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Acadêmico: Gabriel Chalita "Quem teve acesso à cultura, ao ensino tem ainda maior responsabilidade de fazer prosperar a presença do bom e do belo, ensinava Tomás de Aquino na escolástica", afirmou o novo acadêmico Gabriel Chalita.
Senhor Presidente Senhoras e senhores acadêmicos Ilustres convidados Quero compartilhar com os presentes, nesta ocasião ao mesmo tempo solene e festiva, uma visão, uma imagem, que me ocorreu ao pensar nesta augusta Academia Paulista de Letras - palco iluminado, em que atores da palavra representam espetáculos grandiosos, cenário de mares revoltos em que navegadores benfazejos dominam múltiplas naus. As naus da poesia, da prosa, da filosofia, da história, do teatro, dos signos e linguagens. Ainda nesse mesmo cenário, sobre as mesmas ondas revoltas, essa frota de arte e criatividade acaba, diante dos olhos da imaginação, se condensando num único navio, talvez uma antiga caravela daquelas que há alguns séculos iniciaram o processo, tão moderno, tão contemporâneo, da globalização. É exatamente nesta nau que estou prestes a embarcar. Por generosidade dos meus futuros pares, eis-me aqui, sobre as tábuas do cais, aguardando o discurso de boas vindas que me fará o acadêmico Paulo Bomfim, decano desta Academia, príncipe dos poetas, para subir a bordo. Enquanto isso vou pensando na diferença que há entre nós e aqueles antigos navegadores, que saíam a desvendar os caminhos aquáticos "Em perigos e guerras esforçados / Mais do que prometia a força humana" para que, como sonhava Camões, as agruras não suplantassem a valentia. Mulheres choravam à beira do cais. Mas era preciso descortinar outros horizontes. Era o cheiro do novo que os hipnotizava. Aqueles navegadores iam descobrindo e unindo as terras, as ilhas e os continentes. Estes navegadores, desta nau em que vou embarcar, embora viajem juntos, fazem, cada um, suas próprias e particulares descobertas. Abrem campos e desvendam territórios do imaginário. Criam mundos e personagens e situações que só fazem enriquecer nossa convivência. Se aqueles navegadores tinham o globo terrestre como limite, a navegação, nesta nau em que me inicio, por trilhar terras e mares de encanto e maravilha, não encontra nunca fronteiras e segue sempre aumentando as possibilidades do humano. Trata-se de perseguir a luz, a luz que desafia, demiurgo no universo platônico a trazer mais próximo o hiper-urânico, o supra-sensível, do mundo que se vê. Sem a beleza dessa senhora, a Palavra, a caverna ficaria mais escura, mais sem gosto. A esta nau quero dar um nome particular, Esperança. E aos seus tripulantes, manejadores da Esperança. Esperança. Ao lado da fé, que tem por símbolo a cruz, e da caridade, que tem por símbolo o cálice, a partilha, a esperança compõe o trio das virtudes teologais e tem por símbolo um objeto náutico: a âncora. Lembremos por um instante o que nos dizia Santo Agostinho, nas Confissões: "é impróprio afirmar que os tempos são três: pretérito, presente e futuro. Mas talvez fosse próprio dizer que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das presentes, presente das futuras." Para o Bispo de Hipona, a esperança é o futuro. É a certeza de que a escultura será moldada a partir dela, esperança, porque o Artista não vive do improviso. Prepara e se prepara para o futuro. É o brilho dos astros que servia para orientar os antigos navegantes. É a certeza do Sol porque a aurora já faz parte do poético repertório dos contempladores e ao mesmo tempo assusta os desalmados, aqueles que nunca aguardaram amanheceres com cheiro de estrelas preguiçosas. Diante disso devemos enlevar-nos! É entusiasmo o que nos pede o futuro feito de esperança! Mas se a esperança é a matéria-prima de que o futuro é feito, também devemos ter em mente que ela não destrói o passado. O passado constitui nossa herança fundadora, e pode ser vivificado pela identidade e pelo conhecimento. Esta cadeira, a de número cinco, que me foi dado ocupar, este posto que me foi destinado aqui dentro da Esperança, tem história e tem identidade. Outros manejadores ocuparam-na antes de mim, e é deles que passarei a falar agora. Seu patrono, Eduardo Paulo da Silva Prado, mais conhecido nas nossas letras como Eduardo Prado, viveu pouco mais de quarenta e um anos, mas soube deixar como marca permanente seu interesse e seu amor pelas coisas do Brasil, estudando tanto a História, ou seja, o presente das coisas passadas, na figura, entre outras, do Padre Antonio