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É QUASE NATAL
Acadêmico: Gabriel Chalita
"Havia um irmão que cantarolava sem muito compreender o significado da sua alegria. Um avô que cantava em outra língua, a de sua terra natal. Devia ele ter a saudade que hoje tenho, mesmo sem ser avô."

Amanhã é natal. Ou véspera do natal. Então, hoje também é véspera. É quase. Quase é o que ainda não chegou. Ou não aconteceu. Quase ganhou. Quase passou. Quase encontrou.

O natal é um momento de encontros. Na linda história do lindo menino, a humildade encontrou o aconchego necessário para permanecer. Era o tempo certo. O que aconteceu naquele tempo não ficou naquele tempo.

Os natais da minha infância tinham uma inocência que hoje me faz falta. Aprendi a acreditar na bondade e no humano jeito de Deus se manifestar. Em cada ação de amor, um traço do Criador no desenho de infinitas possibilidades que compõem o universo. Acalmava-me na bondade do meu pai. Deus habitava aqueles gestos serenos de compreensão. Palavras eram ditas com cuidado. Olhares eram distribuídos sem economias. E sorrisos. Nada de brigas. O tempo ensina o prazer de andar de mãos dadas.

Havia um irmão que cantarolava sem muito compreender o significado da sua alegria. Um avô que cantava em outra língua, a de sua terra natal. Devia ele ter a saudade que hoje tenho, mesmo sem ser avô. Uma mãe que se apressava para acalmar no momento certo, uma mãe cachoeira de afetos. Sem pausas nem preguiças. Havia uma Rosa, sempre há uma Rosa. Os perfumes da infância têm o poder da permanência.

Eu ainda não havia conhecido a perversidade. Confiava sem medo na espécie humana. Sonhava com o crescimento. Imaginava o que seria um dia. O dia chegou. Outros dias chegaram. Realizei alguns sonhos, outros mudaram sem que eu percebesse. Fui me alimentando do possível para prosseguir.

Se olho para os natais que já se foram, tenho necessidade de agradecer. As feridas que se criam não podem sustar os sorrisos. Quantas conquistas! Quantas manifestações de amor!

Os “quase isso”, “quase aquilo”, não chegaram a borrar o traçado. Tento continuar acreditando que os que agem por mal o fazem não por uma decisão, mas por uma ausência. Esqueceram-se de buscar, no sagrado que mora no interior de todo humano, o que há de mais divino, o amor. E toda a escolha que não é por amor não é escolha, é ausência. A liberdade não pode nos levar à escravidão. Os perversos, os que tramam contra um outro humano, irmão do mesmo barro, não encontram a paz.

"Você já viu alguém que faz o mal a outro alguém encontrar a felicidade?”, ensinava o meu pai.

O menino que no natal nasceu, quando cresceu, ensinou o que meu pai aprendeu. Amai a todos. Amai como decisão de vida, como vocação.

Amanhã é natal. Os álbuns de fotografia teimam em nos lembrar de que há pessoas faltando. Os álbuns de fotografia não têm a consciência da eternidade. Os que se foram de alguma maneira continuam. Enquanto escrevo, posso lembrar os seus gestos, posso ouvir as suas vozes, posso reviver os nossos encontros.

Há algo de triste no natal. Muita gente diz isso. A tristeza exerce um necessário papel. De nos humanizarmos. De nos relembrarmos que precisamos de colo, de ombros, de dizeres.

Para aqueles que quase perdoaram, que quase alegraram alguém, que quase experimentaram o amor, ainda dá tempo. O menino sorri miraculosamente sempre que o traçado é capaz de fazer nascer a bondade.

Se tenho saudade do tempo em que acreditava, é só convidar aquele tempo para passar o natal comigo. No tempo que vivo hoje. Junto com os que gostam das mãos que tenho para caminhar.

Amanhã é natal. Ou quase. Quase não. É. Todo dia pode ser natal.

Publicado no dia 23 de dezembro, no jornal O Dia (RJ).




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