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Acadêmico: Lygia Fagundes Telles Foram as minhas palavras as pontes que estendi a esses próximos, amigos e amores, fui somando tudo neste ofício e vida, uma coisa só. Espero assim esclarecer o quanto estou satisfeita neste cálido convívio dos amantes da palavra
Senhor Presidente da Academia Paulista de Letras, Francisco Marins. Senhores Acadêmicos. Meus camaradas de ofício: Minhas primeiras palavras serão de agradecimento aos amigos os atentos amigos que tiveram a afetuosa lembrança de me chamar para esta Casa: eles sabem como sou sensível à amizade e assim podem avaliar a minha emoção nesta noite. Na tentativa de disciplinar este pequeno discurso dentro das desregradas regras da disciplina do amor, quero acrescentar que fiz esses amigos no meu ofício de escrever. Foram as minhas palavras as pontes que estendi a esses próximos, amigos e amores, fui somando tudo neste ofício e vida, uma coisa só. Espero assim esclarecer o quanto estou satisfeita neste cálido convívio dos amantes da palavra, essa amada palavra - amada e odiada, vale tudo na luta! - que faz da nossa língua, nos versos bilaquianos, a "última flor do Lácio, inculta e bela". Uma flor que - ai de nós! - é, a um só tempo, "esplendor e sepultura". Mas não vamos tumultuar, eu falava na celebração desta alegria de passar a conviver com amigos que antes não via nunca, alguns antiqüissimos, do tempo das passeatas e das coalhadas, saíamos da Faculdade do largo de São Francisco e íamos ali à Leiteria Campo Belo, mas é preciso dizer que importante mesmo era o encontro marcado na Livraria Jaraguá, hora do chá, o dinheiro curto para o livro mas suficiente para o chocolate. Os verdes anos. As testemunhas da minha juventude, não é curioso isso? Criam-se estranhos laços entre os amigos que se testemunharam reciprocamente nessa idade de ouro. Forma-se entre eles uma atmosfera toda especial, de certa ternura suplementar que é um pouco cumplicidade, conivência. Pois nesta Academia reencontrei alguns amigos dessa época, colegas de uma outra Academia (da Faculdade, claro) e presidida também por Francisco Marins, vocação para as letras e para presidências, lembra, Marins? Lá ocupei a cadeira de José Bonifácio, o Moço, éramos mocíssimos. Minha alegria se soma hoje ao fato de ver definitivamente rompida a tradição de impedir a entrada das mulheres nas academias. E o que me parece bizarro é que a quebra do famoso preconceito aconteceu no nosso País em desenvolvimento (fui bem comportada, eu disse em desenvolvimento) bem antes de acontecer na desenvolvidíssima França: Rachel de Queiroz, Dinah Silveira de Queiroz e a nossa Maria de Lourdes Teixeira já estavam tranqüilas na Academia Brasileira de Letras e nesta Academia quando Marguerite Yourcenar se preparava apenas para ingressar na Academia Francesa de Letras. Surpresas do Brasil... Até que enfim os homens não vão insistir mais em oferecer um pedestal à mulher, mas simplesmente uma cadeira. Pediu-me uma jovem universitária que não fizesse um discurso muito comprido. Um querido contista sugeriu que, ao invés de um discurso, eu devia era fazer um conto. E um terceiro - um jovem universitário - pediu que eu não fizesse um discurso careta, do tipo conformado, gênero medalhão. À jovem que me pediu brevidade respondo que não é minha intenção repetir aqui o que aconteceu numa certa solenidade, os ouvintes exaustos, caindo feito moscas enquanto o orador, já enrouquecido, esvaziado era carregado para fora da sala. Àquele que me pediu um conto devo dizer que de certa forma este discurso também é ficção: parto sempre do real para o imaginário. Foi esta Cadeira nº 28 ocupada por Caetano de Campos, Rubião Meira, Júlio de Mesquita Filho e Luís Martins. Focalizando os dois últimos, dr. Júlio e Luís Martins, partirei, portanto, de duas realidades para a quase ficção, não tenho ilusões, como separar o homem do mito? O que é verdade e