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DISCURSO DE RECEPÇÃO PELO ACADÊMICO JOSÉ PASTORE
Acadêmico: Júlio Medaglia
"Temos muitos motivos para dizer que a Academia está em festa com a chegada de Júlio Medaglia que, de hoje em diante, e por toda a sua vida, ocupará a Cadeira de Mário de Andrade."

Senhor Presidente, nobre acadêmico José Renato Nalini, em nome de quem cumprimento toda a diretoria da Academia Paulista de Letras.

Queridas confreiras. Caríssimos confrades. Autoridades aqui presentes. Meus senhores. Minhas senhoras.

A Academia Paulista de Letras está em festa. A cadeira de Mário de Andrade, gênio da poesia e do conto, folclorista, pianista e musicólogo, recebe, em festa. um acreditado maestro, compositor e escritor. Júlio Medaglia.

O patrono dessa Cadeira é Mathias Aires. Literato e filósofo. Escreveu pouco, mas escreveu bem. Duas obras se consagraram. A primeira sobre a vaidade humana (2) e a outra sobre a fortuna (3).

Na primeira, de forma brilhante e espirituosa, Mathias Aires denuncia os intelectuais pedantes que, por dominarem um discurso fácil, usam o saber com arrogância.

Na segunda, usando uma linguagem rápida e mozarteana, Mathias Aires enaltece o merecimento como justificativa da fortuna. Sua tese é fascinante. Diz ele: "O prêmio não torna a pessoa ilustre, o merecê-lo sim.” (4)

A Academia está em festa. A cada posse, temos a oportunidade para reverenciarmos nossos imortais. Esta é mais uma delas.

O fundador da Cadeira 3 foi Luis Pereira Barreto, político eminente, que, dentre as várias contribuições, como deputado estadual, elaborou a Constituição que transformou a Província de São Paulo em Estado de São Paulo.

Na sua trajetória de homem público priorizou a educação, tendo sido o criador dos Grupos Escolares.

Estamos em festa também porque os antecessores na Cadeira 3 foram todos - sem exceção - renomados espíritos humanistas e bravos baluartes da democracia.

Alfredo Gustavo Pujol, tribuno eloqüente e líder político, defendeu com unhas e dentes os ideais republicanos no final do século 19. Com uma presença constante na imprensa, se notabilizou também por suas obras literárias, em especial, por seu livro sobre Machado de Assis - leitura obrigatória para os estudiosos do grande mestre (5).

Como ocupante de várias secretarias no Estado de São Paulo, deu um grande impulso às escolas públicas. Um outro acadêmico que dedicou sua vida à educação.

Depois de Alfredo Pujol, a Cadeira 3 recebeu as luzes de um extraordinário humanista que dedicou sua vida à amenização da dor e do desespero dos que sofrem das doenças da razão e da emoção. Franco da Rocha.

Homem generoso, desprendido e com um infinito amor ao próximo, Francisco Franco da Rocha dedicou toda a sua vida à pesquisa e ao tratamento das doenças mentais. Ele introduziu a psicanálise em São Paulo e no Brasil (1919). Planejou e construiu o Hospital do Juqueri (1904) - que hoje leva o seu nome.

Franco da Rocha foi um médico residente na mais exata acepção da palavra, pois, viveu anos a fio com sua mulher e os seus seis filhos dentro do próprio hospital. Lembremos: era um hospital hospício! Quanta dedicação!

Ele também era músico e, como tal, foi pioneiro ao introduzir no Brasil a música no tratamento das doenças mentais - técnica que é usada até hoje com pleno sucesso. Franco da Rocha foi o primeiro professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina de São Paulo.

Estudou profundamente as obras de Cervantes, Shakespeare, Molière, Baudelaire e outros gênios da literatura que conseguiram descrever com exatidão os tipos humanos afetados por doenças do intelecto.

A Cadeira 3 esteve vocacionada para abrigar homens ilustres. O sucessor de Franco da Rocha foi, nada mais nada menos do que Mário Raul de Morais Andrade.

