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Acadêmico: Maurício de Sousa O presidente da Academia Paulista de Letras Gabriel Chalita recebe o acadêmico Mauricio de Sousa e fala sobre a importância das histórias infantis.
Excelentíssimo Dr. Antônio Penteado Mendonça Presidente da Academia Paulista de Letras Excelentíssimas autoridades Confreiras e confrades Amigas e amigos A INFÂNCIA E O INFANTE A infância é o início de tudo. É o desabrochar primeiro das imagens que haverão de contracenar com outras imagens nas cenas da vida. Com Casimiro de Abreu: "Como são belos os dias Do despontar da existência Respira a alma inocência, Como perfumes a flor; (...) Oh, que saudades que tenho..." O infante é o filho do rei. Faz parte da coroa. Tem privilégios. É cuidado, de forma toda especial, para o exercício digno da liderança. A infância dispensa, até por falta de existência, os filtros tão comuns em tempos adultos. As imagens adentram, sem autorização, e permanecem. As boas, as ruins. É de pequeno que se percebe o continuar do arvoredo. As entortaduras ficam difíceis de serem resolvidas. Se se cresce ereto, ereto será o que virá depois. Cuidar da infância é ter a consciência de que infantes são todos. Todos têm sangue azul. Todos, em nossa República e nas outras, merecem tratamento especial. É a utopia do escritor que invade o universo infantil e o desenha mais colorido, mais saboroso, mais real. Mauricio de Sousa, o Infante das histórias e dos desenhos mágicos da infância, está chegando à Academia Paulista de Letras para ocupar o seu merecido lugar. O Largo do Arouche está em festa. Nasceu em Santa Isabel. Foi criado em Mogi das Cruzes, onde nadou em um Tietê convidativo. O avô paterno, Adelino Toledo, era motorista de caminhão e ia para a Serra do Mar e trazia animais de todos os tipos para despertar o poder de êxtase das crianças. A avó, Benedita Rodrigues, era uma contadora de histórias. Falava de assombrações. O fato de ser analfabeta não a impediu de um rico aprendizado da cultura oral. Sua avó contava histórias, e seu avô contava causos. Seu humor acalentava tantas tardes ensolaradas ou nubladas por que não? na pequena Mogi. "Oh, dias de minha infância, Oh, meu céu de primavera! Que doce a vida não era... (...) Oh, que saudades que tenho..." (Casimiro de Abreu) Tristes famílias de dias atuais, com pouco diálogo. Nas telas dos televisores e dos computadores, tão necessários, a imagem está pronta. Na contação de histórias, não. A imaginação sem a imagem desenvolve outra parte da inteligência criativa. Os contadores de história foram se rarefazendo. Os pais ou os avós pouco narram do que leram ou viveram. Tristes cenas hodiernas em que máquinas ocupam cenários reservados para almas. Machado de Assis também teve uma contadora de histórias. E também Guimarães. Lygia, no memorável conto Biruta, fala da dor de um menino que amava o seu cachorro, arrazoando em poesia sobre a insensibilidade dos que nos oferecem uma orfandade incômoda. A mesma orfandade do pequenino dinossauro filósofo, Horácio, nascido de um ovo abandonado, que nos emociona com sua gentileza, com sua grandeza de caráter, com seus gestos de amizade, com seus nobres valores morais. É a criatura espelhando o criador. É clássica a cena em que Horácio, com senso de ética apurado, não ri de uma queda de seu fiel amigo Tecodonte. O amigo estranha a ausência da já esperada gozação, dizendo ser hábito da civilização “rir da desgraça alheia”. Surpreso, o filhote de dinossauro questiona: “Não seria mais lógico chorar com a desgraça alheia... como choramos com a nossa?” É o princípio da ética, é o princípio dos bons corações, com os quais o artista reveste suas personagens. Fernando Pessoa, em seu poema ao Infante de Portugal, versa: "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce". Mauricio é o nosso infante sonhador. Senhor dos quadrinhos de uma infância recheada de temas. Temas para viver. Paulo Bonfim, nosso príncipe, em seus versos, diz que é de um tema para viver que precisam as nossas moças e os nossos moços. E os temas não nascem prematuros, precisam ser gestados em famílias, em escolas e em outros lugares de paz. O pai de Mauricio era um artista. Poeta e barbeiro, Antonio Mauricio de Sousa, desde adolescente, manifestava seus pendores artísticos. A mãe, inconformada e com medo de um futuro sem futuro, com sonetos e pinturas, decidiu que era preciso uma profissão decente, a de barbeiro. E era no salão, entre as pausas de um corte e outro, que o prazer se manifestava em poemas encomendados por homens apaixonados que queriam seduzir suas amadas. Além dos Quixotes em busca de Dulcineias, dos