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DISCURSO DE POSSE
Acadêmico: Juca de Oliveira
Além de homenagear a patrona da cadeira e seus antecessores, o acadêmico fala sobre a glória de fazer parte da APL.

Exmo. Sr. Governador do Estado Geraldo Alckmin,
Senhor Secretário de Cultura, Marcelo Araújo,
Dr. Antonio Penteado Mendonça, presidente da Academia Paulista de Letras, cuja comovente saudação de acolhida agradeço/
Autoridades presentes/
Senhoras e senhores/
Acadêmicos

Meu pai, Tonico, conhecido em São Roque como Tonico 60 o final da chapa do seu taxi era 60 meu pai, repito, deve estar neste momento no limite da bem-aventurança! Quando em 1958 tranquei matrícula na Faculdade de Direito para cursar a Escola de Arte Dramática, por ser impossível conciliar as duas escolas e o meu trabalho no Banco, ele quase morreu de desgosto.
"Ocê é tonto? Cumo é que ocê larga o estudo de advogado, larga a Facurdade do Largo de São Francisco, as Arcada, pra sê artista de teatro? No meio duma gente que Deus me perdoe?".
Nossos contatos diminuíram, dando lugar a um mal disfarçado ressentimento. Um belo dia, anos mais tarde, eu já profissional, substituindo Leo Vilar ao lado de Cleide Yaconis em "A Semente" do Guarnieri, no TBC, à saída de mais um espetáculo, olho a porta da Major Diogo e lá estava ele parado, me aguardando: Tonico 60, a ultima criatura que eu esperaria encontrar num saguão de teatro. O coração disparado fui me aproximando, ele tímido, terninho simples, chapéu na mão:
- Oi pai...
Sem me encarar, ensaiando uma espiada meio comovida, enrolou a aba do chapéu e arriscou finalmente:
- Ocê tá bão?
- Eu tô bem, O senhor veio ver o espetáculo?
- É, vim...
- O senhor gostou?
- Gostei... Você tem jeito...
- Obrigado, pai, que bom...
- Bão, já vou indo...
- O senhor não quer comer alguma coisa por aí?
- Não, é tarde, tenho que pegá o úrtimo trem pra São Roque...

Apertamos as mãos com a timidez de sempre e ele saiu, sem querer incomodar... Voltamos a nos falar de vez em quando, até a sua morte em 1968, no auge do sucesso do "Nino o Italianinho", na TV Tupi. Mas eu sabia que nem o sucesso no teatro e nem a popularidade na TV, tinham sido suficientes para lhe curar a mágoa da minha opção pelo palco. Somente hoje, neste exato momento, graças à paixão pela cultura que sua origem humilde lhe negou, estamos celebrando as pazes para sempre. O filho, fazer parte da Academia Paulista de Letras? É a glória com que ele não ousaria sequer sonhar. Estou ouvindo Tonico 60 eufórico, rodeado de amigos, proclamando a novidade:

- Oceis viram? Meu filho Juca entrô pra Academia! Pracademia Paulista de Letra! Conheceu, papudo?
Mas não é só isso! Há outras expectativas não tão pessoais de serem correspondidas. Eu me refiro ao patrono e antecessores da cadeira número 8, aos quais, segundo a regra, devo louvar de forma respeitosa, portanto, breve.

Primeiro Bárbara Eliodora Guilhermina da Silveira Bueno, patrona da cadeira, poetisa, heroína nacional e mártir da Inconfidência Mineira. De fibra incomum, foi poderoso e decisivo apoio a Alvarenga Peixoto, o marido, na luta contra a opressão portuguesa. Bárbara Eliodora foi uma mulher belíssima, heroína do filme "A Inconfidência Mineira", produzido, dirigido e protagonizado por Carmem Santos em 1948. Alguns fragmentos da comovente interpretação de Carmen Santos no papel de Bárbara Eliodora podem ser vistos hoje, preservados e postados na Internet.

Depois, Prisciliana Duarte de Almeida, a fundadora da cadeira, poetisa, nasceu em junho de 1867. Em 1890 publicou seu primeiro livro de poesias, "Rumorejos", e a partir daí desenvolveu intensa atividade literária e cultural. Entre 1897 e 1900, fez circular em São Paulo a publicação "A Mensageira", de tendência feminista, que exerceu grande influência na emancipação da mulher brasileira. Inicialmente destinada à produção literária, seus artigos passaram a exigir mais direitos para as mulheres, ampliação do mercado de trabalho feminino e uma educação de melhor qualidade. Em 1938, aos 75 anos, editou "Vetiver", seu último volume de poesia.

