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Acadêmico: Gabriel Chalita "Há sonhos que demoram a se realizar. Há outros que chegam antes de serem sonhados."
A feira fica bem próxima de onde moro. Tem gente que não gosta. Falam de barulho na montagem e de alguma sujeita depois que se vão. Falam de movimentos acima do normal. Eu gosto. Gosto de madrugar ouvindo gente trabalhando. O silêncio da noite me basta. Levanto. Abro a janela. Aqueço-me com a luz ainda preguiçosa e dou o descanso por encerrado. E, depois, o banho cumprimenta meu corpo. E, depois, o café se ajeita em mim. Coisas simples. Leves. E parto para a feira. Gosto do cheiro das frutas. Ah, como gosto. A laranja tem um perfume de lembranças de antes de viver na cidade grande. O limão, também. Não é sempre que tem fruta do conde. Gosto do nome e do formato. E do cheiro, naturalmente. As conversas da feira também me agradam. Uma oferta de desconto. Um comentário sobre a chuva da semana que já foi. Um dizer sobre o que já está para sair da estação. As frutas mais caprichosas não nascem sempre. Em parte do ano, descansam. E outras vêm. Cada uma em sua época. Há as que estão sempre vindo. Não sei quem decide. As cores também me agradam. Tantas combinações. Em algumas barracas, paro para experimentar. Com calma. Como se fosse uma oferenda. A natureza se oferecendo para alimentar de paz os seus filhos mais perturbados, os humanos. Tem gente que come sem sentir. Que mastiga sem mastigar. Que engole sem sorver as delícias do que nasceu para fazer nascer sensações especiais em nós. O abacaxi da feira, de hoje, está doce. Como cada pedaço sentindo o seu cheiro e percebendo seu sabor. Agradeço. E compro um para levar para casa. A melancia também está convidativa. E, também, as ameixas. Preço bom. Ouço uma história de uma mulher que deixou o marido depois de tanto sofrer. Há barulhos por todos os lados na casa das pessoas, e não são barulhos de trabalho nem de montagem de feira. Os violentos utilizam o "amor" como justificativa de seus plantios incorretos. Nada disso. Ninguém tem o direito de humilhar, e ninguém tem o dever de suportar. Meu marido trabalha nas estradas. Dirige seu caminhão e leva alimentos de um lado a outro. E, quando vem, me tranquiliza a alma. É bom se sentir amada. São anos de um amor que não se esgotou. E temos planos pela frente. Vou comprar maracujá para fazer suco. É tão bom vê-lo virando o copo e não escondendo seu êxtase. E com a mão de poeta toca-me o corpo e me diz o que é estar de volta. Há sonhos que demoram a se realizar. Há outros que chegam antes de serem sonhados. Foi numa barraca de feira que o vi pela primeira vez. Oferecendo-me morangos. Aceitei. Como não aceitaria? Despeço-me das pessoas e volto para casa. Lugar onde sempre tenho o prazer de estar. Lá, planto os sentimentos que compartilho. Lá, sinto o cheiro da vida que me faz tão bem. E, quando saio, saio inteira para oferecer os meus frutos. Publicado no dia 02 de dezembro, no jornal O Dia (RJ). voltar |
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