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DISCURSO DE RECEPÇÃO A MICHEL TEMER, PELO ACADÊMICO CELSO LAFER
Acadêmico: Academia
A temperança aguçou a percepção de Michel Temer das características dos eventos, dos fatos e das pessoas e da complexidade da vida política.

Saudação a Michel Temer – Discurso de recepção por ocasião de sua posse em 26 de maio 2022 na Academia Paulista de Letras

Celso Lafer

-I-

Caro Amigo e Confrade Michel Temer

Quero iniciar as minhas palavras de saudação – neste momento de sua posse na cadeira 20 da Academia Paulista de Letras, na sucessão de nossa prezada Renata Pallottini – destacando o mundo comum de nossa formação: a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Nas suas Arcadas, desde o século XIX, teve início o que veio a ser a aura fundacional de uma tradição em cuja trama se mesclaram o direito, as letras, a filosofia, a política.

Nas Arcadas, na década de 1960, numa época de grandes turbulências políticas que acabaram levando a grande noite autoritária, estudamos e nos formamos. Fomos colegas e nos tornamos amigos. Sentimos o sopro inspirador de sua tradição que nos impactou e nos identificou, como a inúmeras gerações dos egressos da nossa Casa, que se destacaram nos abrangentes campos da cultura e da vida pública nacional.

A Faculdade foi para nós, como para tantos que nos antecederam e sucederam, ao mesmo tempo uma escola de cidadania e uma instigação ao conhecimento. Foi o seu princípio e marcou o seu percurso.

T. S. Eliot inicia East Coker dos seus Four Quarters com “In my beginning is my end”
A Faculdade como o seu começo configurou as duas vertentes, que numa dialética de complementariedade, definiram o seu caminho: a da vocação política iniciada nas atividades do C.A. XI de Agosto e a de estudioso de Direito Constitucional.

Quem se dedica ao Direito, como é o seu caso, na perspectiva do Direito Público, naturalmente se volta para a importância do Estado como instituição e por via de consequência para o conjunto de normas que configuram a dinâmica do seu funcionamento na complexidade do mundo contemporâneo.

O Direito Constitucional, o campo de seu estudo e o do seu longo e dedicado magistério na Faculdade de Direito da PUC-SP, é a expressão, como ensina Bobbio, do primado do governo das leis em detrimento do governo dos homens. O constitucionalismo moderno é uma escolha axiológica perante esta clássica dicotomia da teoria política. Isto se traduz na legitimidade e na validade de um estado de direito que propicia o que Miguel Reale – ilustre e eminente integrante da APL - qualifica como a jurisfação do poder, vale dizer, a juridicidade progressiva de que se reveste o exercício do poder numa democracia regida pelas normas da sua Constituição.

O seu Elementos do Direito Constitucional, publicado pela Malheiros Editores, ora na 24ª edição revista e atualizada, é fruto da sua reflexão e do seu magistério. Oferece um mapa do conhecimento do território do Direito Constitucional elaborado com clareza e precisão. Nele se analisa a relevância dos grandes temas do Direito Constitucional. Foi de grande valia para as gerações de seus alunos. Propiciou, no diálogo pensamento/ação a moldura para a pauta de sua conduta de homem público pois a Constituição diz por meio de suas normas o que a governança de um Estado e os seus responsáveis no âmbito dos poderes podem, devem ou não fazer e quais órgãos e instâncias têm as competências para conduzir as múltiplas ações do Estado.

Nesta linha da interação estudo e atuação, quero destacar uma passagem de recordação do seu livro A Escolha (p. 71-73). Nas aulas de Teoria Geral do Estado, do prof. Ataliba Nogueira – que foi ilustre membro da APL e de quem também fui aluno – marcaram-no o relato que fazia de sua experiência da Constituinte em 1946. Daí o significado especial para o estudioso de Direito Constitucional que examinou em Elementos o Poder Constituinte a oportunidade de participar, da Constituinte que elaborou a Constituição de 1988 – a Constituição Cidadã da redemocratização do Brasil e a que instaurou a plenitude do governo das leis.

A experiência da Constituinte foi a largada de sua vida pública, como deputado federal de muitos mandatos, a de líder de seu partido, o PMDB na Câmara Federal, e o grande feito de engenharia política de ter sido três vezes Presidente da Câmara dos Deputados.

A experiência de constituinte deu-lhe o ensejo na interação com deputados e senadores de várias regiões do país, de conhecer e ter a apreciação da dimensão do Brasil e de suas complexidades, e assim ir além da especificidade da vivência paulista (A Escolha, p. 71). Permitiu a sua participação no desafiante processo de elaboração de normas constitucionais. Adensou a sua responsabilidade de legislador na prática da criação da lei e de suas espécies normativas, matéria tratada com precisão jurídica nos seus Elementos.