o que é invenção? Tirante os dados biográficos (e não interessam biografias) fica a perplexidade, que difícil desembrulhar esse espantoso embrulho que é a condição humana! Terei que prosseguir tateante, varando a ambigüidade das veredas como um inseto que estende suas antenas recolhendo fragmentos, minúcias para compor a esfumaçada silhueta de cada um. Quanto ao pedido do discurso inconformado, pergunto: mas poderia ser de outro jeito? Como escrever um texto conformado sobre personalidades que foram o avesso do conformismo? Dr. Júlio e Luís Martins, dois insatisfeitos, ansiosos, inquietos, da complicada família que tem no peito um coração ardente. Medalhões? Eles? Pois sim. Os que têm vocação para a luta não se sujeitam jamais ao estático e cristalizado perfil de medalha. Talvez até admirem essa medalha no que ela simboliza, beleza, permanência, ah! os perfis ideais no mármore. No ouro. Mas os lutadores são indóceis, podem posar às vezes com a serenidade das estátuas, mas por pouco tempo. Sabem que a medalha pode consertar um nariz porventura torto, delinear melhor um queixo fugidio... Mas como captar nessa medalha o brilho irônico de um olhar? E aquele riso? E o pranto? O que fica - quando fica - é a obra de arte, negação da morte. O que fica - quando fica - é a memória em nós dos mortos que amamos. Memória que tentamos passar adiante para que continue no próximo, depositários provisórios que somos, simples depositários: recolhemos e devolvemos, como nas corridas de revezamento, participei tanto dessas corridas, com que fervor a equipe de corredores se preparava na pista! Minha emoção quando pressentia que o outro corredor já vinha vindo atrás, cada vez mais perto para me fazer a entrega do bastão: a corrida do bastão. O instante mágico do passe, quando então acelerava a marcha, toda a responsabilidade da corrida repousando agora em mim, cuidado! o bastão não pode cair! Minha missão era passar o bastão para o próximo lá na frente - uma corrida sem vencedores individuais, lição de humildade, cada um de nós fazendo parte de um todo, pois se eu nem via sequer quando o primeiro (ou último?), síntese de todos avançava levando o bastão na frente como se leva uma chama. Júlio de Mesquita Filho. Vejo os livros: Memórias de um Revolucionário, Ensaios Sul-americanos, A Europa que eu vi... Percorro os retratos desse singular monarquista, liberal apaixonado, romântico e, ao mesmo tempo, objetivo, realista. Não escondo uma especial curiosidade pela história desses retratos, registro de uma época: fotos de amigos e inimigos, as figuras do tempo - mas quanta gente passou pelas salas de O Estado de S. Paulo! Detenho-me nos retratos do dr. Júlio, os da juventude: a boca obstinada, o queixo forte. E o olhar exaltado, na expressão quase arrogante do líder cívico, Non Ducor, Duco. Não sou conduzido, conduzo. Expressão semelhante encontrei no pai, o fundador do jornal, o primeiro Júlio Mesquita, mas não é extraordinário? Um olhar evidentemente mais contido, sob uma tênue camada de cinza (a idade), mas a mesma brasa queimando tenaz lá no fundo. Agora o retrato da ida para o exílio, uma expressão de quem luta com a vida em luta desigual: Júlio de Mesquita Filho está inconformado, indignado. Mas se o olhar de revolta exprime o sentimento do mundo, a boca endurecida promete que não vai desistir da luta. O ditador Vargas queria vê-lo bem longe, mais precisamente, a vinte mil léguas submarinas... "Mas eu vou voltar" ele avisa na foto sem palavras. "A última arma do cidadão é o silêncio" escreveu Carlos Drummond de Andrade. O silêncio? Mas o dr. Júlio não era homem de ficar muito tempo calado, anima-se, recomeça o trabalho: espicaçado, acabou por escrever suas melhores páginas no exílio. Posso bem imaginar com que secreta alegria se atirou a esse trabalho de denúncia: tantos planos, tanta vontade de ajudar este País e este povo na sua vocação de educador. Acreditava no homem como um