O confrade Mário Chamie, desentranhou revelações raríssimas da vasta correspondência do gênio da Semana de Arte Moderna, o que constitui o cerne do seu recém lançado livro Paulicéia Dilacerada, que descreve com detalhes o infinito amor de Mário de Andrade pela cidade de São Paulo. (6)

Paulo Bomfim, honrado confrade e grande poeta de São Paulo, teve sua vida cercada pelo brilho de Mário de Andrade. Ainda criança, presenciava com freqüência, os saraus de Mário de Andrade e da memorável soprano - e também sua tia -, Magdalena Lebeis.

Mário de Andrade estudou, se formou e lecionou no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde a Academia Paulista de Letras foi criada em 27 de novembro de 1909.

Minhas senhoras; meus senhores.

É isso sim. A Academia acaba de completar 100 anos. Estamos em festa. Poucas são as instituições que chegam ao centenário. Raras são as que completam um século com o reconhecimento unânime da sua comunidade. Esta é a Academia Paulista de Letras que tanto amamos. Cem anos! É um justificado motivo de festa.

A beleza das canções, dos versos e da prosa de Mário de Andrade foi sucedida pelo brilho político de Washington Luiz Pereira de Souza.

Célio Debes, amado confrade desta Academia, que produziu a mais completa obra sobre Washington Luiz, destaca em várias passagens a honestidade, a operosidade e o espírito empreendedor que marcaram a vida e o trabalho daquele grande brasileiro.

Washington Luiz galgou todos os postos na política nacional. Foi vereador e prefeito de Batatais, deputado estadual, prefeito da capital paulista, senador da República, Presidente de São Paulo e Presidente do Brasil.

A sua deposição abrupta e violenta, poucos dias antes do final de seu mandato, em 1930, aguçou ainda mais o espírito dos paulistas na luta pela democracia, o que veio a se consagrar na histórica campanha de 1932.

Washington Luiz, que viveu no exílio por quase 20 anos, se notabilizou como um historiador zeloso e fiel aos fatos que pesquisou.

Em seu lugar entrou um outro grande político, de caráter ilibado e formação humanista. Em 1951, Lucas Nogueira Garcez, com apenas 38 anos de idade, foi eleito governador do Estado de São Paulo. Garcez foi um governante operoso na construção de uma rica infra-estrutura, em especial no campo de sua especialidade - as usinas elétricas - que, ao longo das últimas décadas responderam pelo crescimento de São Paulo e pela indiscutível liderança deste Estado em todo o Brasil. Terminado o mandato em 1955, Lucas Nogueira Garcez retornou à sua Cadeira na Academia Paulista de Letras e à sua cátedra na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo onde continuou a formar milhares de engenheiros.

Israel Dias Novaes ocupou a Cadeira 3 até 6 de junho de 2009. Que saudades do seu espírito alegre, das tiradas inteligentes e do humor sadio que marcaram sua conduta por quase 30 anos na Academia Paulista de Letras.

Israel, que foi eleito deputado em várias legislaturas, combinou de maneira magistral sua veia política com a criatividade literária e a combatividade jornalística que orientaram toda a sua carreira.

Homem bondoso, altruísta, generoso e de formação familiar invejável deixou muitos amigos, dentre eles, os confrades e confreiras que aqui homenageiam o seu nome.

Apresenta-se para ocupar a Cadeira 3, um intelectual consagrado e cuja principal linguagem de trabalho é a música.

A Academia está em festa. O Maestro Júlio Medaglia vem trazer para este sodalício a beleza do mundo da música. Júlio Medaglia é um homem inquieto. Um verdadeiro vulcão na sua conduta e nas suas realizações.

Júlio iniciou seus estudos de violino no Conservatório Musical Conselheiro Lafayette, onde também estudei violino e, depois, viola.

Tivemos o mesmo professor - o saudoso Maestro Emmerich Csammer. Éramos meninos. Tocávamos na orquestra infantil e depois em várias orquestras de amadores na cidade de São Paulo.

Que bons tempos.

Dali para frente, trilhamos caminhos distintos. Júlio mergulhou fundo na música e eu na sociologia. Arrependo-me de ter abandonado o violino e a viola.

