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Acadêmico: Gabriel Chalita "Deus caprichou, mas o homem estragou"
O dia no Rio de Janeiro estava lindo. Hector era quem dirigia o carro. Monica olhou a paisagem e não economizou nos ditos nascidos de mais um espanto. É assim que ela define a cidade. Espanto, aqui, significa encantamento, êxtase, emoção. As imagens que vão desfilando pelos olhos surpreendem mesmo que sejam vistas todos os dias. Monica fez o comentário e, em forma de oração, externou sua crença. Deus existe. Deus caprichou em sua obra. É um Artista perfeito. Hector ouviu os comentários, concordando com a cabeça. Durante um silêncio qualquer, ele resolveu desabafar. "Deus caprichou, mas o homem estragou". E prosseguiu comentando sobre a falta de cuidado com a cidade, sobre o abandono, sobre os desmandos que já são conhecidos. Monica voltou ao que foi dito. "Deus caprichou, mas o homem estragou". Enquanto via o Rio de Janeiro, pensava nos problemas tantos que a atormentavam pelos estragos feitos pelos homens. Se a criação inspira a harmonia, o que significa tanta desavença? Palavras ditas sem cuidado, palavras que perfuram sentimentos e causam feridas. Se os dias se sucedem sem pressa, por que tanta briga com a demora pela cicatrização? O sofrimento tem sua razão de existir, pensava ela. Se há tanta beleza para ser contemplada, por que se perde tanto tempo com visões que desagradam, que desagregam? Sim, Deus caprichou. Não é possível dizer que a humanidade é um projeto que não deu certo. Há tantos inspiradores, há tanta felicidade para ser alcançada com um simples gole de água refrescante, há crianças começando o existir. Monica pensa em uma menina que dança o ballet do jeito que quer. Sem muita preocupação com os movimentos. Desencontra-se sem medo. Sorri da lembrança e imagina que talvez ela devesse fazer dança contemporânea. Mais livre, talvez. A menina é bela, e ela a ama. Hector faz um outro comentário. O sol entra pelas janelas e aquece aquela prosa. O carro prossegue o seu destino. Os pensamentos, também. Monica rascunha nos sentimentos muitas impressões. Trabalha com arte. Tem compromisso com a arte. Olha um outro ponto da cidade e decide que a cidade em que vive é uma obra de arte. E o ser humano, também. Se a cidade está malcuidada, se os seres humanos estão estragados, a culpa não é do Artista Maior. Deus nos deu a liberdade para escolhermos os trajetos e até para mudarmos as paisagens. A música, no rádio de Hector, fala de uma história de amor que se acabou. Monica presta atenção. Cantarola junto. Agradece ao dia que estava ainda espreguiçando. Era bom estar ali. Hector comenta da mulher que nasceu em outro país e que ama o Brasil. Monica ouve. Ela gosta de ouvir. Sem pressa. Respira fundo e deseja que o dia seja bom. Param em um sinal. Daqui a pouco, prosseguirão. O que virá depois? Se depender de Deus, só belezas... o que houve com os homens, então? O melhor a fazer é prosseguir. Próximo ao asfalto, algumas pequenas árvores garantem que vão crescer. Publicado no dia 20 de maio, no jornal O Dia (RJ). voltar |
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