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Acadêmico: Gabriel Chalita "Quando ele estava comigo, eu dizia para mim mesma: e estando, me faltas. E agora que ele me falta eu diga para mim mesma: e agora?"
"Foi assim que começou o meu dia", conta Roseane, para sua mãe. "Acordei cedo. O dia me acordou esquisito. Exigente de que, antes do necessário, eu me levantasse. Os pensamentos roubaram-me a paz. Tantas incertezas. Sabe como é a vida de artista. Dura. Teimosa, resolvi dormir. E nada de sentir o nada. Apenas um martelar de inconformismos. Fiquei brigando comigo mesma em pensamento. Dizendo o que deveria ter dito em uma ocasião. E em outra. Ensaiando o que direi se voltar a encontrar. Tudo isso antes do senhor Sol dar o ar da graça. Comi sobressaltada. Mirela se ajeitava para ir à escola, e eu a olhava com gratidão. Minha filha. Um ensaio de lucidez aos 9 anos de idade. Será melhor do que eu, quando chegar o momento das decisões. Nova briga comigo mesma. Devia ter dito isso. Devia ter retrucado. Não devia ter dito aquilo. E o dia se seguiu. Cansativo. Nada de novo. Nem a comida. Há algum tempo tenho brigado com os sabores. Nada me realiza. Desde que o Junior se foi. E eu queria que ele tivesse ido. Havia um sufocamento com a sua presença. Há um sufocamento com a sua ausência. Consegue me entender? Quando ele estava comigo, eu dizia para mim mesma: e estando, me faltas. E agora que ele me falta eu diga para mim mesma: e agora?". Roseane para um pouco. A mãe apenas ouve. E espera. "Sabe, mãe, fui à casa do Gui, ler um texto novo de teatro. Uma peça adaptada do Suassuna. Li como se deve, mas longe. Enquanto comíamos pipoca e bebíamos café, olhava para a Pedra da Gávea. Quieta. Gigante. E eu cheia de pequenas agitações. Mirela foi comigo. Atenta a tudo. Quando acabou, eu estava em êxtase. Que texto! Percebi que minha personagem poderia ter a grandeza da Pedra. Chega de belezas. Chega de fazer papel de mulher linda. Quero viver sem maquiagem. Ficar feia mesma. Mas sem maquiagem. Foi quando Mirela me olhou e disse, sem peneira alguma: 'Mamãe. é impossível você ficar feia! você é linda demais!'. Ela falou como brisa que espanta qualquer calor, ela falou com a liberdade de quem nem precisaria estar ali. Mamãe, estando, ela nunca me falta. E talvez seja isto que eu precise neste momento: compreender. Antes de desligar o dia.". A mãe de Roseane olhou para os lindos olhos da filha. Aproximou-se um pouco mais e brincou com os seus cabelos cacheados. Roseane era realmente linda. Sem maquiagem. Vez ou outra, é melhor ficar assim. Enquanto elas celebravam o silêncio, Mirela entrou. Três mulheres, três gerações, três corpos de resistência. O sofrer irá moldando o amar também e também as dúvidas todas que fazem parte do existir. Na Pedra da Gávea, a Lua sorria como cúmplice das cenas de amor, de qualquer forma de amar. Publicado no dia 18 de novembro, no jornal O Dia (RJ). voltar |
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