E por último João de Scantimburgo, meu antecessor. Apenas o seu discurso de posse, em 1977, já é uma peça de erudição e profunda reflexão filosófica sobre o tempo, a arte e a política. Na longa militância pelas redações de vários jornais, aos quais emprestou seu talento e inteligência, foi um rigoroso analista da nossa realidade e também historiador. Deixou-nos uma alentada obra, dezenas de livros sobre os mais variados temas, esmiuçados pela sua vasta cultura e preocupação social.

Portanto, com justificadíssimo orgulho passo a ocupar agora a cadeira número 8, reconhecendo, no entanto, que muitos, com certeza, dela seriam mais dignos. Minha modesta cultura literária tentará, portanto, absorver fragmentos da riqueza intelectual e erudição desta Academia, numa tentativa de reduzir a distância entre a cadeira e o meu mérito. Trabalharei muito para isso, e lhes trarei quase nada em troca, exceto o teatro e a inquietação do palco. Agora que me receberam, terão de se conformar, porque lhes trago a inquietação, o inconformismo e a maldição que carregamos. Fomos expulsos do altar, do templo, da cidade, e nos confundimos pelas encruzilhadas com bandidos e marginais. O estigma nos acompanhou ao longo dos séculos. Para muitos, ainda hoje, pertencemos a um bando de mambembes, andarilhos e delinquentes. Não por algum eventual delito, mas pelo anseio de mudança que nos alimenta e move. Não fazemos teatro por dinheiro, ou por vaidade. Fazemos teatro para exercer nossa função estética e social, que é mudar o homem; torná-lo melhor, mais afetivo, mais generoso, mais solidário e sobretudo, menos predador. O teatro abre picadas, cria modelos novos de cultura, e socializa comportamentos. Para citar um exemplo, a nossa querida Prisciliana Duarte de Almeida, com absoluta certeza, engendrou sua revista "A Mensageira", inspirada pela Nora, de "A Casa de Bonecas" de Ibsen, o primeiro manifesto feminista, levado ao palco em 1978. Sem essa personagem criada por Ibsen, as mulheres não teriam atingido a posição que têm hoje na sociedade! Mas nem todos aplaudem essa nossa vocação crítica e transformadora. Entre as artes, o teatro é a linguagem mais perseguida, desde o 5º século Antes de Cristo, quando Aristófanes satirizou Cleón, como demagogo vulgar e sem princípios. Durante o regime militar de 64, aqui no Brasil, os teatros foram fechados, atores e autores presos, perseguidos, exilados, peças censuradas, mutiladas e proibidas durante 20 anos. Mesmo agora, em pleno vigor da nossa democracia, quando a justiça finalmente parece se sobrepor à tradicional impunidade dos engravatados, mesmo agora, os que amam o retrocesso, continuam nos espreitando. Nós ajudamos o homem a avançar, e eles teimam no seu recuo, insistem para que ele volte à uma postura de subserviência. Todos os dias são inventadas novas fórmulas e siglas na tentativa de nos domar: o "Novo Marco Regulatório das Comunicações", o "Controle Social da Mídia", o "Marco Civil da Internet"... Não passam de eufemismos para esconder a arma mais poderosa dos regimes de exceção: a censura. Então eu lhes trago essa preocupação. A Academia Paulista de Letras é um posto avançado da Arte e da Cultura! Aqui estão aqueles cujas obras balizam o fruir da nossa criatividade, e portanto, pouco confiáveis e até perniciosos para os censores de plantão. Mas eles se enganam com nossa aparente fragilidade. A Academia Paulista de Letras é um intelectual coletivo de rara sensibilidade, protegida pelos deuses e inspirada pelas musas que reverenciamos. Nada mais justo, portanto, que caiba a nós a responsabilidade de guardiões naturais daquilo que preceitua a nossa constituição: são livres a manifestação do pensamento, a criação, a expressão, a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo.

Terminando, devo dizer que estou aqui, graças à generosidade de vocês, acadêmicos, meus amigos, e especialmente a atenção dos velhos amigos e companheiros Antonio Penteado Mendonça e José Pastore.
Meu preito de gratidão aos mestres que me formaram, Guiomar Caram, Dr. Alfredo Mesquita, Paulo Mendonça e Sábato Magaldi.
Meu obrigado à Maria Luiza, minha mulher,
Isabella minha filha,
minha irmã Divina,
sobrinhos e parentes queridos.
Muito obrigado!



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