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DISCURSO DE RECECPÇÃO A BETTY MILAN PELO ACADÊMICO JOSÉ RENATO NALINI
Acadêmico: Betty Milan
"BETTY, aquela que não se repete e não abre mão do seu desejo. Ama a psicanálise, mas sua paixão é o desafio da escrita e, particularmente, do romance."

São tantas as dimensões de Betty Milan, que o privilégio de recepcioná-la nesta Instituição poderia se converter em alentado relato de uma exuberante existência, com alinhamento de títulos, datas e eventos. Tão denso relato, que se correria o risco de deixar ao largo o que realmente interessa: a intimidade do ser sensível, aberto às experiências e à partilha.
Em literatura, ela está a liquidar seus estoques de imaginação. O amplo espectro de seus centros de interesse lhe permite intervir em numerosos domínios: pesquisa factual e científica, sociologia, filosofia, medicina e suas ramificações na psiquiatria, psicanálise e incursões no psicodrama. Em parceria com Zerka Moreno, atua no Public Theater of New York. Conciliou vida acadêmica, doutorando-se em Psiquiatria na Faculdade de Medicina da USP e literatura, imergindo no romance, no ensaio, no drama e na autoficção.
Nunca recusa desafios. Pioneira ao devotar-se à medicina da mente, enfrentou estágios no legendário Juqueri, em município que leva o nome de um acadêmico nosso, Francisco Franco da Rocha, mas também na Escócia, na comunidade terapêutica dirigida pelo psiquiatra Maxwell Jones. Sua origem elitista não a inibiu de conhecer as periferias brasileiras e francesas. Paris é seu segundo berço, a preservação da influência gaulesa que aproxima Líbano e Brasil. Ali conviveu com Michel Serres, Michel Foucault e Gérard Lebrun. Um ponto de inflexão foi conhecer Jacques Lacan, de quem se tornou, a partir de 1974, tradutora e assistente, na Universidade Paris VIII. Chegou a ser analisada por Lacan, assim como anos antes fora Roland Barthes, que deixa do Mestre uma síntese expressiva: “O mestre interrompe o silêncio por qualquer coisa, um sarcasmo, um chute. É assim que procede na pesquisa de sentido um mestre budista, segundo a técnica zen. Cabe aos próprios alunos buscar a resposta às suas próprias questões. O mestre não ensina, ex cathedra, uma ciência pronta; ele traz a resposta quando os alunos estão prestes a encontrá-la. Esse ensinamento é a recusa de qualquer sistema”.
Quem se propõe a analisar a vasta obra de Betty Milan apreende o grau de assimilação da influência exercida por Lacan, só convertida em testemunho em 2021, com
Na obra de Betty mesclam-se os saberes milenares de sua origem com a descoberta da natureza luxuriante da Pátria adotiva. Não se trancou na bolha patrícia: “Nem todo conterrâneo é bom. Mas quem emigra sabe como ele é importante. Por causa da língua. Se comunicar é uma coisa, conversar é outra. A comunicação serve para resolver um problema. Já a conversa esquenta a alma. A gente só conversa mesmo quando não fica procurando as palavras para expressar o que deseja, quando não precisa pensar...”. Apesar de nativa, conservou o encanto pelo Paraíso Tropical: “Fiquei siderada pela muralha verde da serra. Nunca havia imaginado tamanha exuberância. ... Vi árvores com a copa inteiramente florida, amarelas, roxas. ... À diferença da aldeia, aqui ninguém se interessava pelo nome das plantas talvez por elas serem tão abundantes. Quem tem demais faz pouco do que tem”.
Esta aliança entre a escritura e a visão psicanalítica da sociedade faz da produção literária de Betty Milan um legado singular para a nossa era, em “que um povo não deve ser nem unido nem dividido em demasia para que sua cultura floresça. O excesso de unidade pode dever-se ao barbarismo e pode levar à tirania; o excesso de divisão pode ser devido à decadência e também pode levar à tirania: qualquer excesso impedirá um desenvolvimento na cultura”.

Na terceira década do Século 21, Betty Milan não é apenas uma escritora reconhecida ou da moda, com acesso às mídias e vasta área de influência. É uma intelectual consagrada. A consagração se distingue do reconhecimento, pois traduz a notoriedade em elementos socialmente tangíveis: distinções, seguidores, espaço garantido naquilo que permanece, a crítica isenta e a maturidade gloriosa. É figura midiática, amada por muitos, admirada por legião de adeptos, sempre a provocar debates.
Foi essa personagem tutelar do meio literário, chamada a se pronunciar diante de questões polêmicas, ouvida nos grandes centros do Brasil e do exterior, que a ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS foi buscar, para preservar a vocação de selecionar seus integrantes à luz de critérios objetivos. Tem-se a certeza de que BETTY MILAN não permanecerá inerte. Não consegue se acomodar ao sucesso. Está sempre em busca de outras porfias, engajando-se em causas e renovando o pensamento. Tem expertise em elaborar arranjos para pensar variado número de objetos contemporâneos ou atemporais, explorados com pertinência estética: o Carnaval, as Escolas de Samba, com persuasivos tons de originalidade.
Se hoje está no centro das atenções, do discurso literário, desta Instituição que permanece viva após cento e treze anos, tem tudo para considerar legítimas as suas vitórias. Sua arte de viver é antagônica ao lamento, ao tédio, ao desejo de outra vida que não a sua.
BETTY, aquela que não se repete e não abre mão do seu desejo. Ama a psicanálise, mas sua paixão é o desafio da escrita e, particularmente, do romance. Tem todos os motivos para se considerar realizada, embora seu potencial seja infinito: “O Papagaio e o Doutor” foi adaptado para o cinema em Nova Iorque. “Baal” recebeu o Cedro do Líbano em Beirute. “Paris não acaba nunca” foi publicado na China.
Muito mais ainda virá. Jorro contínuo de ideias novas, estabelecer relacionamento entre a ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS e entidades análogas internacionais, participação assídua e fervorosa em nosso espaço acadêmico. É o mínimo que se espera de BETTY MILAN, ao proclamar: continue a ser feliz nesta Casa e a repartir conosco essa alegria de viver.




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