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DISCURSO DE POSSE DA ACADÊMICA ANGELITA GAMA
Acadêmico: Angelita Gama
Discurso da acadêmica Angelita Habr-Gama em sua posse solene na Academia Paulista de Letras, em 21/03/2024

Sr Presidente da Academia Paulista de Letras Antonio Penteado Mendonça
Sr. Secretário Geral da Academia Paulista de Letras José Renato Nalini
Sr. 1º Secretário da Academia Paulista de Letras Gabriel Chalita
Caros Acadêmicos Betty Milan, José Pastore, Ignácio de Loyola Brandão
Sra. Marília Marton – Titular da Pasta da Cultura do Estado de São Paulo
Prezados Acadêmicos
Senhoras e Senhores,
Neste momento, de emoção, que também é um momento de reflexão, quero externar meus profundos agradecimentos aos insignes membros da Academia Paulista de Letras, pelo honroso e significativo apoio e pela confiança do voto para ocupar a cadeira de número 15, deixada vaga após o desaparecimento do ilustre acadêmico José Gregori. No seu discurso de posse, José Gregori enfatizou: “Só quem luta muito sabe o valor da vitória e as sensações que dela advém: alegria, realização, júbilo. Júbilo é algo profundo que nos alegra por dentro, nos toma o coração e explode em um sorriso que não podemos controlar.” Hoje, este é o sorriso que trago em meus lábios, e que imagino, meu ilustre antecessor teria tido o gosto de compartilhar.
Como disseram os poetas Vinicius de Morais: “No calendário da vida, há datas que são lembradas, mas há momentos inesquecíveis”, e Rubem Alves: “Cada momento de beleza vivido e amado vale por uma eternidade!” Este é um dos momentos felizes em minha vida. Tantas e quantas vezes senti a satisfação de ter consciência de existir, de pensar, de agir e de intervir! Gosto da vida e a desfruto a cada momento. Mas este tem um prazer e sabor diferente e peculiar: a emoção e a alegria de poder usar da palavra para ressaltar a importância da centenária Academia Paulista de Letras, e da expressiva participação de todos seus membros. Esta é uma Casa do conhecimento e do saber. Congrega intelectuais brasileiros de reconhecida responsabilidade que buscam preservar nossa língua e nossas tradições literárias, onde o saber se renova dinamicamente e é difundido de maneira a torná-lo mais acessível à comunidade. É onde ideias e conhecimento das inovações são debatidos e respeitados sem conflitos. Que orgulho têm os paulistas desta Casa! Sou paraense, mas cresci em São Paulo. Sou paulista de coração e compartilho o mesmo sentimento de admiração.
Estudei somente em escolas públicas. O curso fundamental foi no grupo Escolar Marechal Floriano, e o secundário na Escola Caetano de Campos, onde, sob o olhar constante de seus mestres e particularmente de sua diretora, a respeitada Professora Carolina Ribeiro, aprendi, que uma parte das oportunidades na vida nos é oferecida gratuitamente, outra porém, e muito mais expressiva, depende de nós mesmos, de nossa responsabilidade, trabalho, respeito e compartilhamento. Segui minha caminhada no colégio Estadual Presidente Roosevelt e depois ingressei na tradicional Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Naquela época os estabelecimentos públicos de educação estavam entre os que ofereciam melhor ensinamento, fato que não é mais generalizado. Que deplorável involução!
No Hospital das Clínicas da FMUSP realizei a residência médica, especialização em cirurgia do aparelho digestivo e coloproctologia e onde iniciei minha atividade profissional, bem como no Hospital Alemão Oswaldo Cruz e Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Fui surpreendida recentemente com o inesperado e estimulante aceno feito pelo ilustre Acadêmico José Renato Nalini para apresentar-me e submeter-me ao voto soberano dos acadêmicos para candidatar-me a ocupar a cadeira de número 15 da Academia Paulista de Letras. O convite encheu-me de orgulho e felicidade! Confesso que minhas expectativas, tanto nas atividades docentes, profissionais, e de investigação cientifica não incluíam vir a pertencer a esta excelsa Casa que sempre admirei. O entusiasmo inicial impediu-me de apenas agradecer e declinar do convite de grande responsabilidade, e de imediato, aceitei o desafio. Uma nuvem de interrogação passou, porém, a seguir, deslizar em minha mente. Como poderia uma cirurgiã intensamente dedicada à profissão, ao estudo da Medicina e da Cirurgia, à pesquisa cientifica, compartilhar e colaborar à altura dos integrantes desta Casa?