A sua eleição para a constituinte deve-se ao apoio do notável homem público que foi Franco Montoro, que entendeu que cabia a presença de um constitucionalista nos seus trabalhos.

Franco Montoro foi o patrono do seu ingresso na vida pública, que apreciou as suas qualidades no convívio acadêmico compartilhado na Faculdade de Direito da PUC-SP. Nosso Confrade participou da campanha de Franco Montoro para governador, que, eleito, o chamou para ser Procurador-Geral do Estado. Foi Montoro que, mais adiante, o convocou para ser o Secretário de Segurança Pública, área com a qual não tinha a experiência de penalista nem prévios conhecimentos de segurança pública. Atravessou o seu Rubicão ao aceitar o desafio de deixar o conforto da área jurídica de Procurador-Geral do Estado e assumir, num momento delicado, a Secretaria de Segurança Pública, na qual permaneceu por quase três anos (A Escolha, p. 18-19-20). A Michel Temer se deve, como Secretário de Segurança, a iniciativa e a implantação das delegacias de defesa da mulher, expressão de uma sensibilidade em relação à prática da violência contra a mulher e a importância de uma tutela dos seus direitos (A Escolha, pp. 49-50).

Integrou deste modo a abrangente política de promoção e defesa dos direitos humanos, que foi uma das meritórias características do governo Montoro e de seus colaboradores. Noto que, coerentemente, a preocupação com os direitos humanos também foi um traço da diplomacia da presidência Temer. A isto voltarei mais adiante.

Graças ao governador Montoro, nosso Confrade Michel Temer começou efetivamente a participar da vida pública. Cabe destacar que o governador Montoro, com seu não sectarismo, a sua abertura à cooperação e ao diálogo, a sua capacidade de agregar talentos - que eram traços característicos de sua democrática personalidade - fez de seu governo em São Paulo uma grande escola de formação de quadros e de lideranças. O Confrade Michel Temer provém desta escola que renovou na sua diversidade e pluralismo as lideranças do Brasil redemocratizado. No seu âmbito o Confrade Michel Temer se destacou, como mencionei, e alcançou a Presidência da República.

-II-

O Primeiro Ministro Britânico Harold MacMillan, indagado por um jornalista sobre o que era mais importante na política, respondeu: “events”, acontecimentos. Nos acontecimentos existe espaço para a fecundidade do inesperado a que fez referência Proudhon, citado por Hannah Arendt em seu Crises da República. O eminente senador Paulo Brossard, prócer histórico do PMDB e grande voz da oposição ao regime militar na luta pela redemocratização, lembrou-me, mais de uma vez, passagem de Esaú e Jacó de Machado de Assis. Nela está dito: ”O imprevisto é uma espécie de deus avulso.... que pode ter voto decisivo na assembléia dos acontecimentos”.

Foi o imprevisto da assembleia dos acontecimentos do nosso país que, em obediência às normas da Constituição (art. 79), levaram Michel Temer a assumir a Presidência da República.
Faço um parênteses para observar que, no âmbito da memória da APL, Michel Temer é o segundo Presidente da República a integrar a nossa Casa. O primeiro foi Washington Luis que também proveio na época da Primeira República da tradição do Largo São Francisco.
Washigton Luis foi eleito na sucessão de Mario de Andrade, em 1945, por unanimidade, inclusive com o voto dos seus adversários políticos nos estertores do regime de Getúlio Vargas, e ainda padecendo as agruras do longo exílio a que a Revolução de 1930 o impeliu. Sua eleição foi ao mesmo tempo acolhimento e reparação e um reconhecimento das suas virtudes cívicas republicanas e dos seus méritos de historiador. É o que relata o nosso saudoso Confrade Celio Debes na sua exaustivamente documentada e admirável biografia de Washington Luis, cujo primeiro volume de 1994 contou na sua publicação com o respaldo do então deputado Michel Temer.

-III-

A Presidência da República foi o cume da carreira política de Michel Temer. No exercício de suas responsabilidades no vértice do poder no Brasil, teve que lidar com os desafios de enfrentar problemas muito mais complexos dos que os que anteriormente tinha dirimido na sua vida pública. Cabe assim tratar desta etapa da sua vida que farei, valendo-me como ponto de partida do seu livro A Escolha – um livro que está em sintonia, para lembrar lições do caro mestre Miguel Reale, com o poder-dever de comunicar e transmitir pela palavra o conhecimento que provém do valor epistemológico da experiência, do que ocorreu na intersubjetividade do mundo.

