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DISCURSO DE POSSE
Acadêmico: Rubens Barbosa
"É com grande satisfação que assumo a cadeira 10 da Academia Paulista de Letras, que este ano celebra 110 anos de existência. A cadeira 10, cujo patrono é Cesário Mota Junior, teve como meus antecessores Eduardo Guimarães, Paulo Setúbal, Gustavo Teixeira, Afonso Schmidt, Edmundo Vasconcelos e Paulo Nogueira Neto."

Exmo. Senhor Presidente da Academia Paulista de Letras, Presidente Fernando Henrique Cardoso, Membros da mesa, acadêmico Eros Grau, meus colegas da academia, Ministro Aloysio Nunes Ferreira

Senhoras e Senhores

É com grande satisfação que assumo a cadeira 10 da Academia Paulista de Letras, que este ano celebra 110 anos de existência. A cadeira 10, cujo patrono é Cesário Mota Junior, teve como meus antecessores Eduardo Guimaraes, Paulo Setúbal, Gustavo Teixeira, Afonso Schmidt, Edmundo Vasconcelos e Paulo Nogueira Neto.

Paulo Nogueira Neto, em seu discurso de posse, em agosto de 1991, traçou um adequado perfil dessa galeria de notáveis homens públicos. Não vou cansá-los com uma repetição burocrática dos escritos desses acadêmicos que muito me honra suceder. Remeto-os a alocução do nosso saudoso Paulo Nogueira Neto.

Optei por fazer uma análise focalizando a vida pública desses ilustres acadêmicos e os ensinamentos e lições que legaram para as gerações futuras em áreas críticas para o desenvolvimento do pais.

Cesário Mota, no governo Bernardino de Campos em 1892, exerceu função pública, como secretário de Negócios do Interior, e liderou uma significativa campanha em prol da melhoria do ensino. Eduardo Guimaraes, fundador da cadeira 10, foi presidente do Conselho Municipal de Instrução Pública. Edmundo Vasconcelos foi catedrático na Faculdade de Medicina da USP, com destacada atuação no ensino de medicina. Todos eles dignificaram a educação e deram uma contribuição efetiva para aperfeiçoamento do setor.

Paulo Setúbal, em seus romances históricos, Afonso Schmidt, no jornalismo e como poeta, e Gustavo Teixeira, na poesia, cada um com seu estilo e suas ênfases, foram destacados representantes da cultura paulista e nacional. Permito-me uma nota pessoal. Fui muito próximo do filho de Paulo, Olavo Setúbal, homem público exemplar, de quem fui Chefe de Gabinete, quando da sua passagem pelo Itamaraty como Chanceler em 1985, no governo Jose Sarney. Doutor Olavo como o chamava foi um amigo querido até sua morte.

Paulo Nogueira Neto, como os outros antecessores da cadeira 10, foi um cientista que se notabilizou pelo seu trabalho na preservação da natureza e na defesa do meio ambiente. Exerceu com discrição, mas com extrema eficiência funções públicas em nível federal, estadual e mesmo internacional. Teve grande influência, por mais de duas décadas, na formulação e execução de políticas governamentais e foi instrumento para a criação dos órgãos formuladores e reguladores nessa área tão crucial em nosso país. Esteve na origem do movimento internacional que culminou em 1992 com a conferência que lançou as bases da legislação e de tratados ambientais no mundo.

A atuação de todos os ocupantes da cadeira 10, nas funções públicas que exerceram, sempre foi inspirada pelo ”instinto da nacionalidade”, como observou Machado de Assis. Entendido como contribuição efetiva para dar conteúdo e sentido à temática nacional, e sobretudo, como intensa participação na vida do pais.

Suas ideias e atividades públicas deixaram marca na sociedade paulista e brasileira. Todos se empenharam em fazer avanços significativos nas áreas da educação, da cultura e do meio ambiente - traços comuns que unem meus sete antecessores e o patrono da cadeira 10. Sucede-los é um desafio não menor.