ser naturalmente bom, apostava nesse homem: com que confiança conjugava o mais simples dos tempos de verbo, eu sou bom, tu és bom, ele é bom... A influência profunda do pai, o cidadão à moda antiga, exigente e generoso, severo e brilhante. Influência de Rui Barbosa, outro coração ardente. Influência do poeta Olavo Bilac, ardentíssimo. Nos seus poemas, pátria vem sempre com P maiúsculo: "Tu golpeada e insultada - eu tremerei sepulto / E os meus ossos no chão, como as tuas raízes / Se estorcerão de dor, sofrendo o golpe e o insulto!" Essa dor o dr. Júlio sentiu não nos ossos, mas na carne, estava bem vivo quando a pátria, segundo a profecia do amigo poeta, foi golpeada na ditadura Vargas. As perseguições e prisões por crime de opinião. Os exílios. A perda do jornal. A traição. Mas o homem era mesmo capaz de tanta vilania? E onde ficava Jean Jacques Rousseau com seu modelo de homem bom, puro, onde ficava essa bondade, essa coragem? E ele que apostava no homem naturalmente reto, íntegro até prova em contrário. E ele com aquela sede de heróis, querendo que o homem biblicamente pairasse sobre todas as coisas. Viver avilta? Quer dizer então que Freud estava certo. Júlio de Mesquita Filho voltou do exílio (o último com permissão para voltar) não nadando contra a correnteza, o que seria demagógico, mas buscando as correntezas capazes de levá-lo ao mar aberto. Sua fé na cultura, no aprimoramento do espírito não era para criar uma elite de privilegiados, mas uma elite de responsáveis por esse povo em condições tão precárias. Sob sua inspiração foi fundada a Universidade de S. Paulo, tempo de Armando de Sales Oliveira, outro perseguido pelo caudilho. A esperança do dr. Júlio de ver lecionando um dia nessa universidade os maiores professores da Europa, tanta vontade de provar "Os Sertões", "o sertanejo é, antes de tudo, um forte", advertia Euclides da Cunha. Educar esse forte, fazer dele um cidadão e não um mendigo, um drogado. Ou um delinqüente. Conheci dr. Júlio quando me preparava para os vestibulares da Faculdade de Direito, O tempora! O mores! Oh! Tempos, oh! costumes? - não, a tradução é oh! tempo das amoras! Soares Amora lecionava literatura no cursinho quando lá fui à antiga redação do antigo prédio dO Estado: lembro-me de que encontrei dr. Júlio logo na entrada. Fomos apresentados. Ele me observou com um leve sorriso: uma jovem de boina, com um livro debaixo do braço. Dentro do livro, as folhas amarfanhadas de um conto. Ele recebeu o conto, alisou as folhas, dobrou-as cuidadosamente e guardou-as no bolso do sobretudo, ainda o sorriso com uma expressão que no momento não pude alcançar: "Volte sempre, menina". Dois dias depois saía o conto no jornal. Hoje, dr. Júlio, hoje quero publicamente agradecer aquela oportunidade que teve tanta importância para a jovenzinha tímida e ao mesmo tempo ousada, tão desajeitadamente iniciando o difícil oficio de escrever. E viver. Quando tomou posse nesta Academia, Mário Donato começou por dizer que sua cadeira cheirava a pólvora. Digo agora que esta cadeira nº 28 cheira a redação de jornal, mais precisamente a tinta de jornal. De Júlio de Mesquita Filho passo para Luís Martins e eis que o clima ainda é o mesmo, continuamos em casa. Cosa nostra. O amável, o doce e esquivo Luís Martins. Descobriu que não era 300, 300 e não sei mais quanto como se dizia Mário de Andrade, mas apenas dois: o L.M. social e o outro. Era do tipo extrovertido-tímido, exagerando às vezes a cordialidade para ser deixado em paz, sossegado na sua privacidade, na concha com seus livros, seus quadros, sua pequena família, oh! delícia poder ser dois, um não interferindo no outro e ambos tão verdadeiros. Nunca agressivo. Um estilo de vida que aparentemente pode ser complacente na sua cordialidade, mas que não se confunda sabedoria com fragilidade. Assim são os seres que se descobrem de vidro. Conheci-o numa tarde de autógrafos, havia tantos autógrafos (esses