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Acadêmico: Walcyr Carrasco "Um homem na grandeza que a palavra lhe empresta, com alma vegetativa, sensitiva e racional. Um homem que delibera com presteza. E também um menino. Um eterno menino que brinca e que sonha" assim define o acadêmico Gabriel Chalita seu novo confrade, o Acadêmico Walcyr Carrasco.
José Renato Nalini - Presidente da nossa amada Academia Paulista de Letras. Senhoras Acadêmicas. Senhores Acadêmicos. Minhas amigas. Meus amigos. Travessia “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas... Que já têm a forma do nosso corpo... E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares... É o tempo da travessia... E se não ousarmos fazê-la... Teremos ficado... para sempre... À margem de nós mesmos...” (Fernando Pessoa) É de travessia que gostaria de falar esta noite. Noite gloriosa em que o escritor Walcyr Carrasco assume a cadeira número 14 que pertenceu ao saudoso poeta Cyro Pimentel, cuja travessia foi marcada por competência e elegância. Walcyr Carrasco é de Bernardino de Campos. Filho de João e de Ângela. O pai ferroviário, homem simples certa vez disse ao filho já adulto, desempregado, batalhando pela vida. “Filho, se precisar vá lá pra casa. Um prato de comida não vai faltar”. Walcyr agradeceu comovido a simplicidade e o acolhimento do pai. Mas não precisou. Construiu sua casa com alicerce. A mãe Ângela tinha um pequeno bazar. Era conversadeira e sorridente. Lembranças que até hoje povoam a mente criativa do novelista. A travessia faz com que o fluxo seja inexorável. O cenário muda. As pessoas permanecem porque emocionam. Outras apenas vão cumpriram talvez o seu ofício. De Bernardino de Campos à Marília. Dona Hélia, dona do bar da esquina, há pouco tempo deu a ele um enfeite de parede comprado no bazar da mãe. Em Marília, a lembrança do menino Joel que tinha uma deficiência mental. O que seria da sua travessia? O que seria da travessia daquele outro rapaz, tetraplégico, apresentado por um amigo, que escrevia e desenhava para sustentar a casa? Histórias que tocaram e influenciaram o adolescente Walcyr. Personagens que o ajudaram a compor para que o preconceito jamais tirasse da vitrine o doce sabor da diferença. O que seria de sua travessia? Em Monteiro Lobato, a inspiração para escrever e escrever muito. De vendedor de livro porta-a-porta a garçom nos Estados Unidos. De professor de português de uma americana cega ao Senhor das Seis, como ficou conhecido depois de tantos sucessos de audiência no horário mais difícil de se emplacar telenovelas. O rapto do garoto de ouro, uma adaptação do livro de Marcos Rey foi sua estréia como autor de teatro. Êxtase lhe rendeu o celebrado prêmio Shell. O Guarani, Filhos do Sol, Xica da Silva, O Cravo e a Rosa, A Padroeira, Chocolate com Pimenta, Alma Gêmea, Sete Pecados. O telespectador riu, chorou, torceu, vibrou, aprendeu. Assim são suas novelas e minisséries uma homenagem à literatura que se populariza na grande mídia. Uma homenagem aos encontros cotidianos que ganham poesia com um texto leve, envolvente. Senhora das Velas, Pequenos Delitos e Anjo de Quatro Patas mostram, atestam sua boa travessia na literatura adulta. Para o público infanto-juvenil temas como preconceito, drogas, afeto fazem com que seus livros tenham enorme êxito. Em A palavra não dita, o sonho de dizer “pai”. A travessia seria muito mais leve se o amor não ficasse escondido em algum recôndito empoeirado. Cronista impecável traz seu humor aos fatos cotidianos de uma cidade imensa de problemas e de tipos, de casos e acasos. Na revista Veja é lido, comentado, respeitado. A travessia, prezados confrades e confreiras, é um desafio cotidiano. Fazer com que os talentos plantados pelo Jardineiro Primeiro floresçam é tarefa árdua que exige disciplina e integridade. Quem sabia ontem o que seríamos hoje? Quem ousa dar o desfecho da travessia? “Aconteceu que nessa noite Pedrinho ouviu a conversa e a referência à sua futura ação. Entrou a sonhar. Que fariam dele? Na fábrica, como o pai? Se lhe dessem a escolher, iria a engraxador. Tinha um tio no ofício, e em casa do tio era menor a miséria. Pingavam níqueis. Sonho vai, sonho vem, brota na cabeça do menino uma idéia, que cresceu, tomou vulto extraordinário e fê-lo perder o sono. Começar já, amanhã, por que não? Faria ele mesmo a caixa. Escovas e graxa, com o tio arranjaria.” Monteiro Lobato traz essa narrativa de um pré-modernismo concreto. No conto de natal, o menino quer apenas o sonho de ser engraxate. Sonho pouco? Quem determina o que é pouco ou muito? Talvez seja a tal de felicidade que Aristóteles tanto proclamava como a verdade única e universal. Não a felicidade em si, mas a sua busca. A travessia! Guimarães Rosa, o escritor mineiro e universal que brincava com as palavras como um menino travesso, também atravessou. “Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia. O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Coragem não lhe falta, querido neo acadêmico. Coragem de ousar em uma travessia repleta de holofotes e de penumbra. É no subsolo das suas emoções que surgem as narrativas que emocionam. É no submundo das suas dores que a dor partilhada faz com que entendamos mais da natureza humana. É nas inquietações que não o deixam, que se constroem e se destroem vidas. É esse o seu ofício. É essa a sua literatura. Seja bem-vindo, querido amigo, a esse bom convívio. Esta é a casa em que histórias de vida se misturam. São mulheres e homens que têm em comum a sina da palavra. São artífices de gerações diferentes que bebem e se embriagam sem pudor da língua portuguesa. Em nossos encontros, desencontramos. O escritor é um desconstrutor porque é um forte. Porque não tem medo. Na escrita ficcional, nos ensaios científicos, nos poemas que desnudam o que somos ou o que gostaríamos de ser, nas crônicas cotidianas todos nós atravessamos. Até quando? Quem sabe? Esse poder visionário não nos foi concedido. Fiquemos com o que ganhamos. O nosso galardão é a pena ou a tinta ou a caneta ou a máquina barulhenta e melancólica ou a nova tecnologia que não mata a velha inspiração. É isso o que recebemos, escritores todos. E recebemos para servir a uma causa. O nosso corpo já mudou. As roupas já foram trocadas porque há um novo corpo que nos habita. E haverá outro e depois outro e assim nos despediremos quando chegar o momento do encantamento final. Amigas e amigos. Esta é uma noite como qualquer outra em que algumas pessoas se reúnem para celebrar um homem menino que se torna imortal. Um homem na grandeza que a palavra lhe empresta, com alma vegetativa, sensitiva e racional. Um homem que delibera com presteza. E também um menino. Um eterno menino que brinca e que sonha. Um menino generoso que acredita no poder de transformar a vida das pessoas. E como Walcyr Carrasco é generoso! Mas isso fica para um outro encontro. Que haverá, com certeza. Porque a nossa travessia. A de nós todos, está longe de encontrar o seu porto final. Continuemos então. A palavra não pode parar. Nem a vida! voltar |
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