Vieira, esse monumento da língua portuguesa em dois mundos, como também se interessou pelo presente das coisas presentes de seu tempo, discutindo as questões políticas decorrentes da transição do país para o regime republicano. Sua obra Ilusão Americana pode ser considerada um marco na consciência da América Latina. E já que estamos nos valendo da metáfora da nau Esperança, também devemos nos lembrar que Eduardo Prado foi um grande viajante, tendo percorrido boa parte do globo terrestre, escrevendo e deixando-nos suas impressões de viagem, sempre na intenção de melhor entender o Brasil. Falemos agora daquele que foi um dos fundadores desta Academia e primeiro titular da cadeira número cinco. Tinha nome de viajante e navegador, dos mais ilustres e conhecidos na tradição literária universal. Era paulistano, chamou-se Ulisses de Freitas Paranhos e era médico. Foi um dos fundadores do Instituto Pasteur, até hoje em notável atividade. Chegou a membro desta Academia por seus estudos da arte, da música e de suas respectivas histórias, por sua paixão pelas letras e pela palavra, por seus extraordinários dons oratórios. Combinando ao mesmo tempo o interesse pela medicina e a cultura humanista, constituiu-se em modelo para os que discutem e buscam uma renovação no ensino da Medicina, almejando a formação de profissionais que serão melhores se forem capazes de olhar menos para as doenças e mais para a humanidade. Ao doutor Ulisses Paranhos sucedeu, como segundo titular desta cadeira número cinco, o escritor e farmacêutico Amadeu de Queiroz. Nascido em Pouso Alegre, trouxe uma contribuição das gentes e coisas das Minas Gerais para a cidade de São Paulo, e acrescentou a esta cadeira a tradição da literatura regional. Não foi sem propósito que mencionamos sua condição de farmacêutico. Vejamos como essa condição se combina com as atividades do escritor, num perfil de Amadeu de Queiroz traçado por Silveira Peixoto em 1942: “É numa farmácia à esquina do Largo da Sé com a Rua Direita - a tortíssima Rua Direita - mais ou menos ali pelo meio-dia, todos os dias, que se reúne o clã chefiado pelo autor de A voz da terra e de Os casos do carimbamba. Edgar Cavalheiro quase sempre é o primeiro a chegar. Daí a pouco surge Mário Donato. Não demora, Fernando Góes e Mário da Silva Brito aparecem. Vêm depois Antonio Constantino, Leão Machado, Rossine Camargo Guarnieri... Silveira Bueno, de vez em quando, também dá um ar de sua graça... Fala-se do último romance posto nas montras das livrarias. Comenta-se um artigo de crítica literária. Proferem-se anátemas contra os medalhões. E a palestra desenvolve-se, pontilhada de ironias, entremeada de perversidades, animada pelo constante bom humor de Amadeu. Depois... O grupo começa a dispersar-se... E há sempre alguém que quer ficar por último, naturalmente com receio da língua dos outros...” Essa evocação de uma São Paulo de outros tempos, tempos mais gentis e menos apressados, que traz um certo sabor de nostalgia, fica aqui como uma lembrança deste querido e bem-relacionado antigo ocupante desta cadeira. Depois dele veio um gigante do trabalho literário, alguém que realizou uma obra colossal e ímpar para a divulgação da literatura universal em nossa terra. Trata-se de Carlos Alberto Nunes, considerado um dos maiores helenistas de seu tempo, tradutor do grego, do inglês e do alemão, responsável por verter para nossa língua os dois grandes poemas homéricos, Ilíada e Odisséia, bem como quatorze volumes de Diálogos de Platão. Isso já seria trabalho suficiente para ocupar toda uma vida intelectual. Mas este maranhense que veio abrilhantar e muito honrou nossa Academia, não satisfeito com essa tarefa, ainda se ocupou em traduzir toda a obra teatral de William Shakespeare, trinta e sete peças ao todo. E traduziu ainda textos teatrais dos alemães Goethe e Hebbel. Isso para não falar de sua obra original, em que se inclui uma epopéia, Os Brasileidas, que ele publicou em 1962, tendo como introdução um longo estudo sobre a poesia épica. A Carlos Alberto Nunes sucedeu o paulistano Ignácio da Silva Telles, quarto ocupante e meu antecessor neste posto. Tenho muita honra em sucedê-lo, por ele ter sido um homem dedicado em primeiro lugar à tarefa do ensino, atividade a que também me dedico e vejo como uma das mais importantes e fundamentais para a boa navegação desta nau Esperança que é, não nos esqueçamos, um outro nome com que, aproveitando a lição de Santo Agostinho, quisemos cognominar o futuro. Iniciou sua carreira de professor