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DISCURSO DE RECEPÇÃO PELO ACADÊMICO PAULO JOSÉ DA COSTA JR
Acadêmico: Ada Pellegrini Grinover
"Ao lado do valor da nova acadêmica, impõe-se notar seu espírito de luta e sua sede de saber. Ada sempre procurou viver intensamente, perigosamente, destemidamente, com coragem, com grande garra e amor."

Recebendo Ada Pellegrini Grinover

A candidatura de Ada Pellegrini Grinover surgiu por sugestão do amigo e confrade João de Scatimburgo. Disse-me ele, certa feita:

- Embora haja muitos juristas nesta Casa, o que você acha se trouxéssemos para cá uma professora franciscana, com a Ada Pellegrini?

Pus-me a pensar. Ada, titular de cadeira e antiga Pró-Reitora da USP, detentora de muitos títulos nacionais e internacionais, autora de um número alentado de compêndios jurídicos, mais de vinte, tinha todos os méritos que a credenciavam à Academia. Havia, ademais, escrito sua autobiografia, já em segunda edição, "A menina e a guerra", festejada pelo nosso confrade Paulo Bomfim.

Consultei-a, mostrando-se ela muito honrada e feliz. Indaguei-lhe se estaria disposta a freqüentar a Academia, caso fosse eleita. Assegurou-me a presença constante nas sessões, requisito indispensável àqueles que se candidatam. Erwin Theodoro Rosenthal, quando lhe postulei o voto, por ocasião da minha candidatura, interpelou-me se estaria disposto a freqüentar a Academia, apesar dos meus afazeres pessoais. Diante da minha resposta afirmativa, assegurou-me o voto, que muito me honrou.

Saímos a campo, em busca dos sufrágios. Quando surgiu a candidatura da grande poetisa, teatróloga e tradutora Renata Pallottini, Ada estremeceu. Conhecia o valor indiscutível da antiga contemporânea de Faculdade, com a qual mantinha relações bastante cordiais.

Tudo correu bem para, a candidatura de Ada Pellegrini Grinover, à cadeira nº 9 desta Academia. Obteve, em primeiro escrutínio, significativos vinte e dois votos, por coincidência o mesmo número que logrei obter. A eleição verificou-se na tarde do dia 15 de maio deste ano sendo a candidata, que se achava em Roma, comunicada por telefonema internacional. Viajara em princípios de maio para Milão, onde é doutora "honoris causa", para ministrar curso sobre a reforma do código processual penal brasileiro, da qual fora incumbida pelo Ministério da Justiça.

Falamos por telefone da própria Academia, pela ordem, eu, o presidente Israel Dias Novaes e o acadêmico João de Scatimburgo, logo após a proclamação do resultado. Ada 22 votos, Renata 7, votos em branco 4.

Exultamos de alegria, Ada e eu. Ficamos com as vozes embargadas pela comoção, apesar da distância.

A seguir, comuniquei o resultado, a pedido, telefonicamente, ao Paulo Bomfim, ao José Altino Machado e à Vera Silveira Peixoto.

Em Roma, minha mulher e eu tivemos o prazer de jantar com a nova acadêmica, num restaurante edificado numa antiga estalagem, onde as carruagens realizavam a troca de cavalos. Ao formular-nos o convite, porém, impôs uma condição: de que ela oferecesse o jantar comemorativo da vitória.

Durante o longo jantar, indicou-me para saudá-la, no ingresso solene da Academia. Aceitei de pronto o honroso convite, estranhando que eu, mal-ingresso na Academia, há menos de dois anos, com tantos confrades mais credenciados, viesse a saudar a recipiendária.

Recentemente, no dia 14 de agosto, mais uma conquista. Ada Pellegrini Grinover foi nomeada para integrar o Conselho Estadual de Educação. Uma vez empossada, foi eleita para presidir a Câmara de Educação Superior.

Estreitei minhas relações com Ada Pellegrini nos idos de 1960, quando fui incumbido pela Companhia Meridional de Seguros de organizar o seu corpo jurídico. Como só poderia incumbir-me da parte criminal, confiei à Ada e à Norma Noschese Zumsteg as partes civil, comercial e trabalhista.

Ada, que havia se preparado em Pádua para a docência franciscana, planejou elaborar sua tese de professora titular em Pavia.

