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DISCURSO DE RECEPÇÃO A MARY DEL PRIORE, PELA ACADÊMICA MARIA ADELAIDE AMARAL
Acadêmico: Mary del Priore
Em tudo o que faz, Mary Del Priore conjuga refinamento e simplicidade e alia o saber a uma grande sensibilidade.

Hoje é uma noite de festa para a Academia Paulista de Letras. Temos a honra de receber Mary Del Priore, autora de mais de 50 livros sobre História do Brasil que já arrebatou mais de vinte prêmios literários nacionais e internacionais, entre eles quatro Jabutis.

É um privilégio e uma alegria acolher na Cadeira 39 essa grande mulher que vem se entregando há anos à missão de despertar o amor dos brasileiros pela sua maltratada e desprezada História Pátria.

Mary Lucy Murray del Priore nasceu no Rio de Janeiro e viveu a infância em meio aos livros da biblioteca de sua casa. Ali, passava horas e horas se deliciando com livros de aventuras e de viagens e se tornaria uma leitora voraz pelo resto da vida. Segundo suas palavras, mais do que uma fonte de prazer, a biblioteca era seu refúgio contra a frivolidade. Mary lia compulsivamente para escapar do destino que se esperava das moças de sua classe social. Estamos falando de um tempo em que mal as meninas nasciam, a família já iniciava seu enxoval de casamento. Até meados dos anos sessenta, uma jovem de classe média raramente chegava à Universidade e o trabalho feminino era motivo de escândalo e vergonha familiar. (Menos nas classes subalternas, é claro!). Estamos falando da época em que vida de uma mulher era previamente demarcada e a suprema realização era o matrimônio e a maternidade.

Como todas as moças, Mary queria ter uma família, mas era inquieta demais para se conformar ao destino esperado. Adolescente, ela já se destacava como brilhante aluna de História no Colégio Nôtre Dame de Sion e depois no Institut Le Mesnil, em Montreux, na Suíça. A faculdade viria depois de se casar e ser mãe de Pedro Augusto, Paulo Fernando e Isabel.

“Comecei a estudar junto com meus filhos: eles, na escola maternal e eu, na PUC de São Paulo. Deixando para trás fraldas e mamadeiras, e com a relativa dose de maturidade que se costuma adquirir aos trinta anos, determinei o que “desejava fazer”: estudar história.”

E levou tão a sério essa determinação que se tornou doutora pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, pós-doutora pela École des Hautes Études em Sciences Sociales de Paris. Seus passos seguintes seriam a docência da USP e da PUC do Rio de Janeiro, além de lecionar no curso de pós-graduação em História da Universidade Salgado de Oliveira. Durante cinco anos, animou o programa Rios de História na rádio CBN e por dez anos escreveu para o Caderno Feminino de O Estado de São Paulo. E segue colaborando com jornais e revistas nacionais e estrangeiros, acadêmicos ou não.

Mary Del Priore é sócia titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, acadêmica correspondente da Academia Nacional de História da Argentina, Colômbia, Espanha e Portugal. Além de membro da Comissão Científica Internacional da Cátedra Infante Dom Henrique para Estudos Insulares Atlânticos e Globalização sediada na Universidade Aberta de Lisboa.

Poderia continuar enumerando as instituições das quais Mary Del Priore faz parte, mas considero um dos seus maiores feitos a coragem de deixar a livre docência na USP para abrir a milhares de leitores o acesso democrático à História do Brasil.

Ao longo da sua fecunda trajetória, ela trouxe à luz temas e assuntos pouco estudados: a História da Mulher, da família e da criança. História da sexualidade brasileira, da vida privada, do consumo e das transformações da intimidade. Biografias de pessoas notáveis condenadas à penumbra da História, que ela resgatou do esquecimento. Como a de Francisco Gomes Brandão, conhecido como Montezuma, o primeiro diplomata negro do Brasil. Ou Francisco de Sales Torres Homem, médico, advogado e jornalista, filho de uma quitandeira alforriada e um padre de vida airada. A vida de Nísia Floresta, nossa primeira feminista, autora de Direitos da Mulher e Injustiça dos homens, publicado em 1936.
Ou Antonieta de Barros, professora, jornalista e a primeira deputada negra do Brasil. Vidas de mulheres pretas e brancas, livres e escravizadas que obstinadamente abriram seu caminho apesar das imensas adversidades.

À medida que Mary ia iluminando zonas até então obscuras da História, o número de seus leitores só aumentava. Como era possível ser tão rigorosa e tão acessível? Como era possível História das Mulheres no Brasil e A família no Brasil Colonial vender tantos exemplares?

Sua pedra de toque é a linguagem democrática e a forma sedutora de narrar. Os leitores mal se dão conta do esforço que o livro demandou, dos meses de pesquisa nos arquivos, da miríade de documentos consultados, da sua paciência infinita com a burocracia oficial. Por sorte, Mary Del Priore é paciente e sabe que os documentos são a carne, o sangue e o fundamento do seu trabalho. Como ela costuma dizer, ao abrir um documento, “é como se as vozes dos mortos clamassem para serem escutadas”.

Qualquer assunto merece sua atenção e é rigorosamente pesquisado e esmiuçado, seja o cotidiano das prostitutas ou da família Imperial. Qualquer poeira de informação é uma pista capaz de reconstruir trajetos inimagináveis. Ao iluminar o transitório, Mary Del Priore aumenta o foco da lente e amplia o acontecimento estudado.

Frequentemente, o jogo de pistas aproxima seu texto do gênero policial. Mas, como ela mesma afirma no prefácio de O Mal da Terra, “o passado é um enigma, a história uma investigação e seu detalhamento é como a resolução de um mistério”. Desvelar e revelar temas e personagens é o ofício e a missão de Mary Del Priore. Sua paixão pela descoberta perpassa cada página, contagia os leitores e de maneira encantadora e os aproxima de seu passado. Sim, o Brasil tem uma História e na voz e nos livros de Mary Del Priore ela é sempre apaixonante.

Antes de escrever esta apresentação perguntei-lhe do que mais gostava. “De lua cheia”, ela respondeu. “O galope das nuvens pejadas antes das tempestades. Do cheiro de terra molhada depois da chuva e o balé das tartarugas no mar. Livros sempre. Percorrer suas páginas, aspirá-las, viajar nas emoções e memórias antigas que os sentidos evocam. Gosto do roseiral que plantei e dá rosas em cachos. Dos pratos de cozimento lento que enchem de perfume a casa. E sobretudo, de conversar à mesa com Charles e meus filhos. Conversas intermináveis. Baú de lembranças da infância deles e histórias para rir de chorar”.

Em tudo o que faz, Mary Del Priore conjuga refinamento e simplicidade e alia o saber a uma grande sensibilidade.

Com toda justiça, em 2021 Mary Del Priore foi eleita pela opinião pública, através da revista “Aventuras na História”, a “Melhor historiadora do Brasil” e “Escritora de Destaque”.

Seja bem-vinda a esta Casa, Mary Del Priore!




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