A Escolha é um conjunto de diálogos/entrevistas que nosso confrade Michel Temer concedeu a Denis Rosenfield que nelas procedeu como qualificado interlocutor de cariz universitário. Dadas no calor da hora do exercício da presidência, resultou num livro publicado em 2020 pela Noeses e subdividido em 8 capítulos.
“Governar é escolher”, afirmou o estadista francês Pierre-Mendès France. Nesta linha, A Escolha naturalmente tem como foco a discussão e a análise dos rumos que imprimiu ao nosso país, sem deixar de lado as dificuldades que enfrentou para levar adiante uma agenda para o Brasil, em circunstâncias adversas, tanto políticas quanto econômicas. Neste sentido, é um texto que alarga o conhecimento, a partir de uma perspectiva de “dentro”, do processo decisório presidencial no Brasil contemporâneo.

O contexto das entrevistas de A Escolha é, muito mais abrangente do que o do de um documento relevante para os estudiosos de seu período presidencial e do funcionamento do Poder Executivo. Tem o feitio de uma narrativa organizadora da memória de seu percurso, o que lhe dá um sabor próprio.

A Escolha elucida a forma mentis de Michel Temer, que tem como substrato o repertório de sua experiência - do que testou e pôs à prova – no seu percurso. Deste repertório se valeu para desincumbir-se das funções e responsabilidades nos dois anos e sete meses em que, pelo jogo da virtu e da fortuna, foi o Presidente da República.

Em A Escolha, Michel Temer sublinha a importância que atribui à temperança, como uma característica que pautou as múltiplas dimensões da sua vida (p. 16) Ela é com efeito, como o livro revela, um elemento singularizador de sua identidade política e da sua persona, que vou destacar, pois oferece um importante fio da meada de sua trajetória de homem público e de Presidente da República.

A temperança, como ensina São Tomás, na Suma Teológica, é uma singular virtude. Contém os atos contrários à razão. Propicia o domínio da razão firme e moderada. Dá a medida das coisas que cerceia os extremos. Freia os vícios que ultrapassam a medida humana.

A temperança não visa superar nossos limites, mas respeitá-los e situa-se no âmbito do bom senso, como pontua Comte-Sponville no seu Pequeno Tratado das Grandes Virtudes. O bom senso interligado ao sensus communis, é um sexto sentido que unifica os demais na intersubjetividade do mundo. ÉA temperança aguçou a percepção de Michel Temer das características dos eventos, dos fatos e das pessoas e da complexidade da vida política. um fio terra com a realidade.

A temperança aguçou a percepção de Michel Temer das características dos eventos, dos fatos e das pessoas e da complexidade da vida política.

Norteou a maneira de como atuou na sua longa vida parlamentar. A temperança explica a sua disponibilidade para ouvir os outros com respeito. Não é por acaso que assinala que foi algo que, como deputado de primeiro mandato, aprendeu a apreciar em Sarney, que era então o Presidente (A Escolha, p. 87).
A temperança é um dos ingredientes de seu bem sucedido exercício das “artes da política” e da sua habilidade, na presidência. Alicerçado na prévia experiência de parlamentar e de presidente de um grande partido soube, na chefia do Executivo, interagir e compor com o Congresso Nacional e seus integrantes, compartilhando os temas da sua agenda para o país. (A Escolha, pp. 145-146).

Esta agenda não foi uma improvisação. Política, como apontou Ortega Y Gasset no seu ensaio sobre Mirabeau, “é ter uma ideia clara do que se deve fazer a partir do Estado em uma Nação.” Esta ideia clara assinalou o sentido de direção de Michel Temer na presidência. Lastreou-se, com os ajustes necessários a sua circunstância presidencial, em preceitos e diretrizes de uma Ponte para o Futuro, documento que tinha sido preparado pela Fundação Ulysses Guimarães do PMDB, na época em que era o presidente do partido. (A Escolha, p. 17).

Temperança e rumo no exercício das “artes da política” asseguraram a Michel Temer a governabilidade de sua presidência.

A temperança, para continuar com as lições de São Tomás, busca o decoro que é a compostura no modo de se apresentar e de se comportar. Ela é um requisito para o exercício da função pública, em especial do Presidente, que deve proceder de modo compatível com a dignidade de seu cargo (ver Lei nº 1071 de 10 de abril de 1950, art. 9-7). O homem público deve ser um exemplo para o cidadão, diz Michel Temer (A Escolha, p. 58), e daí provém o sentido da exigência do decoro.

