagens e imaginando. Penso em quem fez. Penso se sentiu a dor que a imagem passa. Penso nas injustiças que sofreram os que estão ali retratados. A imagem que mais me dói é a da Mãe de Jesus com Ele no colo. A mãe e o corpo do filho sem vida. Desde criança, eu perturbava meu pai querendo saber por que O maltrataram daquele jeito. E meu pai dizia que Ele venceu. E que isso era a Páscoa. A morte que vence a vida, a liberdade que vence a escravidão, o amor que vence as perversidades. Justo na semana da Páscoa, o fogo na Catedral. Fiquei triste, sim. E, depois, fiquei feliz. Era muita gente na rua cantando cânticos de oração. Diante do fogo, a fé. Diante do fogo, a humildade de saber que tudo vira cinza. Mas a canção sobe aos céus e a tristeza fica bonita. Fiquei parado olhando aqueles olhares. Cada um parou o que estava fazendo para sentir a dor de todo mundo. No mundo todo, há gente sentindo dor. Mesmo na Páscoa. Há fogo que queima dentro da gente. E que nos consome. O fogo da amargura. O fogo do desprezo. O fogo da arrogância. O fogo da insensibilidade. As labaredas sobem aos céus e muita gente nem vê. Por distração, talvez. Não sei muito bem. Só sei que, desde cedo, aprendi a gostar da Páscoa e a conviver com a esperança. Se a vida venceu a morte, há esperança. Meu pai nos explicava sobre o ovo, símbolo da vida, da vida que persiste, da vida que surpreende. O fogo tem muito poder. O poder de transformar. O poder de iluminar. As escuridões vão se multiplicando e vamos nos acostumando com elas. E nada de luz. Nem de aconchego. Mesmo na Igreja em que trabalho, vejo essas ausências. Joelhos que beijam os chãos automaticamente e que, depois, se levantam e se apressam para nada fazer quando há alguém caído. Tudo diferente do que Ele ensinou. E as mentiras que fizeram com que o povo desejasse Sua morte continuam hoje. E continuam matando. As traições também prosseguem e, também, a falta de solidariedade. Até os mais próximos se fizeram distantes. Mas Ele os perdoou. Ele compreendeu os seus medos. Ele orou ao Pai dizendo que eles não sabiam o que estavam fazendo. Quanta injustiça a ignorância é capaz de trazer! Se parássemos um pouco para pensar... Por isso sento e olho a Igreja, antes de ir para a casa. E rezo do meu jeito. Às vezes, sem nada dizer. Só olhando. Às vezes, dizendo e pedindo e agradecendo. E depois ando pelas ruas como que alimentado de amor. E aí sou capaz de ver Deus nos caminhantes que cruzam o meu caminho, como Ele ensinou. O próximo. Aquele por quem eu devo ter compaixão e cuidar. Eu vejo imagens e fico triste. Fico triste, às vezes, comigo mesmo. Porque aprendi e não faço. Porque me acomodo. Porque olho o fogo e não me transformo. Mas hoje é Páscoa. É passagem. Avisto não tão longe a felicidade. Foi por isso que tudo aconteceu. Seu sangue derramado. Sua entrega amorosa. E tem gente que não acredita e que se tranca no frio. Estou aquecido. Hoje, vou contar história para os meus netos. Logo depois de nos alimentarmos. O mais velho tem o meu nome. Pedro. Mesmo ele que era tão forte teve medo e negou o amor mais de uma vez. Santa imperfeição. Somos todos pedra e nada. Força e fraqueza. Então, nada de julgamentos nem de acusações. É dia de celebrar a liberdade. Mesmo com as chamas. Mesmo com a dor. Feliz Páscoa! Publicado no dia 21 de abril, no jornal O Dia (RJ). voltar |
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