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DISCURSO DE POSSE
Acadêmico: Walcyr Carrasco
"Ser recebido pela Academia Paulista de Letras é aceitar uma missão. Uma missão que se perpetua através dos vários ocupantes de cada cadeira. É carregar uma tocha que deve permanecer sempre acesa iluminando o mundo que nos cerca."

Excelentíssimo doutor José Renato Nalini, Presidente da Academia Paulista de Letras, dignos confrades e confreiras com quem a partir de hoje terei o prazer de compartilhar minha jornada; prezado doutor José de Oliveira Messina, presidente do colégio Dante Alighieri que tão gentilmente aqui nos recebe, família, amigos, a todos agradeço a presença nesta noite para mim tão especial.

Ser recebido pela Academia Paulista de Letras é aceitar uma missão. Uma missão que se perpetua através dos vários ocupantes de cada cadeira. É carregar uma tocha que deve permanecer sempre acesa iluminando o mundo que nos cerca. Assim entendo a Imortalidade: é manter acesa a chama, perene a Instituição e o que ela representa para a Literatura, Cultura e a Sociedade de maneira geral. Sinto uma imensa honra aqui, neste momento, ao ocupar a cadeira número 14. Sou de família simples. Meu pai, João, foi ferroviário da Estrada de Ferro Sorocabana; minha mãe, Angêla, comerciante. Estudei em escola pública. Minha família lutou para que eu tivesse acesso à Educação e para que eu realizasse meus sonhos. Nasci em Bernardino de Campos e fui criado em Marília, no interior de São Paulo. Meus pais sempre me davam livros como presentes de aniversário e Natal. Também frequentava a Biblioteca Municipal. Lembro o desejo de me tornar um escritor, quando garoto, e sinto agora uma grande emoção. Não tenho, porém, a sensação de que meus sonhos terminaram. Mas de que com a entrada na Academia meus sonhos recomeçam, visto que agora há uma chama a manter acesa com a mesma dignidade de meus predecessores.

A cadeira 14 da Academia Paulista de Letras tem como patrono Martim Francisco Ribeiro de Andrada, pertencente à ilustre família de José Bonifácio de Andrada e Silva, Patriarca da Independência. Chamado de Martim Francisco, terceiro, foi jurista e presidente da Câmara dos Deputados. No Tribunal do Júri, sua presença sempre foi marcada pelo brilhantismo. Colaborou em vários jornais, chegando, inclusive, a dirigir o "Cidade de Santos". Publicou vários livros, como "Propaganda Separatista", "Manifesto Maçônico", "Contribuindo" - de ensaios históricos e "Revivendo", de crônicas também históricas.

A Martim Francisco Ribeiro de Andrada sucedeu Léo Vaz, em 1928. Nasceu em Capivari. A convite do escritor Monteiro Lobato, foi supervisor da "Revista do Brasil". Finalmente, até sua morte, trabalhou como redator-chefe do jornal “O Estado de São Paulo”. Possuia um temperamento irreverente, até cáustico. Seu livro, "O Professor Jeremias" é considerado um exemplo estilístico de ironia e bom humor. Mesmo assim, era cético em relação à sua obra. O romance conta as peripécias de um professor no interior de São Paulo. É certamente autobiográfico, mas como disse o próprio Léo Vaz: "muita coisa é da biografia alheia". Publicou também "Ritinha e Outros Casos", "O Burrico Lúcio" e "Páginas Vadias". Um exemplo de seu humor cáustico surge em uma entrevista da época, onde fala sobre o ser escritor: "Duas razões essenciais levam um sujeito a escrever: o desejo de conquistar a glória, ou a vontade de ganhar dinheiro. Não sinto e nunca senti qualquer prurido de seduzir a glória que, por sinal, é uma mulherzinha muito caprichosa e de verificar, por outro lado, que não é com a Literatura que se pode ganhar dinheiro". Mesmo apesar dessas considerações, Léo Vaz foi um excelente escritor, teve uma trajetória importante na Academia Paulista de Letras e, como já disse, merece destaque na Literatura paulistana. Existe neste encontro meu com ele, segundo ocupante da cadeira que agora recebo, uma estranha coincidência. Eu, Walcyr Carrasco, sou conhecido entre os mais íntimos pela ironia, por um humor cáustico e, confesso, certo ceticismo. Aqui, através do tempo, sinto uma surpreendente identificação com Léo Vaz. Também fui jornalista muito tempo e tantas, tantas vezes eu me perguntei: por que escrever? Por que não largar tudo, morar em uma praia, esquecer de sonhos que realimentam mais sonhos? Eu também nunca quis escrever por causa da glória ou do dinheiro. Mas Léo Vaz, através da distância do tempo, eu me atrevo a lhe oferecer uma resposta. Não uma resposta definitiva, porque não há. Mas a minha única, verdadeira e íntima resposta. Por que escrever? Porque preciso. Porque escrever faz parte de mim, é tão fundamental como ter um coração batendo. Léo Vaz. Já compartilhamos as mesmas dúvidas. E agora compartilhamos a História da cadeira número 14.

