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Acadêmico: Celso Lafer Eugênio Bucci é um parceiro na reflexão sobre os desafios da agenda contemporânea – desafios para os quais o seu qualificado olhar de jornalista-pensador, atento à pauta do relevante é sempre instigador.
Discurso de Saudação a Eugenio Bucci APL – 3 de outubro 2024 -I - É uma grata incumbência a que hoje tenho, de saudar Eugenio Bucci neste momento de sua posse como titular da cadeira nº 12 da Academia Paulista de Letras, na sucessão do saudoso confrade Paulo Nathanael. É uma incumbência na qual se entrelaçam satisfação e convicção. A satisfação de um amigo que nele vem tendo, no correr dos anos, um parceiro na reflexão sobre os desafios da agenda contemporânea – desafios para os quais o seu qualificado olhar de jornalista-pensador, atento à pauta do relevante é sempre instigador. A convicção de quem nele identifica um ser de muitas virtudes que incorporará ao nosso diálogo acadêmico a constância que delas provém do seu modo de viver, atuar e pensar. Virtude é uma palavra que nos vem do latim, virtus. Na sua análise dos termos romanos relacionados à moral e à política, a consagrada classicista portuguesa Maria Helena da Rocha Pereira recorre a um fragmento de Lucilo para enunciar facetas de virtus. Menciona: “Virtus é para um homem saber o valor das coisas “, “Virtus é saber o que para um homem é reto, o que é útil, honesto”. A palavra grega Areté – excelência - foi traduzida por virtus pelos romanos que a incorporaram como conceito à sua cultura, da qual somos herdeiros. A evolução da virtus romana é muito semelhante à do Areté grega. Ambas apontam para a acepção mais abrangente das qualidades e caráter, que caracterizam as virtutes, no plural. Valho-me desta concepção mais abrangente para traçar a excelência do percurso de nosso novo acadêmico. -II- A tradição universitária dos concursos da USP atribui importância ao memorial, que vai além da indicação dos trabalhos publicados e das atividades docentes de um candidato. Transita por uma narrativa organizada que resulta de um “parar para pensar”, explicativa de um percurso. O memorial de Eugênio Bucci de 2014 apresentado em seu concurso na ECA- USP – do qual tive o prazer de participar como membro da Banca examinadora - tem a qualidade de uma narrativa organizada dos seus caminhos. Dela extraio pontos de partida, lembrado da observação de Machado de Assis: “O menino é o pai do homem”. Em Orlândia, sua cidade natal, editou em 1976, quando concluía o segundo grau, com dois amigos e colegas, um jornal Apelo. Apelo deu certo como realização. Correspondeu, como seu nome, a uma convocatória de persuadir pela palavra. Foi, no entanto, uma experiência interrompida pelas circunstâncias da época, em função da interferência da Delegacia Regional do Ensino. Esta, na vigência de anos autoritários, não viu com bons olhos uma publicação que funcionava como precipitadora de uma mobilização estadual incipiente. A reação a esta experiência frustrada foi um apelo que definiu a sua decisão de ser um jornalista profissional e de se opor às censuras do poder. Forjou o norte da bússola de sua vida como jornalista, identificando no jornalismo, nas suas palavras, “um ponto em que se encontra o exercício dos direitos, a razão vital da comunicação e o valor da informação”. O passo subsequente com sua vinda a São Paulo foi a pertinência do seu ingresso em 1978 na ECA, a Escola de Comunicação e Artes da USP, na qual se formou em 1983 e da qual é hoje um dos seus mais destacados docentes. Em busca de horizontes mais amplos, ingressou em 1980 na Faculdade de Direito da USP, conciliando os dois cursos por um período, porém só concluindo o curso de Direito mais tarde, em função de um mergulho em atividades profissionais ligadas ao jornalismo. Tanto na ECA quanto no Largo de São Francisco, foi um militante estudantil de relevo, animado pela tradição da Esquerda e de suas correntes. Com reconhecida liderança, integrou em 1981 o Diretório Central dos Estudantes da USP e foi eleito em 1984 presidente do C. A. XI de Agosto. Em ambas, na assumida condição de um ativista independente, buscou na sua atuação pessoal, nas suas palavras “afirmar direitos democráticos por meio da cultura e da comunicação”, uma vis directiva a que deu, com coerência, destacado tratamento nas subsequentes