em 1936. Ensinou na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na Escola Politécnica da USP, na Escola de Jornalismo Casper Líbero, na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Isso sem falar nos inúmeros cursos livres que organizou e ministrou. Criou ainda, em 1967, o Centro de Estudos Schola, evocando aqueles que ele mesmo define, em seu Andanças pelo sertão grande, como "os centros de estudo e meditação que se tornaram as profundas e luminosas escolas pitagóricas", tentando recriar no nosso tempo um ambiente voltado para o desenvolvimento espiritual e intelectual do Homem. Seu trabalho de educador ficou consignado na sua atividade acadêmica, em centenas de conferências e palestras que proferiu, além das obras que deixou e das quais registramos aqui só uns poucos títulos, além daquele já mencionado: Pensamento político de Santo Agostinho, Páginas de uma vida, Forjadores Espirituais da História. De seu discurso de posse a esta mesma Academia, gostaria de destacar o seguinte trecho: "E, quanto à sabedoria, em todos o mesmo apelo para o querer-bem, para o cultivo da bondade, em suma, o cultivo do amor. E, em se cultivando o amor, cultiva-se ao mesmo tempo a sabedoria, porque, como se sabe, não há amor sem sabedoria, nem há sabedoria sem amor." A razão porque destaco este trecho é muito simples: se Ignácio da Silva Telles não o tivesse escrito, eu gostaria de tê-lo feito. Sabedoria e Amor. O que mais é preciso? E é isso que rogo a Deus nesta noite, em que tomo posse e me tornarei o quinto ocupante da cadeira de número cinco desta Academia Paulista de Letras, que tem como símbolo a Rosa de Cinco Pétalas. É com humildade que me reúno a meus companheiros, passando a fazer parte da tripulação desta nau. Immanuel Kant perguntava e afirmava: "Como então buscar a perfeição? Onde fica a nossa esperança? Na educação e em nada mais." É por isso que tenho honra em suceder neste posto a um educador. É por isso que agradeço ao Governador Geraldo Alckmin a oportunidade de estar próximo a ele, e nesse tão importante encargo de Secretário da Educação. Trabalhar em sua companhia é um privilégio raro. Que o seu passado de honradez e competência sejam "passaportes" para novos percursos, novas sendas, novos caminhos. Caminhos de futuro, ou seja, caminhos de esperança. E de ternura, também. Obrigado, Dona Lu Alckmin, pela sua ternura, por transbordar amor ao povo deste Estado. Sabedoria e amor. Marcas de um outro grande educador, Governador Cláudio Lembo. Porque competência não é sinônimo de sisudez. Mestre Cláudio Lembo. Mestre do bom humor e do humanismo. Exemplo de leveza. É uma alegria imensa conviver com o senhor. Esperança. Nome da nossa nau imaginária. Nome da nossa expectativa real. Agradeço à comunidade da esperança Canção Nova e ao seu fundador, Padre Jonas Abib. Agradeço por desde pequeno me alimentar dos valores que tanto melhoram o mundo. Vocês são como o Liceu em que o Estagirita ensinava a seu filho Nicômaco a arte de ser feliz. Filho. Pai. Lembro-me de meu pai, que aqui não está e que aqui está. Mestre do silêncio, da sabedoria, do olhar terno e manso. Meu pai, exemplo de vida. Envolvente, sedutor. Soube viver versos de amor sem ter lido os grandes poetas. Era doutor em gentileza, em romantismo. Cotidianamente conquistava a mesma mulher. Saudade... É o presente das coisas passadas. Saudade, pai... Como eu gostaria que estivesse aqui. O senhor que sonhou tanto em ter um filho com diploma universitário. O senhor que me aplaudiu tantas vezes quando eu, ainda pequeno, fazia discursos meio desconectados. Era só cumplicidade, incentivo. "Continue, meu filho. Um dia você há de tocar na alma das pessoas. Não desanime. Continue meu filho!" Quando cresci um pouco mais o senhor chorava em cada discurso que eu fazia, nas formaturas, nas sessões solenes da Câmara Municipal de Cachoeira Paulista, no teatro, em palestras, na Igreja. Posso ouvir a sua serena voz: "meu filho, tenho tanto orgulho de você. Eu te amo tanto filho". Saudade, pai. Das lições aprendidas a mais marcante foi a simplicidade. Simplicidade... Posso dizer que é este o valor que tanto busco. Como o meu agora confrade, um pouco pai, um pouco amigo, Antonio Ermírio de Moraes diz e vive: "O último degrau da sabedoria é a simplicidade." Minha mãe está aqui. Mulher de dor, perdeu uma pátria, perdeu filhos, perdeu o marido. Mulher de amor. Amou mais do que sofreu. E se chorou, chorou por amor. E no amor me ensinou e me ensina a ter esperança. Minha segunda mãe