Por ter passado grande parte do tempo estudando, lendo, escrevendo, pesquisando na área da Saúde, minhas publicações têm sido na sua maioria restritas a textos científicos. Cumpri com zelo meu ofício de médica, de cuidar e curar sempre que for possível, de conscientizar a população leiga sobre prevenção e tratamento precoce do câncer colorretal, o terceiro em frequência e o segundo em mortalidade em nosso país. Busquei atualizar-me na profissão e manter-me informada sobre as constantes inovações do conhecimento científico médico. Empenhei-me continuamente em transmitir aos mais jovens a experiência pessoal adquirida durante intensa atividade profissional. Considero importante ter colaborado significativamente na formação de incontáveis destacados profissionais que exercem a cirurgia com competência e dedicação em muitos centros de nosso meio, bem como em alguns outros países. Aprender e ensinar! Creio ser este meu legado e que poderá me sobreviver.
Ao repassar, entretanto a história de Academias de Letras, inteirei-me sobre tantos outros médicos que são lembrados também como escritores dentre eles, cito alguns: Lucas, o Evangelista, A. J. Cronin, Conan Doyle, Somerset Maugham, Egas Moniz, (ganhador do Prêmio Nobel da Medicina 1949), Júlio Dantas e Sigmund Freud, (ganhador do Prêmio Goethe de Literatura). A nossa própria Academia Paulista de Letras, foi fundada em 1909 por um médico forense, o ilustre Joaquim José de Carvalho, e manteve sempre número significante de médicos. Com estas considerações, entendi que deveria mesmo aceitar e continuar meu caminho, acolhendo a assertiva de Antonio Machado, poeta espanhol: “Caminhante não há caminho. O caminho se faz ao caminhar”, e me candidatei. Recebi o magnânimo voto e sem pressa chego à esta Casa com coração e mente abertos, pronta para saborear o bom convívio e as manifestações culturais e sociais promovidas pelos seus ilustres membros.
Dentre os 40 acadêmicos atuais dois são médicos: Raul Cutait e Raul Marino Júnior, e cinco são mulheres: Betty Milan, Maria Adelaide do Amaral, Ruth Rocha, Mary Del Priori e Djamila Ribeiro, as quais homenageio com particular admiração por suas respeitáveis trajetórias. Apesar de estarmos em pleno século XXI, o preconceito em relação ao gênero ainda persiste, embora arrefecido parcialmente face à inquestionável comprovação da capacitação e empoderamento feminino. Parece-me oportuno citar o eminente físico Albert Einstein, que assim se manifestou sobre o tema: “É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.”
A primeira acadêmica recebida pela Academia Paulista de Letras foi Maria de Lourdes Teixeira, romancista, poeta, cronista e ensaísta, que pregava o culto aos antepassados e proclamava: “Não deixemos morrer os nossos mortos!” Para ela os falecidos só desapareciam, de fato, quando deixavam de habitar a memória dos sobreviventes. A respeito desta afirmação o acadêmico Nalini assim se expressou: “A única imortalidade de uma Academia é a memória dos que partiram na consciência dos que vivem.” Reverenciar os antecessores faz parte da Filosofia da Academia Paulista de Letras. Seus estatutos recomendam que, a alocução de posse do novo acadêmico, deverá conter uma celebração ao patrono, ao fundador e aos antecessores da cadeira que irá ocupar.
