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PENHOREI MEU DESEJO
Acadêmico: Gabriel Chalita
"Mas o meu sonho, desta vez, não era sobre joias."

Acordei assustada. Saindo de um banco ou de uma casa de penhores. Não sei bem ao certo. Sei que a placa ainda está nítida na minha memória. Era penhor, sim. E não era de joias. Já penhorei minhas joias mais de uma vez. Confesso que o exagero me assalta distraída. Deixo outros afazeres e vou comprar joias. Gasto o que não tenho. Compro em prestações. Em muitas prestações. Agradeço quando me permitem. E volto eufórica. Coloco as joias e me sinto viva. Preencho-me por alguns instantes. Apenas isso.

Não. Mas o meu sonho, desta vez, não era sobre joias. Era sobre desejo. Qual? Não sei contar com detalhes. Sei que havia um alívio de não ter mais desejo algum. Sabina é uma amiga muito esperta. Ela, inclusive, interpreta sonhos. Acho que o melhor é buscar ajuda. Dentro de mim, encontro algumas explicações. Sou muito impulsiva. E muito crente no amor. Sou, sim. Basta um gesto de romantismo para que eu me ponha a sonhar acordada.

"Surgiu minha alma gêmea", "Nunca vi ninguém tão apaixonado", "A perfeição existe", "Ele me disse coisas que eu jamais imaginaria ouvir de um homem", "Romanticamente, ele trouxe o luar até nós". Sabina disse que eu misturo as coisas. Que, quando eu conto, eu minto inocentemente. Isso mesmo. Que eu leio muito e que eu desejo muito e que qualquer gesto acaba ganhando um outro significado. E por isso eu sofro. Ai, meu Deus, como eu sofro! Porque os homens logo partem. E não trazem alguma explicação. Mesmo que uma mentira inocente. Nada. Eu mando mensagens. E nada. Eu insisto. E nada. Eu choro. E nada de compreensão para a minha dor.
E conheço outro. Um sorriso já me soa como uma proposta de algo mais sério. Ué, por que não? E quando me elogiam, então, aí me desfaço e autorizo que façam de mim o que bem entenderem. Estou errada? Claro que estou. Não preciso nem da Sabina para saber disso. É só olhar para as cicatrizes que carrego na alma. Coleciono desatenções. O certo era ser um pouco mais cuidadosa. Era dar ao tempo autorização para me explicar. Infelizmente, sou uma atropeladora de tempo.

Será que há algum lugar em que se penhore desejo? Sei que não há. Não sou louca. Só estou pensando alto. Um lugar dentro da gente, talvez. Que eu diga assim: "Pronto, fique aí um pouco. Quando estiver inteira, volto para te buscar, por enquanto é mais prudente nos separarmos". E aí não sofreria. E aí dedicaria mais tempo para outras coisas. Quais coisas? Já estou eu discordando de mim mesma. Não importa. O que importa é aprender com os “nãos”. Com as portas que nem abertas foram. Era tudo ilusão.

Sabina diz que a compulsão por comprar joias vem dessas ausências, desses sonhos errados. Não sou de discordar, mas sonho é sonho. E não se despreza, assim, um sonho, chamando-o de errado. Não mesmo.

Hoje é domingo. Dia difícil, né? Principalmente à tarde. Nos dias de semana, o trabalho me faz companhia. Na manhã de domingo, arrumo o que ficou de lado por falta de tempo. Depois, almoço. Depois, descanso um pouco. E aí acordo. Como agora. Tentando entender. Sei que os silêncios também fazem bem. Mas os barulhos do desejo... Nossa! Já ia me esquecendo de que havia decidido penhorá-los todos.

Bobagem. Vou tomar um banho, limpar o que deve ser limpo e sair. Nunca se sabe o que há na próxima esquina.

Publicado no dia 07 de abril, no jornal O Dia (RJ).



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