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SABER VIVER
Acadêmico: Gabriel Chalita
"A canção "É preciso saber viver" encerra um lindo musical que está em cartaz, no Rio de Janeiro, no Teatro NET. Depois se apresentará em São Paulo."

Saber Viver

A canção "É preciso saber viver" encerra um lindo musical que está em cartaz, no Rio de Janeiro, no Teatro NET. Depois se apresentará em São Paulo.
Não vivi a década de 60. Mas vivi as suas canções e as suas personagens. Frederico Reder que idealizou, escreveu (ao lado de Marcos Nauer) e dirigiu o espetáculo falou sobre os sonhos de menino e as escolhas que fez na vida para chegar onde chegou - nada de ilusão ou solidão. Ação.

No palco, um desfile de atrizes e atores impecáveis. Todos afinadíssimos. Arranjos muito bem feitos.

Na vida, é preciso que seja assim. Se se desafina em ensaios, corrige-se, aprende-se e se lança a viver corretamente. Os arranjos também são escolhas que fazemos. E quando as escolhas nos permitem olhar para trás e agradecê-las, soubemos viver. Enquanto as músicas nos embalavam no palco - as roupas, as imagens, as lembranças de fatos que alguns ali viveram, que outros souberam -, eu olhava para a plateia e via quem eu via na televisão nos idos da minha infância.
Perto de mim, estava Ângela Maria. A rainha. A cantora que conquistou o Brasil. Um pouco atrás, Erasmo Carlos. Do outro lado, Wanderley Cardoso, Jerry Adriane. Eu os olhava como olhando para os tempos da inocência.
Na televisão da minha casa, assistíamos a Silvio Santos. Desafiávamos a vencer o "Qual é a música?". Torcíamos para esse ou aquele cantor por razões que nem entendíamos. Emocionávamo-nos com "A porta da esperança". Víamos "Almoço com as estrelas". Uma vez me perguntaram na escola o que eu queria ser quando crescesse. Eu respondi: "Airton Rodrigues". Nem sei por que dei essa reposta, talvez porque eu quisesse estar casado com Lolita Rodrigues. Talvez porque eu gostasse de ver aquele almoço e ouvir aquelas canções. Ríamos, em casa, das irreverências do Chacrinha. Do seu bacalhau. Não sabíamos quem era a sua Terezinha. E, vez em quando, eu usava o meu quadro negro, presente de algum natal, para dar aulas para minha avó. E ralhava com ela por conta de alguma desatenção. Ia nascendo ali minha vocação para o magistério.
Voltando ao teatro, cantei junto várias músicas. Lembrei-me de tantos que se foram. Meu avós, meu pai, tios, irmãos. Músicas que nos embalaram. Têm esse poder as músicas. O poder transportador. O poder que revela o quanto somos acumuladores. Acumulamos lembranças, sentimentos, vida.

As participações de Wanderléa foram muito bem pensadas. Desde sua chegada ao palco cantando "Ternura", a Ternurinha mostra quanto está linda aos 70 anos de idade. "Foi assim" trouxe nostalgia a tantos que estavam ali. A vida vai sendo. Os instantes vão se sucedendo. E os que partem não voltam. Mas, quando as escolhas são corretas, mesmo as pedras que o poeta nos ensinou que sempre estariam no meio do caminho se abrem. E delas surgem caminhos tantos para prosseguir. Em qualquer idade.

A vida é um conjunto de instantes. Que não aceitam permanecer mais do que o combinado. Do que o decidido. Há tempos em que, se pudéssemos, parávamos o tempo. Há outros que gostaríamos de sugerir que passassem mais apressadamente. Podemos até sugerir mas, decidido, ele não nos obedecerá. O tempo tem o seu tempo.
Viver da nostalgia nem sempre é bom. Lembranças nos fortalecem se soubermos viver o presente. Comigo estava o professor Serpa, um menino que já passou dos 70. Via em seus olhos os dois tempos. O tempo do passado em que ele se emocionava com o que via. E o tempo do presente em que ele, à frente da CESGRANRIO, é um dos homens que mais investem em cultura nos nossos dias. Generosa presença na vida de tantos jovens. Artistas que estão começando a sua viagem.
Lembranças nos proporcionam viagens. Viajei para o interior. O meu e o da minha cidade. Lembrei-me do único televisor que tínhamos e de uma tela que era colocada na frente dele para dar alguma cor. Lembrei-me de subir pela janela e girar a antena para sintonizar um ou outro canal. Eram poucos, naturalmente. E isso não faz tanto tempo assim. Lembrei-me de que naquela fotografia estávamos juntos. Faltam muitos. Onde estarão agora? Essa é uma outra conversa. Mas naquelas conversas havia quintal, havia plantação, havia brincadeira na chuva, havia alegria. Hoje, também há alegria.

É preciso saber viver. Assim terminava o espetáculo. Assim continuava a vida.
"É preciso ter cuidado pra mais tarde não sofrer". Escolhas. Mais uma vez fiquei pensando nas escolhas certas que fizeram esses cantores. Escolheram cantar a Jovem Guarda. Guardar nossos domingos de frios inesperados, aquecer nossa memória de bons tempos.

A arte tem esse poder. Um poder de aquecimento. Fazia calor naquela estreia. Me vi menino. Muitos se viram assim. E saí preparado para alguns invernos. Eles sempre vêm. Mas vão.

Parabéns, Frederico Reder, pelas suas escolhas. Inspiracionais. "É preciso saber viver".



Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de SP) | Data: 18/12/2016



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