continuam) e tantas homenagens e tantos congressos de escritores. Às vezes, nos rapidíssimos flagrantes dos nossos encontros, parecia-me de uma certa candura tão rara nos meios literários, outras vezes, meio malicioso, meio maroto, com uma ponta de ironia bem-humorada. No seu cartão de visitas devia ter escrito: "Não me entenda depressa demais". Carioca, L.M. iniciou-se na chamada vida literária com 20 anos, um jovenzinho moreno e esguio, de cabelos espetados (bem depois ele se queixaria da mão-de-obra que foi domar aqueles cabelos), com um livro de poesias, Sinos. A iniciação como jornalista no Diário Carioca, O Jornal... Ligou-se a pintores, escritores, deslumbrado com os meios artísticos, a boêmia carioca: começou escrevendo sobre artes plásticas, passou a fazer crítica teatral, oh! maravilha ser jovem talentoso naquele Rio de Janeiro, poder andar e desandar pelos cafés da Lapa, o bairro proibido e para onde afluíam poetas, músicos, prostitutas, intelectuais - ocupados e desocupados em geral, românticos da belle époque brasileira, que chegava ao fim por desfastio, preguiça. Se o livro de poesias de L.M. passou despercebido, o romance Lapa foi um verdadeiro sucesso naquele ano de 36. Sucesso e escândalo. Nascia um romancista sob o signo da censura. Sempre L.M. foi mencionado como cronista, excelente cronista, mas cronista. Precisou correr todo esse tempo para que eu descobrisse isto, que o cronista quase devorou o excelente romancista que acabou por passar para um plano mais obscuro. Romancista-memorialista tão agudo e sensível, como aproveitou bem nessa prosa de ficção e memória aquele seu jeito meio ambíguo, meio inocente e, ao mesmo tempo, matreiro, sonso. Prosa às vezes áspera ou docemente nostálgica. Pude bem avaliar como era fluente e poética a sua linguagem nesse Noturno da Lapa. No romance Girafa de Vidro. Mas ainda estamos lá no início da carreira do jovem que acabara de publicar Lapa, agitação grande na praça: os palavrões em livros ainda chocavam, o sexo ainda não estava na moda, ou melhor, na moda ele sempre esteve, mas não assim descoberto, declarado na crueza de cenas e personagens que fizeram com que o romance do moço de coração ardente (outro de coração ardente) fosse proibido para menores e senhoritas, o tempo era das senhoritas. "A tenebrosa história desse livro", diz L.M. num depoimento, "é que tão grandes transformações traria à minha vida"... Essas transformações foram de fato profundas: o livro foi apreendido, os exemplares destruídos, perdeu o emprego e um dia a força policial de arma em punho, resolveu caçá-lo de madrugada numa fazenda paulista, caçado como um sujeito perigosíssimo ! Foi assim que o mais genuíno dos cariocas instalou-se em 38 na "Paulicéia Desvairada". Um transplantado. E aqui vai um detalhe curioso que L.M. lembra sem rancor, mas bem humorado: após esse zero de conduíte, no mesmo ano em que o Governo mandou prendê-lo como um sujeito perigoso, é nomeado por esse mesmo Governo inspetor federal do ensino secundário, cargo que ocupou durante trinta anos, até a aposentadoria. Coisas, coisas do Brasil... Singularidades, que nos dão uma extravagante esperança nos destinos do País. Plínio Barreto chamou o Estadão de "formosa lareira espiritual". Pois para essa lareira veio o jornalista L.M., bastante desconfiado depois dos acontecimentos na corte, mas sem rancor. Com humor. Os seres insubstituíveis. As palavras insubstituíveis. A sinceridade de Luís Martins, essa a expressão que melhor exprime aquele caráter limpo, verdadeiro. Quando escrevia, abria o jogo e creio ter sido essa a maior virtude que melhor fisgava o leitor seduzido por aquela pequena coluna. Tão difíceis as pessoas verdadeiras neste imenso baile de máscaras, "la vie est un bal masqué", advertiu André Maurois. "Você que entrou no baile da vida, vamos, escolha a máscara que lhe convém!" Não consigo ver Luís Martins mascarado. Foi, isso sim, como ele mesmo se