etapas de sua vida. A Faculdade de Direito não fez de Eugênio um advogado, mas deu-lhe compreensão da moldura jurídica do exercício do jornalismo e de seu relacionamento com a democracia. Em seu livro de 2009, A Imprensa e o dever da liberdade, realça que é com a verdade jornalística “que a democracia pode contar quando se trata de estabelecer acordos ou consensos capazes de dar uma unidade aos conflitos entre os muitos discursos que disputam o espaço público”. “A democracia”, como ele diz, “depende conceitualmente dessa construção dialogada de uma verdade cotidiana, aqui chamada de verdade jornalística”. Esta, pondera, é concebível “a medida que seja gerada na diversidade das fontes, de narradores, de veículos, de públicos e sobretudo de instituições (públicas e privadas) dedicadas ao negócio de informar o cidadão.” O projeto jornalístico é um projeto iluminista, gêmeo do projeto democrático, diz Eugênio Bucci. Ambos têm em comum o valor do sapere aude kantiano da cidadania numa democracia, por meio do direito à informação correta. É o que permite dar andamento ao ideal de oferecer ao público elementos para o entendimento racional das diferenças pelos instrumentos de aferição do cotidiano. Vale a pena relembrar bobbianamente que um dos postulados da governança democrática é a existência de cidadãos – não de súditos – aptos a avaliar o status rei publicae com base na transparência da informação exata. O desafio de efetivar este ideal iluminista percorre os caminhos do nosso novo acadêmico. É um ideal, um valor, que se tornou mais complexo na era digital, que enseja a dispersão e a fragmentação da informação. Requer a coragem da independência para vigiar o poder e, num contexto abrangente, afastar os conflitos de interesse, as agendas ocultas, a promiscuidade das fontes, a tentação de transformar o jornalismo em entretenimento. Eugênio tem uma clareza sem ingenuidades do dever ser deste desafio. Por isso, um tema forte de seu percurso é o empenho em construir critérios e padrões da ética profissional do jornalismo na contemporaneidade. A sua construção tem sido um contínuo “work in progress” instigado pelo concreto da sua prática profissional, ampliada pelo horizonte de seu denso repertório intelectual. Nesta construção, vem contando com a parceria de nosso comum amigo, Carlos Eduardo Lins da Silva, grande exemplo da integridade de uma significativa carreira de jornalismo profissional ético, alimentado pelos conhecimentos de um professor de cariz universitário. -III- Miguel Reale, nosso eminente confrade que iluminou com sua presença o diálogo em nossa APL, destacou o valor epistemológico da experiência. Aponta que experiência vem do latim, experire, ensaiar, testar, pôr à prova, que se desdobra numa dialética de mútua complementariedade explicativa da relação entre o ato do “eu” que experiencia e os fatos experienciados. O que o ser humano experimenta na intersubjetividade do mundo de vida como aprovação e provação é modeladora da sua personalidade. Enseja, diz Reale, o dever ético de transmitir os conhecimentos adquiridos pelo experienciado. A fidelidade a este dever ser, apontada por Reale, caracteriza Eugênio Bucci. A participação de Eugênio no movimento estudantil entreabriu para ele o que é agir conjunto da política. Foi uma experiência que se adensou no seu período de estudante da Faculdade de Direito e na gestão da presidência do XI de Agosto. A vida cotidiana no pátio de São Francisco, que é um lugar de memória do convívio acadêmico na Faculdade, foi para ele, como para gerações que o antecederam e sucederam, uma escola de cidadania, uma escola que ensina a diferenciar cidadãos de súditos numa democracia. Esta experiência o aprestou a buscar entender o novo das grandes manifestações de rua de junho de 2013 e da sua energia mobilizadora na sociedade brasileira. Os protestos foram acompanhados por dificuldades tanto da presidente Dilma quanto dos seus opositores de avaliar o seu significado, em função de uma mudança de paradigmas dos processos de condução da política. Esta mudança de paradigma na era digital alterou a acepção da língua dos protestos, diferenciando-a daquela que caracterizou a de sua participação no movimento estudantil. Rompeu as fronteiras da linguagem política. Configurou um acontecimento que se impôs no campo da cultura política, alterando