Romeus em busca de Julietas, fazia discursos políticos. Chegou a criar dois jornais críticos: A caveirae A vespa. Em sua não longa vida, teve tempo, ainda, de ser compositor, trabalhar em rádio e ajudar o filho no início de sua trajetória, vendendo tiras de histórias em quadrinhos por jornais do interior. Em muitas noites, era em uma funerária que o pai organizava saraus, com música e poesia. A casa era pequena a casa da avó, que era maior, não dava para ser utilizada até tarde; o avô, caminhoneiro, acordava cedo. Na funerária, ninguém se incomodava e, sentado sobre um caixão, o pequeno Mauricio se embriagava com a espontaneidade daquela arte. A mãe, Petronilha Araújo de Sousa, também era poeta e descerrou ao filho o mundo da sensibilidade. Conta-nos o infante: "Apresentou-me casas e ruas, rios e montanhas, piqueniques, procissões e carnavais". "Em vez das mágoas de agora, Eu tinha nessas delícias De minha mãe as carícias E beijos de minha irmã! (...) Oh, que saudades que tenho..." (Casimiro de Abreu) Ah, a sensibilidade do olhar. Que tristeza ver e não ver. Ouvir e não ouvir. Viver e não viver. É no cotidiano que as emoções vão nos convidando para a necessária viagem ao nosso próprio universo e aos universos alheios. A mãe ralhava com o pai, que o levava para ver filmes de adulto no cinema. Mas não ralhava por conta dos gibis em que todas as quartas, todas as sextas e todos os domingos à noite o pai dava ao filho. Nascia ali o ofício, a vocação do infante que haveria de interferir na infância de milhões e milhões de crianças nos cinco continentes. A mãe de Mauricio corou de vergonha quando, em uma quermesse, viu os filhos, Mauricio e Marisa, dançando, e as pessoas jogando dinheiro como incentivo ao talento dos rebentos. O dinheiro era também para comprar gibi. Mauricio imitava Oscarito e, às vezes, Charles Chaplin. Aquele que disse que, muito mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mauricio foi repórter policial antes das tiras encantadas. As primeiras foram os quadrinhos com um cãozinho e seu dono, Bidu e Franjinha. Quem diria que daqueles rabiscos um império seria criado... Mais de 1 bilhão de gibis espalhados pelo mundo, prêmios pela genialidade criativa e pelo profissionalismo, capazes de criar uma marca, um conceito, uma equipe. Monica, Cebolinha, Cascão, Chico Bento, Magali, Horácio. E de Mogi para a Itália ou para os Estados Unidos ou para a China, passando por quarteirões e arranha-céus, difundindo valores e estimulando a convivência cidadã. É esse o nosso novo imortal. Tive a oportunidade de lançar livros com ele. O infante é fidalgo com as crianças, infantes também. Merecem respeito. A cada criança, uma ilustração. Tentou ensinar-me. Atento, percebi que era melhor olhar e aplaudir. Quem sabe um dia... Não! Contento-me em saudá-lo, em desfrutar a amizade de alguém que ficará para sempre em nossa história e em nossa imaginação. A cadeira 24 já está ocupada. A saudade de Geraldo Vidigal permanecerá. É assim esse milagre da imortal presença. Partimos e permanecemos. Convivemos com o passado e nos lançamos ao futuro. Prezado Mauricio de Sousa, agradeço o privilégio do convite para esta modesta saudação. Sou, aqui, um aprendiz. Mas sou um aprendiz ousado. Tenho sonhos, amigo. E quero vivê-los com estas mulheres e estes homens de valor. Voltemos à infância. É preciso cuidar de nossas crianças. Envergonhamo-nos com as ausências. São desprotegidas. Vitimadas pela violência e pela pouca educação. Sem educação, nunca seremos uma nação de infantes. Ficaremos divididos entre aqueles que sabem, porque tiveram oportunidade, e aqueles que não sabem. Permitirmos esse apartamento não é nobre nem conveniente. É preciso cuidar de nossas crianças, repito. Covardia nos acomodarmos diante do desleixo. Omissão nos trancafiarmos em nosso conforto e não abrirmos a janela com medo da paisagem. Mudemos a paisagem, ora! Que nossa literatura seja libertária. Seu pai não errou ao panfletar um mundo novo. Sua mãe não errou ao apresentar as ruelas da imaginação na cidade dos sonhos. Errar é não prestar atenção. Errar é não enxergar. Que nossa prosa nos ajude a, sem prejuízo da contemplação, transformarmos o mundo. Desenhe, Mauricio, faces ou expressões. Desenhe, amigo, a infância está aí. O castelo precisa ser aberto. Para todos. Só assim os filhos do rei, todos, poderão entrar. "Oh, que saudades que tenho Da aurora da minha vida Da minha infância querida Que os anos não trazem mais" (Casimiro de Abreu) Ao infante, menino de eterna infância, Mauricio de Sousa, nossa homenagem. Seja bem-vindo. voltar |
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