definiu, um "colhedor de estrelas. As que toquei, apenas mal tocadas desfaziam-se em pó na minha mão". "Mudou a Lapa ou mudamos nós?" - perguntou seu amigo Moacir Werneck de Castro, companheiro das madrugadas de cabaré, das milongueras, música frouxa, bêbados frouxos... Que a Lapa já tinha mudado e muito, isso o próprio L.M. pôde verificar quando por lá andou muitos anos depois. Que ele próprio mudara, era ponto pacífico: o casamento com a doce Anna Maria (admirável contista), as responsabilidades crescendo, o nascimento da filha, paixão por essa filha, assunto de tantas crônicas: acho que o nosso Luís Martins é um homem feliz, pensei certa manhã enquanto lia sua crônica. Na última vez em que o encontrei, pareceu-me tão contente. Gracejando, lembrei o apelido que Sergio Milliet carinhosamente lhe deu, Lulu Martin du Bar, memória de um tempo em que estava na moda Os Thibault, de Roger Martin du Gard. Ele riu alisando a cabeleira grisalha, devidamente aplacada, apenas um ou outro fio escapando da risca. Luis Martins, creio que você gostaria que aqui fossem lembrados os versos que lhe dedicou seu mais querido e admirado amigo, Carlos Drummond de Andrade: "Villon, Verlaine e Luís encontraram-se na Lapa. A vida - essa meretriz - tanto beija como escapa. Villon, Verlaine e Luís trautearam suas canções com riso, lágrimas e uísque, e entre tantas emoções deixaram na noite escura - Villon, Verlaine e Luís a luz mais terna, mais pura." Faço agora uma breve referência àquele que vai me saudar, Péricles Eugênio da Silva Ramos. Já nos tempos de Faculdade (fomos contemporâneos) eu intuía ser ele um poeta raro, tão raro os poetas raros! Nele eu já pressentia o grande poeta. E ensaísta. E tradutor num tempo em que ninguém sabia latim. Até grego. Sua poesia filosófica, tão sensual e tão quente, é impregnada do mais alto sopro lírico, atenção para esse epigrama que simboliza o percurso - o longo percurso percorrido pelos ocupantes da Cadeira nº 28: "Ó dançarinos, ó dançarinos que dançarinais à flor das horas próximas - gestos alados entre espumas de cristal é certo, podeis rir dos pés que se cansaram sobre a distância amarga das estradas: mas vede, pelo chão, a marca dos seus passos." Já me despeço. Antes quero trazer aqui um pequeno incidente que ocorreu enquanto eu escrevia este discurso: detinha-me precisamente sobre o perfil do dr. Júlio de Mesquita Filho quando ouço no jornal falado a notícia que me impressionou demais: parei de escrever e fiquei sorrindo e pensando no que dissera logo no inicio deste texto, quando me referi à corrida do bastão. Eis que o jovem jornalista Rodrigo Lara Mesquita tinha sido seqüestrado, algemado e encapuzado quando fazia a cobertura política do conflito na Argentina. As coincidências. O neto recebera a missão, o passe do avô que devia também estar sorrindo lá longe, no silêncio. A infinita corrida de revezamento. A importância da palavra escrita. O poder da palavra. E o risco. O perigo. O polvo quando perseguido, caçado, solta uma tinta negra para que a água em redor fique turva e nesse instante, camuflado, ele possa então fugir. A negra tinta do medo. Sim, às vezes, o medo. E o escritor precisa se ver (e ver o próximo) para cumprir seu ofício, o escritor tem que se buscar e buscar o outro, ver esse outro na sua transparência, na sua verdade para melhor exercer o duro ofício de testemunha e participante desta sociedade e deste tempo. O medo é ignóbil. Pode defender, sim, pode proteger mas acaba por destruir o que de melhor existe em nós, cito William Faulkner: "Só quando o escritor perder o medo ele poderá escrever sua grande obra". A obra que vai ajudar o próximo neste planeta enfermo de medo, a obra que vai estimular e confortar o homem na sua luta. Na sua solidão e no seu sofrimento, na sua alegria e na sua esperança. A coragem da esperança que o escritor deve ter no coração. voltar |
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