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Acadêmico: Miguel Reale Junior "Cresceu vertiginosamente, especialmente em Estados do Norte e Nordeste, o número de homicídios, que nessas regiões alcançam no ano a média de 50 por 100 mil habitantes."
Há que evitar candidato que gosta de aplausos ao esquadrão da morte ou de receber juiz a tiro O tema mais sensível da disputa pela Presidência da República é o da segurança pública, em vista do desassossego que aflige o cotidiano da população, principalmente nas cidades grandes e médias. A delicadeza da questão está no fator emocional, no medo sentido diante da violência presente nas ruas, além da sensação de impunidade. Nestas condições, a campanha eleitoral levará candidatos populistas a explorar o problema com propostas simplistas de maior repressão, manifestamente pouco redutoras da criminalidade, mas enganosas. Vem de ser promulgada a Lei n.º 13.675, instituidora do Sistema Único de Segurança, cuja tônica está na busca de integração operacional das diversas unidades de polícia - Federal, Militar, Civil, Rodoviária, municipal - e na criação de rede nacional informatizada para intercâmbio de informações das integrantes desse sistema. Criar banco de dados criminal de âmbito nacional é essencial para orientar os trabalhos de persecução penal - a ser financiado, como sugerimos em nossa passagem pelo Ministério da Justiça, pelo Fundo de Telecomunicações. Quanto à integração operacional, posso lembrar minha experiência na Secretaria de Segurança de São Paulo e à frente do Ministério da Justiça. Neste, organizamos forças-tarefa compostas pelas Polícia Federal, Rodoviária Federal e Polícias Civil e Militar de São Paulo e de Mato Grosso do Sul, no combate ao roubo de carga, com resultado muito positivo. Para integrar as polícias, outro caminho está em fazêlas ter formação parcialmente conjunta, dividindo salas de aula. Tais medidas são importantes, mas não suficientes. Onde estão os gargalos da segurança pública? A meu ver, na elucidação dos crimes, na absoluta falta de uma política criminal de cunho social, no sistema prisional produtor de reincidência. Cresceu vertiginosamente, especialmente em Estados do Norte e Nordeste, o número de homicídios, que nessas regiões alcançam no ano a média de 50 por 100 mil habitantes. No assassinato é mais fácil do que no roubo à mão armada apurar a autoria, pois o assassino em geral está entre conhecidos, agindo por motivação verificável. Assim mesmo, na média, no País, apenas 15% dos casos têm sua autoria esclarecida. No Pará, por exemplo, tão só, 4% dos homicídios são elucidados. Já no crime que mais amedronta o nosso dia a dia, o roubo à mão armada, a identificação da autoria e a instauração de processo, em todo o Brasil, fica na faixa de 1% a 2%. Se não houver flagrante não se PUBLICIDADE alcançam provas de autoria. E se instala a impunidade. Tal demonstra a falta de serviço de inteligência nas investigações e do uso de dados do modus operandi, seja para prevenção como para apuração dos crimes. Dos assaltos à mão armada, poucos são elucidados, além da cifra negra, ou seja, dos crimes não notificados à polícia, por saber o cidadão nada adiantar a perda de seu tempo indo à delegacia. Aí está a impunidade. No Diagnóstico do Sistema Criminal, que dirigi em 2000, constatou-se ser grande fator criminógeno a desorganização social nas médias e grandes cidades, com periferias destituídas de equipamentos viabilizadores de socialidade e de dignidade da pessoa. O único divertimento nos bairros pobres está no boteco, em cujas proximidades se comete a maioria dos homicídios. De um lado, é essencial o fechamento de bares na periferia a partir das 10 horas da noite, medida eficiente experimentada no contorno de Brasília e em Diadema (SP). Outra medida essencial está na instalação de juizados lá na ponta dos centros urbanos, contando com a presença de juiz, promotor, defensor público e policiais civis e militares, levando a Justiça ao povo. A figura do juiz é forte instrumento de paz social, como se viu em Cidade Tiradentes, no fundão da Zona Leste de São Paulo, com o Centro Integrado de Cidadania. Mas bom exemplo de redução da criminalidade está na integração social decorrente de atividades culturais e esportivas, como ocorreu em Jardim Ângela, com o Programa Criança Esperança. As escolas podem ser transformadas em local para atividades esportivas e culturais, como teatro, cinema, oficinas de artes, ensino de pintura, escultura, música. Só assim se abre a oportunidade de desenvolvimento da personalidade aos desassistidos da periferia, ganhando-se como subproduto a redução da violência. Outra questão reside na situação calamitosa de nossos presídios. O cerne do cumprimento da pena na Lei de Execução Penal vem a ser o trabalho prisional, que constitui um direito, mas antes um dever do preso visando a proteger sua higidez mental e ao mesmo tempo impor controle e disciplina no cárcere. Poucos presídios têm oficinas de trabalho, imperando, ao lado da superlotação, a ociosidade. Tudo conspira para a reincidência. Imenso é o déficit de presídios próprios para o regime semiaberto de caráter agrícola, industrial ou agroindustrial, de baixo custo, onde haja trabalho diurno em comum, como passagem obrigatória no cumprimento da pena, para não se transformar indevidamente o semiaberto em aberto, ao se autorizar o trabalho diurno fora da prisão, o que deveria ser exceção, não regra. O trabalho é fundamental para o condenado, pois ocupa o tempo, gera pecúlio e constitui aprendizado para a liberdade. A organização do trabalho no presídio também leva à redução da influência dos comandos dirigidos pelos presos chefetes da cadeia. Para evitar a reincidência, todavia, é básica também a assistência ao egresso, auxiliando o liberando a se recolocar na sociedade normalmente hostil ao ex-condenado. Estas ponderações mostram que se devem evitar os presidenciáveis que gostam de bravatas, aplausos ao esquadrão da morte ou receber juiz a tiro, como já disseram respectivamente Bolsonaro e Ciro Gomes, pois sob sua direção o caminho complexo da segurança será desastroso. Publicado no jornal Estadão em 07/07/2018. voltar |
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