Compartilhe
Tamanho da fonte


ONDE MORA O MAL?
Acadêmico: Gabriel Chalita
" O demônio mora na humilhação. E há tantos que, por qualquer razão que pareça maior do que a vida, teimam em olhar o outro de cima para baixo."

Dia desses, ouvi uma senhora comentando com outra que era insuportável ver as crianças vestidas para a festa de Halloween.
Havia algumas crianças assim à nossa frente. Ouvi algo como: "O demônio mora nessas festas". Fiquei curioso com o desenrolar da história. Pareciam religiosas as duas. Falavam que o dia das bruxas não poderia ser de Deus. Insistiam na ideia de que o demônio estava por trás de tudo, além das questões de importar algo que não fazia parte da nossa cultura.

Dobraram a esquina e eu prossegui o meu caminho. As crianças ainda estavam à minha frente. Felizes. Brincando. Usando a palavra para afagos e bons comentários. Fiquei pensando, "será que o demônio mora nessas crianças ou nessas festas?". Não quero entrar em detalhes sobre a origem ou o significado da festa de Halloween ou de qualquer outra festa desta ou daquela cultura. Nem nas crenças daquelas duas senhoras que pareciam expelir ódio ao falarem. Religião para mim sempre foi religação. Reencontro com o amor, com a felicidade.

Mas, decididamente, não posso acreditar que o demônio faça morada naqueles espaços. Há outros muito mais propícios a ele.
Ele mora na guerra. Nas "guerras santas", inclusive. No assassinato de crianças inocentes desligadas da vida por religiosos fundamentalistas. Mora no ódio incontido de quem se julga superior por qualquer razão. Mora nos horrores da escravidão. Da de ontem, que por aqui tanta dor causou, e, na de hoje, em que persiste, teimosas, maltratando as gentes. Há tantas pessoas que são assassinadas brutalmente, porque ferem alguns princípios que uns julgam mais valorosos do que a vida. Basta fazer uma breve pesquisa sobre a morte de cristãos em muitos países do Oriente Médio. Cenas chocantes de pessoas que são assassinadas por não renunciarem à fé em Jesus. Há grupos radicais islâmicos matando seus irmãos islâmicos, porque alguma razão parece mais importante do que a vida.
O demônio mora no homem que estupra a mulher em qualquer lugar do mundo. Na dor daquela mulher. Na humilhação. No sentimento de superioridade do homem. E, talvez, até na aceitação dos que cruzam o braço.

O demônio mora na mentira, na dissimulação, na trama para destruir o outro em nome do poder ou de qualquer outro sentimento. A vingança também é uma boa morada.

O demônio mora na humilhação. E há tantos que, por qualquer razão que pareça maior do que a vida, teimam em olhar o outro de cima para baixo. O dinheiro, o poder, o sobrenome, a origem, não há nada que justifique a superioridade de um em detrimento do outro.
O demônio mora na injustiça. Os invisíveis se multiplicam. São um estorvo para os que só querem ver o que decidiram chamar de beleza.
A beleza é onde mora Deus. A beleza é irmã da bondade. Não vivem separadas em nenhuma circunstância. É belo perceber a diversidade do mundo e respeitar mesmo o que somos incapazes de compreender. É bom nos esforçamos para diminuir a dor dos que sofrem para lançar luzes onde as trevas continuam existindo.
Não quero falar mal daquelas senhoras até porque julgá-las por algumas frases não seria correto. Mas nelas não vi luz. Vi nas crianças. Que iam brincar. Que iam animar a vida. Que iam dizer que juntos tudo fica mais gostoso.

O tema de Deus e do demônio sempre incomodou os estudiosos da filosofia e das religiões. Aqui, não temos tempo para nos aprofundarmos tanto sobre isso. Mas temos tempo de dizer. Onde há amor, não há como demônio nenhum habitar.





Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de SP) | Data: 06/11/2016



voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.