O decoro caracterizou Michel Temer no exercício da Presidência, inclusive na linguagem, fruto de sua apreciação pela palavra e do seu gosto pelas letras, a de um ouvido desde jovem apurado pela língua portuguesa, como relata em A Escolha, p. 9.

Noto que na análise das personalidades brasileiras com as quais conviveu tem palavras de muito apreço por Marco Maciel. Destaca sua admiração pelo intelectual da área do Direito Público, e registra seus numerosos contatos para tratar do encaminhamento de projetos de interesse do lúcido governo FHC, de quem foi o vice-presidente. Aliás, são incontáveis nesta linha as referências a Michel Temer nos quatro volumes dos Diários da Presidência de Fernando Henrique Cardoso, com o qual colaborou na condição de líder do PMDB e Presidente da Câmara dos Deputados, apontando que FHC foi muito atento às suas relações com o Congresso. Subjaz a apreciação de Marco Maciel, o decoro da sua conduta, que dele fez uma figura que honra a vida pública brasileira. (A Escolha, p. 88. P.93).

Comte-Sponville, na sua reflexão sobre a temperança, aponta que ela tem a dimensão de autocontrole e cita no início de suas considerações uma passagem da Parte IV da Ética de Spinoza, que trata da servidão humana. Desta passagem destaco: “ninguém toma por virtude nossas lágrimas, nossos soluços, nosso temor...”.

O autocontrole da temperança singularizou Michel Temer no exercício da Presidência, na lida com o quotidiano dos desafios e vicissitudes que enfrentou. Revelou o sentimento de suas próprias forças que é, como Montesquieu definiu, a coragem. Ela esteve presente inclusive perante as armadilhas alimentadas pelas “baixas paixões” da, como diria Bobbio, “rozza matéria” - da matéria bruta - da política. Foram relatadas com firmeza e sobriedade em A Escolha. São exemplos de distorções de má-fé que ecoam o alcance dos versos de Cecilia Meirelles no Romanceiro da Inconfidência: “Como as palavras se torcem / conforme o interesse e o tempo!”, ou como diria com mais contundência um provérbio português: ”Não há montanha sem nevoeiro, nem mérito sem calúnia.”

-IV-

São significativos os méritos da presidência Temer alcançados na plenitude, sem vacilações, da democracia de um estado de direito. Logrou resultados positivos para o país, tendo partido de um legado de equívocos e imperfeições e enfrentado muitas hostilidades. Com sentido de direção pela ação transparente e reformista do seu governo, alcançou, inter alia, a queda da inflação, a redução dos juros, a recuperação do PIB que estava negativo, a reconquista das condições de emprego, a retomada da responsabilidade fiscal com o teto dos gastos, a moldura balizadora da profissionalização das estatais, a modernização trabalhista, a reforma do ensino médio, além de medidas ampliadoras dos gastos sociais (A Escolha, pp. 204-205). No período de uma curta e densa presidência propiciou condições para ampliar o poder de controle da sociedade brasileira sobre os seus rumos.

Não vou me deter sobre o elenco destas realizações. Quero concluir, como seria natural para um estudioso das relações internacionais sobre as suas positivas contribuições para a política externa brasileira.

Cabe registrar que a definição das diretrizes da política externa é uma atribuição constitucional do Presidente da República (C.F., art. 84). Ele exerce esta responsabilidade com base na sua sensibilidade, experiência e conhecimento, como posso testemunhar tendo sido Ministro das Relações Exteriores de dois presidentes de distintas personalidades e visões.
Michel Temer exerceu esta responsabilidade com temperança e decoro, levando em conta o seu prévio interesse pela matéria e muito atento, como constitucionalista, aos princípios que regem as relações internacionais do Brasil contempladas na Constituição de 1989 (art.4), de cuja elaboração participou.

O Presidente da República conta, na condução de sua ação diplomática com a colaboração de seu chanceler (C.F. 84-II; art. 87) Michel Temer contou com a colaboração de dois eminentes chanceleres: José Serra e Aloysio Nunes Ferreira, ilustres e conhecidos homens públicos, experientes parlamentares com prévias relevantes passagens no poder executivo que agregaram na chefia do Itamaraty o conhecimento do interno da vida brasileira e a percepção do externo do mundo em que estamos inseridos.

Muitas passagens de A Escolha referem-se à política externa, as suas viagens internacionais e às personalidades da vida mundial com as quais interagiu. No entanto, uma avaliação mais precisa dos rumos que imprimiu às relações internacionais do Brasil se encontra no seu O Brasil no mundo: abertura e responsabilidade: escritos de diplomacia presidencial (2016-2018), publicado pela FUNAG em 2018.