As duas mais antigas e tradicionais Universidades italianas são Bolonha e Pádua, fundadas no início de 1200. Logo a seguir vem Pavia, que data de 1300. Até 1940 todos os milaneses estudavam em Pavia, famosa também pelos seus colégios.

Deles, destacam-se o Borromeo e o Ghislieri. Ambos datam do século XIV. Nos colégios paveses não se estuda. Os jovens freqüentam os vários cursos da Universidade de Pavia, limitando-se a morar no colégio, onde dispõem de “alloggio e vitto”, isto é, de alojamento e alimentação.

Os colégios são dirigidos por um reitor, que zela pela disciplina rigorosa, inclusive pelo aproveitamento nos estudos. Aquele que for reprovado, numa só matéria que seja ficando para segunda época, é prontamente eliminado do colégio. Deverá o estudante não só ser promovido, como obter notas altas, com louvor. Uma simples aprovação, com notas baixas, poderá implicar na saída do colégio, onde vivem uma vida de luxo, dormindo em quartos individuais, comendo do bom e do melhor, com talheres de prata, em refeitório sob a presidência do reitor.

Mário Pisani, titular de processo penal em Pavia, sabedor de que Ada pretendia lá estudar, para ela obteve uma vaga na repartição feminina de vinte estudantes, de que dispunha o Colégio Ghislieri.

Durante o tempo que lá esteve, pesquisando e estudando para a elaboração da tese de professora titular da USP, foi acometida de moléstia pertinaz, a qual, no entanto, não prejudicou seu aproveitamento.

De retomo ao país, prestou concurso na USP, sendo unanimemente aprovada e indicada pela banca examinadora, composta por Celso Neves, Alfredo Buzaid, Xavier de Albuquerque, do Supremo Tribunal Federal, Romeu Pires de Campos Barros e Adhemar Raimundo da Silva.

Em 1977, quando perdi meus pais, fui acometido de persistente insônia. Como detesto brigar com o leito, costumo levantar-me e estudar. Foi então que me decidi a comentar uma lei que saíra, modificando a parte geral do Código Penal. Havendo vários aspectos processuais, convidei Ada, para que fizéssemos a obra em co-autoria, como de fato sucedeu. Em certos pontos as opiniões foram contrárias, mas, mesmo assim, ficaram ambas constando do opúsculo.

Ada, nesse meio tempo, contraiu novas núpcias, com Nicola Mazzola, de quem já era amigo. É ele grande admirador da mulher e agora, com a conquista da cadeira nº 9 da Academia, não se cansa de contar o fato aos amigos, cheio de orgulho.

Recentemente, numa sustentação oral perante o Superior Tribunal Federal de São Paulo, José Carlos Dias relatou-me que, durante o período em que foi Ministro da Justiça, cogitara, juntamente com o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, nomear Ada Pellegrini para o cargo de Ministra do Supremo. Só não o fizeram porque ela, sendo brasileira naturalizada, não poderia exercer o cargo. José Carlos Dias, trocadilhando, chegou a dizer:

- Façamos uma "emendada" na Constituição Federal.

Embora "cogitationis poenam nemo patitur", a mera "cogitatio" revela o extremo valor da recipiendária.

Ada sempre foi assim. Uma grande lutadora, intrépida, corajosa e até temerária. A sugar o presente com tamanha ansiedade, como se não chegasse nunca ao fim.

Conseguiu entremear, mesclando a genialidade da napolitana, à operosidade férrea milanesa e à tenacidade criativa bandeirante.

Ao lado do valor da nova acadêmica, impõe-se notar seu espírito de luta e sua sede de saber. Ada sempre procurou viver intensamente, perigosamente, destemidamente, com coragem, com grande garra e amor.

Como se o amanhã não tivesse fim, como se o porvir fosse eterno e a morte não chegasse jamais.

Ainda agora, conquistada a vaga na Academia Paulista de Letras, ministrado o curso na Universidade de Milão, foi em busca do domínio de mais um idioma, com uma sede insaciável de saber, na Universidade de Cambridge, Inglaterra.

É chegado o momento de dar as boas vindas à nova acadêmica em nome de todos os queridos confrades. Devo acrescentar que esperamos da recipiendária um grande desempenho e um esplêndido convívio. Dentro em breve, saberão seus novos companheiros que a Academia acaba de fazer uma grande conquista, que muito a dignifica. Seja bem-vinda Ada Pellegrini Grinover.



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