Senhoras e Senhores

Na história política brasileira, viramos mais uma página com a eleição de outubro passado. Um novo capítulo está sendo escrito com a eleição, pela primeira vez em nossa vida política recente, de um governo que traz uma ideologia diferente daquela que prevaleceu nas últimas décadas.

Com o governo que assumiu em 1 de janeiro, vieram novas políticas e novas ênfases referendadas por uma eleição livre e por resultados não contestados. Na campanha eleitoral e nos primeiros meses de governo, a atual Administração anunciou e está executando uma agenda de direita, ultraconservadora nos costumes, liberal na economia e de mudança radical na visão de mundo.

A guinada à direita do espectro político é uma novidade em um pais governado nas últimas décadas por presidentes de centro, centro esquerda e esquerda e onde poucos ousavam assumir aquela posição, inclusive diante das grandes desigualdades sociais existentes.

Decorridos 8 meses de governo, por declarações e por novas políticas, algumas áreas surgiram como extremamente controvertidas: educação, cultura e meio ambiente. Justamente as que representaram a preocupação e conduta legadas por meus ilustres antecessores.

Senhoras e Senhores

Penso que seria útil uma breve reflexão e comentário sobre a política do atual governo em relação a esses denominadores comuns: educação, cultura, meio ambiente e mudança do clima.

Não vou me alongar nas questões relacionadas com a relevância da educação e da cultura. As ações do novo governo trouxeram um viés ideológico que prejudica a execução de políticas no setor educacional para permitir a melhora de nosso sistema de ensino, tão urgente na era do conhecimento e da inovação. A mudança de Ministro e de altos funcionários e a falta de uma política clara para enfrentar os sérios problemas que hoje atingem o Ministério dificultam uma ação mais efetiva do governo. Recuperar o tempo perdido nos oito primeiros meses de governo, passa, entre muitas outras medidas em relação ao ensino médio, pela aprovação do fundo de financiamento da educação básica, mais distributivo para benefício dos municípios e dos alunos mais pobres. Na Cultura, sua visibilidade e influência foi reduzida com o fim do Ministério, transformado em uma secretaria do MEC. Como o Ministério da Educação ficou responsável pelo acompanhamento de temas culturais, o impacto foi grande sobretudo pelo corte nas verbas federais em apoios importantes, inclusive nos recursos da Petrobrás. Se não puder filtrar propostas de filmes e documentários, o governo prometeu extinguir a Agência Nacional de Cinema ou mudar suas atribuições. O cancelamento de propostas de documentários pela Ancine resultou na demissão do secretário de cultura que saiu falando em patrulhamento e censura. Como afirmaram seis ex-Ministros da Cultura, é de se lamentar a perda de relevância do setor ao serem interrompidos apoios para uma área que tanto pode contribuir para a projeção externa do Brasil pela criatividade e qualidade de nossa produção interna na música, no cinema, nas artes plásticas e no teatro.

Vou concentrar, no entanto, meus comentários na área em que atuou e se destacou meu ilustre antecessor e amigo Paulo Nogueira Neto: o meio ambiente.