procedimentos tradicionais. Desafiou assim o entendimento dos protestos de rua no país, que instigou o prazer da propagação do insulto na política. Esta pioneira antevisão de uma nova realidade - a da intransitividade da energia da forma bruta dos protestos - é a marca de seu livro de 2016: A forma bruta dos protestos: das manifestações de junho de 2013 à queda de Dilma Rousseff em 2016. Hannah Arendt observou que a clarificação que resulta do processo de pensar provém da capacidade de diferenciar, e não se confundir por meio da associação com eventos semelhantes. A não é a mesma coisa que B, como apontou num colóquio sobre a sua obra. Eugênio revelou a sua capacidade de diferenciar, distinguindo a energia dos movimentos estudantis de sua época, dos protestos de rua de 2013. A capacidade de diferenciar para esclarecer é uma das características do percurso de Eugênio. -IV- Um intelectual, diz Isaiah Berlin, é uma pessoa que quer que as ideias sejam as mais interessantes possíveis e que gosta de discuti-las. Eugênio Bucci é sem dúvida um intelectual também nesta acepção de Isaiah Berlin, como a sua trajetória revela. Penso que a sua experiência de colaborar com Caio Graco Prado, como Editor-Assistente da Brasiliense foi, neste contexto, importante. Dedicou-se especialmente à pioneira e inovadora coleção “Primeiros Passos”. Primeiros Passos está em sintonia com a observação de Isaiah Berlin pela abrangência dos temas que tratou de oferecer para o debate do leitor brasileiro. Foi assim, para Eugênio, uma das fontes inspiradoras da contínua ampliação de seu repertório de intelectual. Com efeito, o constitutivo jornalismo de Eugênio, qualificado por Alceu Amoroso Lima como integrante do gênero literário da prosa de apreciação dos acontecimentos, tem a densidade do intelectual que se empenha no deslinde do significado mais abrangente dos eventos. Alceu Amoroso Lima aponta que são ingredientes de uma qualificada prosa do jornalismo: a boa informação, que leva os fatos ao conhecimento público; a vocação para a atualidade, pois o que faz o jornalismo é o tempo, não a eternidade – precisa captar a mensagem de seu tempo; a objetividade, que requer manter o contato com o fato. O contato com o fato para assegurar a objetividade da verdade jornalística precisa enfrentar, numa democracia, os desafios da resistência à verdade factual. É tema que Eugênio examina em seu livro de 2019 Existe democracia sem verdade factual? Um dos seus pontos de partida que com ele muito discuti junto com Mary é o grande ensaio de Hannah Arendt, inserido em Entre o Passado e o Futuro, Verdade e Política. Para Hannah Arendt, a verdade da política é verdade factual. Hannah Arendt parte de uma formulação de Leibniz, levando em conta que na Idade Moderna, a verdade não é nem dada, nem revelada, mas produzida pelo espírito humano. Neste contexto, Leibniz distingue verdades de razão e verdades de fato. As verdades de razão são necessárias e seu oposto é impossível. As verdades de fato são contingentes e o seu oposto é possível. A contingência da verdade factual é o que a torna epistemologicamente frágil - frágil em geral, e frágil diante das artimanhas do poder. Por isso, como diz um provérbio ídiche: “a verdade nunca morre, mas leva uma vida miserável.” Com efeito, em contraste com as verdades de razão, sua marca distintiva é a de que o seu oposto não é o erro, nem a ilusão, nem a opinião, mas sim a falsidade deliberada e a mentira. É o que insere no campo do possível as “fake news” – as notícias fraudulentas - e as narrativas de má fé que a era digital e suas plataformas magnificam numa escala sem precedentes, em um mundo de universos fugidios. A preservação da verdade do jornalismo como qualificada prosa de apreciação dos acontecimentos, levou Eugênio no seu livro acima mencionado a pertinentes reflexões de larga visada sobre os obstáculos que no seu âmbito enfrenta a verdade factual. Valeu-se, como cabe a um professor da ECA, dos conceitos próprios, arendtianamente diferenciados de informação e comunicação nas sociedades para substanciar caminhos éticos do jornalismo. Lidou com a realidade, que Heiddeger qualificou de resistenciabilidade. O seu propósito foi reconciliar informação e comunicação com a importância da verdade factual, que numa democracia é o chão no qual nos assentamos na dinâmica da vita activa. Há