A cadeira de número 15 tem como patrono Luiz Gonzaga Pinto Gama, Alberto Faria, como fundador e como antecessores, Sud Mennucci, Américo Brasiliense, Antunes de Moura, Ernesto Moraes Leme, Paulo Pereira dos Reis, José Altino Machado e José Gregori, todos com o mesmo elevado interesse de lutar para o bem da comunidade brasileira, como amplamente se comprova na leitura de seus dados biográficos. Destacarei apenas parcelas extraídas de seus currículos. Serei breve como alerta o filósofo Voltaire: “O segredo de entediar é falar tudo.”

LUIS GONZAGA PINTO DA GAMA – O Patrono, nasceu em Salvador e veio para São Paulo onde viveu 42 anos. Foi advogado, abolicionista, orador, jornalista, escritor e Patrono da Abolição da Escravidão no Brasil. Sua concepção foi de que a vida é para se viver em liberdade e que seu pleno gozo não ocorre em condição de submissão e muito menos de escravidão. Fazia questão de demonstrar, através de seu exemplo e de suas obras, a falácia das crenças pseudocientíficas em voga numa sociedade escravocrata convencida da incapacidade intelectual e inferioridade dos africanos e seus descendentes, base da ideologia racista, que ainda infelizmente está presente em nosso país e inclusive com outras facetas de preconceito, por diferenças religiosa, política, cultural e condição econômica.
ALBERTO FARIA – O Fundador – Nasceu no Rio de Janeiro. Foi jornalista, professor de Literatura, filólogo, folclorista e historiador, e já aos 12 anos manifestava vocação literária, quando passou a redigir o jornalzinho "O Arauto" e aos 14 anos em São Carlos, fundava outro pequeno jornal, "A Alvorada”. Estudou direito na Faculdade do Largo São Francisco em São Paulo. Era polêmico, filiado às ideias republicanas e abolicionista como José do Patrocínio seu contemporâneo. Suas críticas contundentes na análise de trabalhos escritos por autores consagrados, foram sempre criteriosas e imparciais. Entre suas publicações destacam-se: “Política Fluminense; Biografia do Visconde de Mauá; “Aérides”, “Acendalhas”, além de numerosos textos em revistas e jornais”.
SUD MENNUCCI nasceu em Piracicaba. Foi educador, sociólogo, jornalista e escritor. Foi um constante defensor dos direitos dos professores e da melhoria da qualidade do ensino no país. Liderou o recenseamento escolar em São Paulo a partir do qual, localizou os núcleos de analfabetismo no Estado. Dividiu o território Paulista em quinze Delegacias Regionais de Ensino. Foi Diretor de Ensino de São Paulo. À convite de Julio de Mesquita, trabalhou na redação do jornal O Estado de São Paulo. Destacou-se na direção do Centro do Professorado Paulista e publicou vários livros, sendo o de grande destaque: “A Crise Brasileira da Educação”, obra que foi premiada pela Academia Brasileira de Letras.
AMÉRICO BRASILIENSE ANTUNES DE MOURA nasceu em Santa Bárbara do Oeste, em São Paulo e formou-se na Faculdade de Direito de São Paulo. Foi membro da Sociedade Paulista de Escritores e da Sociedade Paulista de Filologia. Foi vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, em cuja revista publicou a maior parte de seus trabalhos. De seus textos destinados a registrar dados históricos, destacam-se: "A família Antunes Maciel", "Povoadores do Campo de Piratininga", "O governo do Morgado de Mateus".
PAULO PEREIRA DOS REIS nasceu na cidade de Piquete, em São Paulo e estudou em Lorena, onde se formou professor normalista. Foi administrador de empresas e bacharel em ciências jurídicas e sociais. Foi professor no ensino de nível secundário, de História Geral e do Brasil, de Sociologia e professor universitário de História e Economia Política. Foi Procurador e Superintendente da Caixa Econômica do Estado de São Paulo, Titular da Academia Cristã de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e presidente do Conselho Estadual de Cultura do Estado de São Paulo, da Academia Paulista de História e do Instituto de Estudos Vale-Paraibanos. Publicou numerosos estudos sobre administração, destacando-se "Caixa Econômica do Estado de São Paulo-histórico, finalidades, funções sociais" e "A Caixa Econômica do Estado de São Paulo: uma visão da sua organização e de seus problemas".