A Léo Vaz sucedeu Pedro Chaves. Descendente de Bandeirantes, cursou a Faculdade de Direito da futura Universidade de São Paulo. Foi promotor público e juiz. Seu prestígio, espírito de justiça e méritos o levaram ao cargo de desembargador do Tribunal de Justiça do Estado. Foi ministro do Supremo Tribunal Federal até sua aposentadoria em 1967. Louvado por juristas, poetas e escritores, o acadêmico Pedro Chaves mereceu estas palavras do também acadêmico Miguel Reale: "juiz que soube viver a experiência social e humana na plenitude de seus valores mais altos, éticos, econômicos e até mesmo estéticos". Entre seus livros publicados, estão: "Falando", "Centenário de Almeida Nogueira" e "Três Razões de São Paulo". O título da última obra tem sua razão de ser: Pedro Chaves foi um apaixonado por São Paulo, a quem sempre honrou com o entusiasmo de um bandeirante.

Assim que fui eleito para a Academia Paulista de Letras, recebi um e-mail que me enterneceu extraordinariamente, da filha do poeta Cyro Pimentel. Na mensagem, ela dizia estar feliz por ser eu, um escritor de quem ela gostava, que sucederia seu pai na cadeira número 14. O poeta Cyro Pimentel ocupou a cadeira 14 após a morte de Pedro Chaves. Respondo agora a essa mensagem carinhosa: sou eu que estou feliz por ocupar a cadeira de um poeta. Eu, que não escrevo versos, tenho agora a missão de manter viva a chama de alguém tão significativo como Cyro Pimentel. Nascido em 1926, Cyro Pimentel faleceu em fevereiro passado, aos 81 anos. Segundo um crítico, que escreveu um belíssimo artigo após seu falecimento, possuiu uma marca singular. É considerado da Segunda Geração Simbolista. Também pertenceu à Geração de 45, movimento poético que deu novo vigor à poesia nacional. Cyro Pimentel foi detentor de um estilo único, onde a poesia ganha um toque abstrato, um ritmo próprio. Quando publicou "Poemas", em 1948, foi considerado pela crítica como um poeta “novíssimo”. Seu trabalho continuou sempre inovador. Em 1979, publicou "Poemas Atonais", com versos que chegam a parecer epigramas, palavras diferenciadas e, outras vezes, bordejando o coloquial. Mas também, sempre, com um toque espiritual, pois em seus versos buscava os significados mais profundos.

Eis um poeta que soube manter acesa a chama. E agora talvez alguém me pergunte: mas do que se trata realmente essa chama de que tanto falo? Talvez seja só o sonho de todo artista de que significa alguma coisa nesse mundo, que de alguma maneira ilumina a escuridão que cerca as nossas almas. Talvez, a resposta esteja em um verso do próprio Cyro Pimentel: "Eu, caminhante, sou a imaginação de mim". Só isso. Mas tudo isso. Imaginação. Sonho.

Mas eu acredito, dentro do mais íntimo de mim mesmo, que todos nós temos uma centelha divina. Eu, cada um de vocês que me ouve agora. E que cabe a cada um de nós fazê-la brilhar. Talvez a chama de que tanto falo seja a mesma centelha divina que nos anima, fazer com que ela ilumine nosso ser, quem nos cerca, o mundo que nos rodeia. É querer demais? A Literatura, a Poesia, e todas as formas de expressão artística podem não mudar o mundo. Mas sem dúvida, o tornam melhor. Minha missão é fazer com que brilhe minha centelha. Por isso, afirmo novamente: entrar para a Academia não é simplesmente a realização de um sonho, mas o abrir de novos horizontes, o brilhar de uma chama agora não mais minha simplesmente, mas de todos que me sucederam, dos confrades e confreiras que hoje tornam a Instituição viva e Imortal - a quem agradeço também a oportunidade de estar aqui.

Eu poderia falar muito ainda sobre essa centelha que nos move a nós, escritores, poetas, artistas de forma geral. Mas quem melhor para falar sobre missão, vida, morte, eternidade do que o próprio poeta que me antecedeu? Encerro minhas palavras com as palavras do próprio Cyro Pimentel, no poema



Elegia Dançante:


“O nascimento do poeta é um salto do invisível

E tudo se movimenta ao seu ritmo de estrela e de nuvem

Silenciar ao tumulto da vida cotidiana

Segredam os deuses da Eternidade... Aos poucos

O infinito adeja em mim como as asas do morcego

Sob o sol, e triste e escura amanhece a solidão - palavra ardente

Com a presença de Deus sobre a vida, esse murmúrio de sono.

Caminhando sobre as rudes pedras da aflição,

Nascem na alma as folhas nostálgicas da amada

Que sozinha sombreia de esperança e luz as lágrimas

Da amargura. Oh, como réstias de azul iluminam de saudade

Os cabelos, os olhos, as mãos! Onde a amada que se materializa.

Em música, para dançar com a harpa do meu corpo

A palavra que assombra de trevas o meu bosque de sonhos?

Sim, a vida é um vôo de finitos e infinitos!

E rugem luas de pavor, gritam túmulos solitários,

Cercam-me teias de cabelos outonais! E onde, onde repousar,

Senão sobre o tempo em que eu era a criança sem destino?

Fecham-se em mim as asas do morcego e o sol sangra de melancolia

O meu contínuo morrer dançante!”



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