Hoje, depois de mais de 60 anos, continuamos amigos e aqui estamos para, juntos, desfrutar a maravilhosa cultura dos nobres confrades e confreiras da Academia Paulista de Letras. Esse é um grande motivo de festa.

A trajetória de Júlio Medaglia foi meteórica e brilhante. No final dos anos 50, tornou-se discípulo de grande Maestro Hans-Joachim Koellreutler em Salvador. Koellreutter percebeu logo que Júlio Medaglia precisava de mais. Passados dois anos, ele mesmo o encaminhou para a Escola Superior de Música da Universidade de Freiburg na Alemanha onde Júlio cursou e se formou com louvor em regência e composição musical.

Na firme disposição de iniciar sua carreira com o pé direito, Júlio Medaglia venceu 27 candidatos no concurso realizado em Taormina (Itália), tornando-se o primeiro assistente do grande Maestro Sir John Barbirolli.

Júlio sempre foi curioso. Antes de ir para a Europa, em parceria com Curt Lange, descobriu e divulgou em primeira mão as partituras do Barroco Mineiro - esquecidas há 200 anos. Vieram a público as extraordinárias obras de Inácio Parreira Neves, Marcos Coelho Neto, Lobo de Mesquita e vários outros.

Em meados dos anos 60, Júlio retornou ao Brasil, trazendo consigo a inteligente e encantadora Sabine, mulher de fibra e que, ao longo dos seus 45 anos de casados, revelou-se como o grande esteio da arrebatadora carreira de Júlio Medaglia. Por isso, querida Sabine, a Academia está em festa e esta festa também é sua!

Na época, Júlio participou da organização e da apresentação dos festivais da TV Record. Foi nesse contexto que ele escreveu o revolucionário arranjo para a canção Tropicália de Caetano Veloso. Estava inaugurada a era do tropicalismo.

Mais animado do que nunca, Júlio Medaglia organizou e apresentou, a partir de 1968, o programa Opus 7, também na TV Record, que mesclava a melhor música sinfônica belos shows televisivos.

Em 1969 fundou a excelente Orquestra de Cordas de São Paulo e ganhou o Premio Roquete Pinto como o melhor músico do Brasil.

Dominado pela sua inquietude, Júlio Medaglia não se conformava com o baixo conhecimento da música erudita do Brasil nas terras da Europa. Por isso, no início dos anos 70, voltou à Alemanha onde se tornou produtor de inúmeros programas que divulgaram intensamente o que há de melhor na criação brasileira, de Villa Lobos a Tom Jobim - época em que regeu a prestigiada Orquestra Filarmônica de Berlim.

Cumprida essa missão, Júlio voltou ao Brasil para atuar como supervisor musical da TV Globo. A sua rica usina de idéias produziu nada mais nada menos do que 200 trilhas sonoras para novelas, filmes e peças de teatro.

Caras confreiras; caros confrades. Prezadas senhoras; prezados senhores.

Temos muitos motivos para dizer que a Academia está em festa com a chegada de Júlio Medaglia que, de hoje em diante, e por toda a sua vida, ocupará a Cadeira de Mário de Andrade.

Sua trajetória de vida foi das mais produtivas. Nos anos 80, dirigiu o Teatro Municipal de São Paulo, emprestando à orquestra e ao coral o melhor da sua criatividade. Os espetáculos se sucederam com uma intensa programação no próprio teatro e nos bairros mais periféricos. Essa é uma das marcas de Júlio Medaglia: ele faz questão de levar a música aos que não podem freqüentar os teatros centrais.

Em 1987 Júlio Medaglia deu início a um programa diário de música erudita na Rádio Cultura de São Paulo - o Pentagrama um campeão de audiência até hoje - agora com o nome de Tema & Variações.

Nos anos 90, Medaglia assumiu o cargo de diretor do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e depois do Teatro Nacional de Brasília. Na mesma época dirigiu o Festival de Campos de Jordão e foi diretor artístico do Centro Cultural São Paulo.

Ainda na década de 90, Júlio Medaglia organizou uma orquestra de primeira qualidade em Manaus - a Amazonas Filarmônica. Os músicos por ele recrutados nos países do leste europeu, não só abrilhantaram o cenário musical brasileiro como se tornaram grandes mestres, tendo formado centenas de instrumentistas de primeira grandeza, que hoje participam das melhores orquestras do Brasil.

