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Acadêmico: Gabriel Chalita "Meu filho resolveu me interditar. Dinheiro. Não tenho muito, mas ele quer o que tenho. Criou uma teoria de que eu não tenho condições de decidir por mim mesmo."
Tentei acordar. Não pude. Já estava acordado. Tentei imaginar que se tratava de um pesadelo. Era um pesadelo. Meu próprio filho. Abro a janela e o dia está cinzento. Torno a fechar. Prefiro ficar no silêncio do meu cômodo. Incomoda-me o barulho dos pensamentos. Eu jamais faria isso com meu pai. Jamais! Meu pai morreu há algum tempo. Fui um filho com algumas ausências, lamento por isso. Hoje, estaria mais presente. Mas o tempo não nos avisa quando vai levar quem amamos. Morreu nos meus braços, meu pai. Meu filho resolveu me interditar. Dinheiro. Não tenho muito, mas ele quer o que tenho. Criou uma teoria de que eu não tenho condições de decidir por mim mesmo. Arrumou testemunhas que nunca visitaram os meus sentimentos, mas que, de mim, falam como se conhecessem todas as minhas intenções. Busca meu filho o que aquinhoei com tanto esforço. Um pouco veio do meu pai. O resto, acrescentei trabalhando. E é essa a minha história. A dele? Gosta de luxos, de exibicionismos e de pausas. As pausas entre os fazeres aliviam cansaços. As pausas sem os fazeres roubam a vida da vida. E foi assim que eu fui perdendo a admiração. É duro um pai dizer isso. Não posso admirar um filho que diz que não nasceu para o trabalho. Não posso admirar um filho que abraçou a mentira como cúmplice necessária para os seus malfeitos. O erro foi meu? É assim que percorro meu interior. Culpando-me. Eduquei sem educar? Imaginei ter plantado bondade e aguardado o tempo dos desabrochamentos. E, hoje, ele diz a um e a outro que eu não tenho condições de compreender quem eu sou. Comigo não fala. Tentei contato, até porque é meu filho. A dor dos seus gestos não mata o que nos une. Há uma ponte que não pode ser desfeita, mesmo que o silêncio da ausência a torne deserta. Minha mulher morreu não faz muito tempo. Ainda no luto de uma perda, perco o que imaginava ser a minha brisa no calor do entardecer. Quantos anos tenho pela frente? Já fiz 90. Helena ainda estava comigo. Preparou tudo. Surpreendeu-me mais uma vez. E depois se foi. Sem barulhos, deitada ao meu lado. E depois veio ele cumprindo a promessa de retirar de mim o que conseguisse. Façam as contas. Meu filho não é um jovenzinho rebelde. É um homem desapegado de valores. É quase um velho. Quase, não, é um velho, mais velho do que eu, que ainda sonho. Abro novamente a janela. E nada. De onde moro, quando não há nuvens potentes, consigo ver o pôr do sol. Helena e eu gostávamos do despedir do dia. Quando não havia sol, nos olhávamos. E pronto. É assim que fazem os girassóis, dizia minha avó, contadora de histórias. "Os girassóis se voltam sempre para o sol. Quando sol não há, eles se viram um para o outro buscando a energia que ficou", consigo ouvir sua voz. Tivemos um único filho. Quando remexo as fotos guardadas dentro de mim, tento encontrar onde foi que sua imagem começou a tremer. A mãe chorava o filho que se perdia dia a dia. Falamos disso. Mas era um homem feito. Com suas decisões incorretas e seu destino incerto. Agora ele me vê como um velho que está demorando para morrer. Quer usar o que um dia seria seu. Não. Nunca pensei em deserdá-lo. É meu único filho. Ele quer, também, a casa. Disse que eu ficarei mais feliz em um asilo. Que ando muito sozinho. Isso ele diz pela advogada. Não o vejo há algum tempo. Abro, mais uma vez, a janela. Ah, o sol apareceu. Apareceu um pouco antes de partir. Veio se despedir de mim. Imagino Helena ao meu lado. Mãos dadas comigo. Em pouco tempo, estaremos juntos novamente. É nisso que acredito. Como será o pôr do sol da eternidade? Haverá girassóis por lá? Publicado no dia 16 de dezembro, no jornal O Dia (RJ). voltar |
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