ERNESTO DE MORAES LEME nasceu em Bragança, em São Paulo e diplomou-se na Faculdade de Direito de São Paulo, na qual foi Professor Catedrático e Professor Emérito. Foi Professor Honorário em Lima. Recebeu o título de “Doutor Honoris Causa”, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Participou da Assembleia Constituinte e Legislativa de São Paulo. Foi Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da Universidade de São Paulo e Secretário da Justiça do Governo de São Paulo. Foi Reitor da Universidade de São Paulo.
Destacou-se como delegado permanente do Brasil nas Nações Unidas na categoria de Embaixador e como Presidente da Comissão de Desarmamento.
Publicou poesias, conferências, artigos, pareceres e livros de Direito além de diversos textos, um dos quais: "No limiar da Academia Paulista de Letras", em colaboração com Ernesto de Souza Campos.
JOSÉ ALTINO MACHADO nasceu em Taubaté em São Paulo e formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. No governo Jânio Quadros, foi Governador do antigo Território do Acre até a renúncia daquele Presidente. Na Câmara Federal integrou a Comissão de Constituição e Justiça e Comissão de Relações Exteriores. Foi Procurador Geral da Fazenda do Estado de São Paulo. Participou do Tribunal de Contas do Município de São Paulo e exerceu o cargo de Secretário dos Negócios Jurídicos da Prefeitura do Município de São Paulo.
Publicou quatro livros de contos: "A Figura Refletida" e "A Outra Gessy", "A Primeira Vez" e "Um Rosto na janela".
JOSÉ GREGORI, nasceu em São Paulo. Diplomou-se pela Faculdade de Direito da USP. Caracterizou-se como grande defensor dos direitos humanos. Foi Professor de Direito Civil, de Introdução à Ciência do Direito, de Ética e Sociologia Jurídica na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Foi Deputado por São Paulo, Secretário Nacional de Direitos Humanos, Ministro da Justiça e Embaixador do Brasil em Portugal.
Recebeu inúmeras condecorações entre quais: Ordem do Mérito Nacional do Governo da França no Grau de Comendador; Ordem do Rio Branco; Grau de Comendador; Medalha da Inconfidência no governo de Eduardo Azeredo; Ordem do Ipiranga concedida pelo governo de São Paulo. Recebeu vários prêmios dentre os quais: Prêmio das Nações Unidas para área de Direitos Humanos; Prêmio USP de Direitos Humanos concedido pela Reitoria da USP. O Governo do Estado de Pernambuco criou o prêmio com nome de “José Gregori" concedido aos que se destacam em Direitos Humanos daquele Estado.

Caros Amigos - Este é o momento de agradecer o incentivo ao meu ingresso nesta Casa e a elegância e generosidade da saudação com que fui recebida nesta sessão de posse pelo acadêmico José Renato Nalini, Professor Universitário, Escritor e notável Educador. Suas eloquentes palavras sobre minha pessoa e trajetória constituíram-se em motivo de orgulho e de minha intensa emoção. Enfatizo e agradeço o apoio recebido ao longo do caminho percorrido, oferecido pelos meus mestres, colegas, colaboradores, amigos e familiares, e em especial o reconhecimento a Joaquim José Gama Rodrigues, marido, colega e colaborador de todos os momentos. Os longos caminhos se tornam mais amenos quando amigos nos acompanham.
Como membro da Academia Paulista de Letras procurarei contribuir na difusão do saber, estimular o amor aos livros em benefício da liberdade intelectual do ser humano. Não pouparei esforços. Temos que fazer o que devemos e o que podemos. Compartilho do pensamento de João Guimarães Rosa: “Cada homem tem seu lugar no mundo e no tempo que lhe é concedido. Sua tarefa nunca é maior que sua capacidade para poder cumpri-la”.
Agradeço a solidariedade dos que aqui vieram.

Angelita Habr-Gama




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