Leila, a primeira leitora paciente daquele inquieto menino que queria ouvir histórias. Também ela esteve num navio. Também ela esperou um dia por uma nova terra. Queridos confrades e confreiras, queridos colegas acadêmicos, agora que sou mais um tripulante desta nau, quero reafirmar uma minha convicção: tenho esperança. E espero uma nova terra. Esperança de que a autofagia não prevaleça sobre a harmonia. Não há espaço para destruição na Nova Atlântida, na Casa de Salomão, no Harlem de Martin Luther King, na Índia de Ghandi, na escrivaninha de Ada, Anna Maria, Esther, Lygia, Myriam. E dos homens confrades desta nobre casa da palavra. Esperança que teve talvez Sócrates diante dos homens que o julgaram naquele tribunal, ou uma outra artífice da palavra, Joana DArc, de que não seria abandonada. Esperança de Quixote em encontrar Dulcinéia, de Sherazade em destronar o ódio de Shariman. Esperança de Penélope em sua eterna tessitura. Esperança de Psique, de Isolda. Esperança de um convite para luzir talentos e eclipsar os embusteiros. Esperança de que as idiossincrasias dos burocratas do horror se deitem em paragens longínquas, por detrás do lugar que não existe. E que aqui, nesta Terra que miraculosamente se renova a cada instante, só haja amor. Amor Ágape ou Fratria ou Eros, não importa. Importa que não seja o amor definido genialmente por Machado de Assis pela boca de Brás Cubas, ao referir-se à sua amante Marcela, de vida desvairada: "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis". Esperança de que a palavra esteja a serviço do amor. Porque há palavras de desamor e há palavras de indiferença. Que se prendam lá, onde Rousseau jamais conduziria Emilio. Lá, onde as canções de amor trovadorescas não chegariam. Lá, onde Pessoa Ricardo Reis não convidaria Lídia para enlaçar as mãos e contemplar, nem tampouco Lygia, essa nossa, tão leve e tão faceira, para fitar com suas meninas uma ciranda de pedra. Lá, longe daqui, do Arouche, longe desta navegação. Esperança de que o riso, o riso criado pelo Artista para unir não sirva para escárnio. De que os olhos consigam ver e não temam o êxtase pelo novo ou pelo reinventado. Esperança de que a música, a arte, a literatura acalmem e inquietem ao mesmo tempo os navegantes. Esperança de que cada ser, mesmo sendo pequeno em estatura física diante do Universo, seja um gigante em complexidade de, voltando a Ignácio da Silva Telles, Sabedoria e Amor. E aqui não há nenhuma censura aos letrados do desconcerto. Àqueles que gritaram por aí a exigir que pudessem caminhar com pés próprios. Que o façam! Amor não é ingenuidade, nem passividade. Amor é ação, revolução! Sem atentar para esta fundamental condição o ser humano há de conhecer todo o macro e micro cosmos, mas talvez nunca venha conhecer seu próprio âmago. Esperança de que a palavra não seja usada como instrumento de ódio, que não sirva para erguer barreiras e afastar os seres humanos uns dos outros. Bravura sim. Violência, impetuosidade incontinente, não. Não se deve desacoroçoar. Não se deve aposentar a navalha afiada das palavras que pululam na defesa do que é correto. Eis uma platéia de pessoas corretas! Quem teve acesso à cultura, ao ensino tem ainda maior responsabilidade de fazer prosperar a presença do bom e do belo, ensinava Tomás de Aquino na escolástica. Esperança de que a palavra sirva para abrir os caminhos existentes e criar veredas e paragens por onde possam chegar o entendimento e a harmonia, a fraternidade, a solidariedade, enfim, o Amor. E de novo o Amor, aquele amor mencionado pelo imortal poeta florentino no fecho da sua Divina Comédia como sendo o "que move o Sol e move estrelas", ou ainda o que ergue catedrais, como no Poema das grandes catedrais, do querido Paulo Bomfim: "As grandes catedrais ressurgirão das águas, E as aves da floresta conhecerão A linguagem dos peixes noturnos... As grandes catedrais ressurgirão das ondas, Trazendo para o mundo das nuvens As princesas sem reino coroadas de coral... As grandes catedrais ressurgirão dos tempos, E os homens serão crianças, Contemplando o mar pela primeira vez!" Eis uma visão do futuro! Eis uma visão da esperança! Esperança de paz! Será isso uma utopia? Não sei. Só sei que não fomos criados para a resignação, para nos conformarmos, para permanecermos estáticos, imóveis. Eis nossa vocação, senhoras e senhores navegantes, devemos estar sempre prontos a segui-la. Ao mar, então! À esperança! Enfim, ao amor! voltar |
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