O livro reúne os seus discursos, antecedidos por pequenas notas, que dão o contexto em que foram pronunciados. Distribuem-se em seis capítulos organizados para explicitar sua perspectiva sobre os múltiplos temas da circunferência da política externa que conduziu.

Os capítulos se desdobram: (i) no enunciado dos interesses e valores da política externa brasileira; (ii) no trato da América do Sul que é o nosso entorno geográfico e ortegueanamente o “eu “ da nossa circunstância diplomática; (iii) do universalismo do nosso lugar no mundo; (iv) da relação entre o interno e o externo, vinculado ao empenho na obtenção de credibilidade internacional à luz da sua agenda para o Brasil; (v) dos direitos humanos e da sua prevalência na órbita internacional na linha dos princípios constitucionais estipulados na Constituição de 1988; (vi) e da agenda ambiental e do desenvolvimento sustentável no qual se imbricam o interno e o externo das ações e o locus standi do Brasil neste campo das relações internacionais. Teve como horizonte o disposto no artigo 225 da C.F.

O papel da diplomacia é em boa medida o papel da palavra, e a palavra diplomática do Presidente tem o relevo hierárquico proveniente do exercício de três altas funções da representação que cabem ao Chefe de Estado. A representação simbólica, vale dizer, o que um país significa para os demais; a representação política, que diz respeito à formulação e à articulação dos valores e interesses, e a representação jurídica, que fundamenta o poder de negociar e assumir compromissos.

A palavra presidencial de Michel Temer cumpriu com qualidade estas três funções de representação do país, no exercício de um “ativismo lúcido” (O Brasil no Mundo, p. 41) permeado por temperança. Os seus discursos, na sua objetividade e nos quais não falta um toque pessoal, cumpriu distintos objetivos à luz dos temas tratados nos seis capítulos de seu livro.
Há os de natureza estratégica que traçam as linhas gerais da política externa, há os de natureza conceitual, que estabelecem o quadro geral dos problemas e definem a agenda; há os de ordem tática que discutem temas específicos que estão na ordem do dia, há os de feitio administrativo que estipulam diretrizes para o aparato estatal, dirimindo e arbitrando conflitos internos.

A leitura dos seus discursos documenta como conduziu um reposicionamento reequilibrador da diplomacia brasileira. Assim como desatou nós no plano interno (O Brasil no Mundo, p. 238), assim também desatou os nós de prévios equívocos e imperfeições de nosso passado recente que pesavam sobre a política externa brasileira. Ciente da escala continental de nosso país e do seu potencial, e do dado de nossa diversidade, que é uma soma de etnias, culturas e religiões (p. 216), projetou a singularidade do Brasil nas relações internacionais. Buscou múltiplos parceiros internacionais nos quadrantes do mundo sem desconhecer a relevância dos nossos parceiros tradicionais. Marcou presença nas instâncias internacionais que são o espaço da nossa diplomacia multilateral: ONU, OMC, BRICs, G-20, CPLP. Soube valer-se dos qualificados quadros do Itamaraty que mobilizou com discernimento para operacionalizar a política externa do seu período presidencial. Deu vida ao capital simbólico do repertório da tradição diplomática do Brasil.

É o que em conclusão permito-me afirmar, com o lastro de uma vida de estudo das relações internacionais e com o conhecimento “de dentro” da experiência de quem teve a oportunidade de chefiar o Itamaraty em duas distintas conjunturas.

-V-

Uma consideração final. A convergência palavra/ação caracteriza o espaço público. Nela atuou durante décadas Michel Temer na dialética da complementariedade da sua vocação de constitucionalista e ator político.

Todos nós, integrantes da APL, na pluralidade dos nossos diversificados caminhos somos devotos da gesta da palavra da última Flor do Lácio, como reza o ex libris da nossa instituição. Dela também, como já mencionei, é desde jovem um devoto o Confrade Michel Temer, destacando como relatado em A Escolha a importância do empenho no constante aprendizado e aprimoramento da língua e da expressividade da linguagem, amparado pelo gosto das letras e pelas leituras dos nossos clássicos (A Escolha, p. 9).

Não é acidental que, na sua diplomacia presidencial conferiu relevo à CPLP e teve o prazer de saudar na ONU, na nossa língua comum, o estadista português Antonio Guterres na sua condição de Secretário-Geral da organização.

É no compartilhar da devoção à palavra que saudamos o Confrade Michel Temer e a ele damos calorosas boas vindas à Academia Paulista de Letras.





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