um potencial de densidade dramática no jornalismo destacado por Alceu: o de captar o SOS que as coisas, os seres, os acontecimentos lançam a cada momento. A densidade dramática da natureza deste SOS apontado por Alceu é uma marca dos artigos e dos livros de Eugênio Bucci. Todos têm o estilo próprio da qualidade de sua visão que se caracteriza por uma clareza que corresponde ao enunciado de Boileau: “Ce que l'on conçoit bien s’énonce clairement”. - V- O bem conceber das respostas a estes SOS apontado por Alceu Amoroso Lima está ligado em Eugênio ao papel dos intelectuais nas sociedades contemporâneas. Estas se caracterizam por sua complexidade, constante mudança, democratização impulsionada pelo grande número, globalização que internaliza o mundo na vida dos países e pela presença da mídia na avaliação dos acontecimentos. Esta moldura, como aponta Bobbio, suscita nos intelectuais numa dialética de complementariedade, tanto a formulação de diretrizes que apontam rumos para lidar com as incertezas da dinâmica das transformações, quanto o saber técnico, apto a prover conhecimentos-meio necessários para dar efetividade aos rumos e diretrizes. Eugênio tem o pleno domínio “de dentro” e não “de fora” do saber técnico dos meios da prática do jornalismo, fruto de sua experiência profissional de repórter, editor sênior e diretor de redação de importantes revistas, presidente da Radiobrás de 2003 a 2007, colunista regular de importantes jornais – entre eles O Estado de S. Paulo. Na condição de colunista desempenha, para recorrer à formulação de Raymond Aron, o papel de observador participante. É com base neste saber técnico das condições concretas do exercício da função que ele fundamenta os padrões éticos de liberdade do jornalismo independente, ciente que enfrenta múltiplas interdependências. Sublinha, diferenciando, a linha demarcatória que deve separar o ofício dos que informam a sociedade e as atividades daqueles que são pagos para defender os interesses dos seus clientes – as diversas modalidades de assessores de imprensa – cujos critérios de atuação no mundo da comunicação são de outra natureza. Discute, com o saber da experiência, como jornais diários, emissoras de rádio e TV, sites jornalísticos na internet, enfrentam ora mais, ora menos, o peso dos conflitos de interesse que circunscrevem a afirmação da verdade jornalística. Esclarece como os instrumentos de comunicação públicos de governo e de partidos são autocentrados e como no mito de Narciso, narrado nas Metamorfoses de Ovidio, cortejam a sua própria imagem e não a informação da cidadania. A experiência de bem conduzir a Radiobrás levou-o a discutir em profundidade o papel e as distorções das empresas públicas de comunicação em seu livro de 2015 O Estado de Narciso, a comunicação pública a serviço da vaidade particular. A relevância do papel dos intelectuais na elaboração da formulação de princípios diretivos para lidar com as incertezas das transformações é uma necessidade que surge das transformações da sociedade, provenientes da modernidade. Com efeito, as sociedades tradicionais não tinham a noção do risco que transita pelas ideias de probabilidade e incerteza, inerentes a sociedades voltadas para a aventura do futuro. Operavam na vida com as ideias de destino, acaso, sorte, vontade dos deuses que não se amoldam a ideias de risco como sublinha Anthony Giddens. É a noção de risco que levou ao seguro, ao planejamento das ações no processo decisório das empresas, à reflexão estratégica sobre guerra e paz, à avaliação das políticas públicas na gestão governamental. Giddens distingue conceitualmente o risco externo, que vem de fora e o risco manufaturado pela ação humana que caracteriza a contemporaneidade. Entre eles, o que incide sobre a natureza que compromete com dramática urgência o meio-ambiente e as condições da vida na terra. A irradiação dos riscos afeta a todos. É o caso das pandemias como a da COVID. Impacta, com a incerteza os caminhos da vida das pessoas. -VI- O risco tornou-se assim, à maneira de Ortega y Gasset, o tema do nosso tempo e da nossa circunstância. É este tema, diria para ir concluindo, que Eugênio enfrenta no seu livro de 2023: Incerteza, um ensaio – como pensamos a ideia que nos desorienta. (e orienta o mundo digital) que teve a sua origem nas discussões do Seminário da Feiticeira, que