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Acadêmico: Gabriel Chalita " O amor cuida como exigência própria de sua existência. Nada de agressões nem de ausências. Olhares. Mãos. Cheiros. Beijos. Tudo calmo e tudo intenso. E admiração. Daí é que nasce o respeito."
Solange soube, desde cedo, que o mês de maio é o mês das noivas. Na cidade onde mora, nas vozes que escuta sobre o assunto, nas mulheres mais velhas que se acotovelam na pressa de não desperdiçar o mês. Para iniciar um namoro. Para prosseguir até o ano seguinte. Tempo suficiente para conhecer e decidir. E casar. Uma tia experiente de Solange, que se casou mais de uma vez, não sem antes ter chorado o luto de mais de uma viuvez, sempre iniciou os namoros no mês de maio. E, um ano depois, exatamente no mês de maio, fazia no altar as novas juras de amor eterno. Solange chegou a inquirir a tia se não era pouco tempo um namoro de apenas um ano. A tia, sabida, explicou que, se para o nascimento era preciso apenas 9 meses,... E silenciou. Solange tentou fazer a ligação de uma coisa com outra. Era mais difícil uma criança inteira ganhar forma do que um amor mostrar que já se formou. Que já estava pronto. Seria isso? Ela não sabia. Sabia que era mais um mês de maio. Nos meses que antecederam, ela fez um sério regime. Deixou para os derradeiros dias de abril a mudança de penteado. Soube, de uma e de outra, as promessas que costumavam não falhar. O santo mais acionado era Santo Antônio. Por sinal, padroeiro da sua cidade. Solange não buscava um homem perfeito. Longe disso. Queria apenas alguém com quem pudesse dividir os afetos mais sinceros. Alguém que a respeitasse. Alguém que dissesse palavras doces em uma vida de tanto amargor. Se fosse bonito, melhor. Se não fosse, beleza é passageira, dizia ela para si mesma. Queria o permanente. Não era dessas que aceitavam um aqui e outro ali. Queria a paz de ir conhecendo cada detalhe das linhas das mãos do seu amor. Leu no salão de beleza que cada linha tem um significado. Interessou-se pela linha da vida. A que define se viveremos mais ou menos. Será que sua tia reparava nas mãos dos maridos? Bobagem. Não acreditou muito. Mas gostou de saber que as linhas não estão à toa nas mãos. Nada é por acaso. Nada é fruto do acaso. Nem as mãos. Solange queria um amor. Que estivesse distraído em alguma esquina e a visse passar. E a olhasse com algum desejo. E reparasse que ela estava pronta para um início, no início de mais um mês de maio. Não se atiraria rapidamente porque o recato é uma qualidade que lhe parece necessária. Por outro lado, não se faria insincera, dificultando uma prosa que poderia ter continuidade. A mãe de Solange enviuvou cedo. E não quis saber de outra história. Dizia que amar dava muito trabalho. Que preferia permanecer nas lembranças. Solange não concordava. Respeitava, mas não concordava. “Viver dá trabalho”, dizia ela para si mesma. Frase de algum escritor famoso de quem ela não se lembrava. Mas, no trabalho do viver, o amor é uma brisa boa que nos perfuma de novidade. De uma eterna novidade. Solange vivia perfumada. Era melhor assim. Sem exageros para não enjoar o tal do distraído parado em alguma esquina. Parado? Não. Era melhor encontrar um homem em movimento. O amor é movimento. Movimentamo-nos para cuidar, para surpreender, para elevar quem amamos. Se a beleza não era a condição primeira para o enlace, a admiração era. Quem ama admira. Um ao outro. Nas ações diferentes e nos tempos diferentes. Nada de anulações. Mas de encontros. Cada um prosseguirá tendo a própria história. E, juntos, uma história comum. Quem se anula um dia cobra. Quem ama não admite anulações. É como as asas de um pássaro qualquer. Não sabe Solange porque se lembrou de um pássaro. Talvez porque tenha duas asas, e as duas precisam estar inteiras para o voo certeiro. Talvez. A vocação do amor é o alto. Se se prende a detalhes menores, não há voo. São cúmplices as asas. Os amantes. Os sonhos. Solange sonha com esse mês de maio. Não que esteja em apuros. Se não encontrar, há de esperar mais um pouco. Não há de estragar os novelos com uma blusa que não aqueça. Solange gosta das tardes em que acompanha a despedida do sol com as agulhas de tricô e o tecer de mais um agasalho. O mês de maio é um mês bonito. Nem muito quente. Nem muito frio. A paixão é apressada, ansiosa. O amor é paciente, tranquilo. Há muitas esquinas na cidade de Solange. Não é preciso se precipitar no primeiro encontro. Se o que amou não correspondeu, nada de mendigar. Migalhas não satisfazem uma vida. A paixão se satisfaz com migalhas. Depois se irrita. Depois quer mais. Depois desiste. Depois volta. Depois chora. Depois agride. Depois jura que nunca mais. Depois desiste do que jurou. O amor, não. Ou é pleno ou não é. O amor cuida como exigência própria de sua existência. Nada de agressões nem de ausências. Olhares. Mãos. Cheiros. Beijos. Tudo calmo e tudo intenso. E admiração. Daí é que nasce o respeito. O gosto de ver. E de ver de novo. De ouvir. E de ouvir de novo. E de não se cansar. Cansaços fazem parte do trabalho, da lida, não do amor. Quem se cansa de uma brisa leve? Que nunca incomoda? Quem se cansa da água que nos alimenta de vida? Quem se cansa das mãos, com todas as suas linhas, que estão prontas para acariciar? Ainda estamos no início do mês de maio. Solange tem algum tempo para o início. Hoje, ela saiu especialmente feliz. Teve um lindo sonho. Em tempo, sonhos ajudam a encontrar um amor. Gabriel Chalita voltar |
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