Júlio gosta do arrojo. Com inusitada energia, levou a público os espetáculos mais grandiosos que o Brasil já viu. Lembro-me da ópera afro-brasileira Lídia de Oxum que foi montada às margens da Lagoa de Abaeté, em Salvador, para um público de 30 mil pessoas. Recordo-me também da ópera Aida de Giuseppe Verdi que ganhou os aplausos de milhares de pessoas que lotaram grandes estádios de futebol do Brasil. Cito ainda a gigantesca montagem da cantata cênica "Carmina Burana", de Carl Orff, que utilizou os cenários de Caracalla (Roma) e os cantores da Ópera da Bulgária - exibida para mais de 100 mil pessoas na Praia de Copacabana e depois no Estádio Municipal do Pacaembu.

Foram apresentações históricas. Desse ról, fez parte o espetáculo "História do Brasil", que ocupou seis palcos simultaneamente, em Curitiba, no Paraná.

Não contente com isso, Júlio Medaglia realizou a maior montagem de O Guarani, de Carlos Gomes, no Teatro Nacional da Bulgária, em Sofia, cuja gravação - em áudio e vídeo - circula e arrebata aplausos em todo o mundo.

Júlio Medaglia não pára. É um maestro disputado pelas melhores orquestras do Brasil e do exterior. Está constantemente compondo para conjuntos nacionais e internacionais. Juntamente com o nobre confrade Paulo Bomfim, compôs o belo Hino da Universidade de São Paulo, lançado em 2008, e em comemoração aos 75 anos daquela Universidade.

Suas peças são executadas com freqüência pelo Quinteto de Sopro de Berlim e pela própria Orquestra Filarmônica de Berlim onde pude testemunhar pessoalmente o calor dos aplausos para as obras de Júlio Medaglia.

Atualmente, dirige o programa "Prelúdio" na TV Cultura - o único programa de calouros de música erudita do Brasil e talvez do mundo. Um projeto que vem revelando os mais talentosos musicistas da nova geração deste grande Brasil.

Senhores e senhoras. Confrades e confreiras.

É essa energia que chega para nós na Academia Paulista de Letras. É por isso que nos sentimos em festa. Júlio não é apenas músico. É também um vigoroso ensaísta. Publicou mais de 500 artigos nos mais importantes órgãos de imprensa e em revistas culturais especializadas.

Escreveu vários livros, dentre os quais, cito um dos mais completos tratados de história da música - Música Maestro! (7) Nele, Júlio Medaglia revela, com uma linguagem fluente e de agradável leitura, a sua alta capacidade de pesquisador cuidadoso e escritor responsável.

Por tudo isso é que a Academia Paulista de Letras está em festa nesta noite memorável na qual recebemos um músico atualizado no mais moderno santuário da música - a Sala São Paulo.

Pois bem, caro Júlio, aqui estamos para dizer-lhe com muito contentamento: Seja bem vindo entre nós. Venha sentir a alegria que enche nossos corações. Venha que a festa é sua, a festa é de todos nós. É a festa de São Paulo. É a festa dos 100 anos da gloriosa Academia Paulista de Letras.

Muito obrigado pela atenção.

Notas:
(1) Ocupante da cadeira 29. Professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo.
(2) Mathias Aires, Reflexões sobre a Vaidade dos Homens, São Paulo: Livraria Martins Editora, edição de 1993.
(3) Mathias Aires, Carta sobre a Fortuna, São Paulo: Coleção Grandes Obras do pensamento Universal nº. 21, Editora Escala, 2ª. Edição, 1999.
(4) Fernando Fortes, "Mathias Aires e a Carta sobre a Fortuna", Revista Brasileira, Ano 15, nº. 60, julho/setembro de 2009.
(5) Alfredo Pujol, Machado de Assis, Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1934.
(6) Mário Chamie, Paulicéia Dilacerada, São Paulo: FUNPEC Editora, 2009.
(7) Júlio Medaglia, Música Maestro! - do Canto Gregoriano ao Sintetizador, São Paulo: Editora Globo, 2008.



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