o nosso confrade Tercio Sampaio Ferraz Jr. tem promovido regularmente, como ele diria, com vocação zetética- filosófica de suscitar a abertura para a especulação sobre o que são e como estão as coisas. É o que explicita a dedicatória à Sônia e a Tercio, lembrando a ataraxia da Feiticeira. Eugênio inicia seu livro apontando que pode se chamar de informação aquele conjunto de dados que dotado de sentido, sendo decifrável, esclarece a incerteza e comporta o seu cálculo. O volume de informações que a escala crescente de processamento de dados que a era digital permite, oferece elementos para a mensuração do volume de incertezas, e assim, ampliar a avaliação das possibilidades e, destarte, ponderar os riscos. É algo que corresponde à realidade contemporânea na qual a incerteza cresce, pois a modernidade assinala-se por gerar incertezas. O incerto é o ponto de partida do jornalista que dele se abastece. A imprensa só existe nos ambientes que desconfia de certezas peremptórias. O seu método, observa Eugênio, pode ser interpretado como uma pauta de convivência pacífica com a ausência de certeza ao esmerar-se no garimpo dos fragmentos do acontecido. Como se vê, desta maneira Eugênio dá contornos adicionais ao seu jornalismo como qualificada prosa de acontecimentos. Este livro de Eugênio não foi elaborado para pacificar, mas sim para inquietar-nos com um SOS que o andamento das coisas suscita. Uma das inquietações que transmite é a de que a práxis democrática, ao tecer direitos e reduzir privilégios, conflui para o incremento da entropia que é uma medida de desorganização e relaciona-se com a incerteza crescente. Daí um dos grandes desafios contemporâneos da governança democrática, que é o de propiciar laços de confiança entre a população e o poder, de tal forma a ensejar o “common ground”, o terreno público e o privado no qual o interesse das pessoas se encontra e, em nome do qual um país cria um destino nacional, como esclareceu o Presidente Fernando Henrique Cardoso no seu luminoso livro de 2018 – Crise e reinvenção da Política no Brasil. A outra grande inquietação que transmite origina-se da urgência do presente, proveniente da direção política do avanço científico-tecnológico. Daí o paradoxo que explicita de uma nova relação certeza/incerteza. O arcabouço de informação proveniente do mundo digital propicia métricas que ajudam a ponderar riscos futuros. O centro nervoso do mundo digital é, no entanto, assimétrico. Está monopolizado pelos conglomerados tecnológicos – as big-techs – que atuam em escala mundial. Guardam nas suas paredes opacas os segredos dos códigos-fonte dos algoritmos e de seus softwares que não são transparentes. São eles que mandam na era digital. São a expressão de um poder privado monopolista destituído de normatividade pública. Como pontua Eugênio, os algoritmos reduzem as incertezas que perduram nos seres humanos que são seus objetos e não seus sujeitos. Paradoxalmente aumentam as incertezas do público que desconhece os desígnios que movem os algoritmos operados pelas big-techs. Trata-se assim de algo que lembra o conto de Jorge Luis Borges, “La loteria en Babilônia”. Foi o que ponderamos, Tercio e eu, ao refletirmos sobre o livro de Eugênio, instigado zeteticamente pelo Seminário da Feiticeira que o originou, lembrando analogias com a loteria de Borges: “que é uma intensificação do acaso”; “que elude toda a publicidade” na qual “o número de sorteios é infinito” e “nenhuma decisão é final, todas se ramificam em outras” e que não enseja “a investigação de suas leis labirínticas” e de “suas esferas giratórias”. Uma resposta a este SOS que a mensagem dos desafios da atualidade suscita são os cuidados que merecem. Entre eles avulta a importância do controle das externalidades e dos vazios informativos que as big-techs geram por meio de marcos regulatórios nacionais e internacionais. Estes marcos, pondera Eugênio, têm o imperativo que guarda semelhança com os esforços que vêm sendo empreendidos relacionados às mudanças climáticas e ao meio-ambiente em geral. É o que está na ordem do dia da pauta do relevante. Esta abrangente pauta o nosso novo acadêmico vem adensando com a densidade de seu percurso. É neste contexto que tenho satisfação de hoje comemorar a sua posse e presença entre nós na APL. voltar |
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