O novo governo, na retórica que vem desde a campanha eleitoral, se posicionou contra a globalização, a que chama de globalismo, e o multilateralismo apelidado de marxismo cultural. Nessas percepções, um dos setores mais afetados é a rede de acordos negociados globalmente com implicações nas políticas de meio ambiente e mudança de clima de todos os países. Na formação do governo, cogitou-se seriamente a extinção do Ministério do Meio Ambiente. Logo, medidas fundadas na visão ideológica dessas questões foram anunciadas, em alguns casos deixando de lado disposições constitucionais. Externamente, foi anunciada a saída do Brasil do Acordo de Paris, que formalizou, em 2015, compromissos para a redução da emissão de gases de efeito estufa. A “emergência climática“ assinalada por pesquisadores e governos não foi levada em consideração e as bases cientificas para buscar uma redução gradual da temperatura do planeta estão sendo contestadas. Foi cancelada a Conferência da ONU sobre clima prevista para o início do ano no Brasil. A posição do país nos organismos multilaterais está sendo gradualmente modificada. Pela primeira vez em nossa história, o Brasil participou de uma reunião de negacionistas dos problemas do clima. Foi extinta a Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas., a Agência Nacional de Águas saiu do âmbito do Ministério e o Serviço Florestal Brasileiro foi transferido para o Ministério da Agricultura. Surge a ameaça de extinção de áreas protegidas e a redução das atribuições do Conselho Nacional do Meio Ambiente. A mudança da FUNAI para o Ministério da Agricultura, a possibilidade de exploração de minérios nas terras indígenas e as críticas ao INPE pela divulgação de dados sobre o desmatamento da Amazônia são exemplos da ação governamental. Estão sendo apresentadas propostas sensíveis como a mudança de governança e a utilização do Fundo da Amazônia, com contribuições do exterior. Passou-se a percepção de que medidas anunciadas do atual governo podem levar ao esvaziamento de políticas públicas voltadas para os efeitos das mudanças climáticas, do enfraquecimento dos órgãos ambientais e fiscalização menos rigorosa, como ocorreu agora com as queimadas na Amazônia.

Com enfática retórica ideológica, o governo nega essa visão e diz que nada mudou, que a gestão do IBAMA e do ICMbio melhoraram. Manifesta preocupação com a difusão de informações negativas no exterior, vistas pelo Ministério do Meio Ambiente como versões que não se sustentam, como uma campanha que não representa a realidade do que ocorre no Brasil e reflete uma verdadeira psicose ambiental contra o pais, estimulada por “maus brasileiros”. Criticando aqueles que querem tirar a soberania nacional sobre a região, o governo diz que vai ganhar a guerra de informação sobre a Amazônia. A partir de setembro, o governo vai lançar uma campanha no exterior para mostrar que o Brasil pensa em um plano factível contra o desmatamento com apoio financeiro estrangeiro.

Em alguns casos, o governo voltou atrás das políticas radicais adotadas na retórica oficial e posições mais pragmáticas estão sendo adotadas. O recuo mais importante do governo foi em relação ao Acordo de Paris. O próprio presidente anunciou que o Brasil não vai abandoná-lo. No acordo entre o Mercosul e a União Europeia, concluído pelo atual governo, há um capítulo sobre Desenvolvimento Sustentável, verdadeiro tratado de preservação do meio ambiente e das florestas, no qual foi incluído o princípio da precaução, sobre como punir a destruição do meio ambiente, e uma cláusula específica sobre mudança do clima.

Senhoras e Senhores,

Estarei sendo repetitivo ao afirmar que as políticas internas e externas implementadas nos primeiros 8 meses de governo se chocam com as concepções e as ideias defendidas por Paulo Nogueira Neto

Como disse o confrade ministro Celso Lafer, Paulo Nogueira Neto foi o patrono inaugural da inserção da agenda de meio-ambiente e sustentabilidade do desenvolvimento na pauta das políticas públicas do Brasil. A contribuição do Brasil para a inserção no cenário internacional do tema da indivisibilidade do meio-ambiente muito deve à prospectiva visão de futuro sobre a relevância da matéria para o nosso país e o mundo que caracterizou a identidade intelectual de Paulo Nogueira Neto, acrescentou com propriedade Celso Lafer.

Conheci e passei a admirar Paulo Nogueira Neto e sua mulher Lucia, em Brasília nos idos de meados da década de 70. Várias vezes, estivemos - Maria Ignez e eu - em sua fazenda perto de Brasília. O que impressionava em Paulo Nogueira era a tranquilidade, a calma e a paciência com que conversava sobre os assuntos da natureza, seu grande interesse. Guardo dele as melhores lembranças e a persistência da defesa que fazia de suas ideias sempre foi para mim um exemplo que procurei seguir. Muitas lembranças dessa época em Brasília podem ser lidas no livro Uma Trajetória Ambientalista - diário produzido por Paulo Nogueira Neto.

Vou comentar alguns momentos marcantes de seu percurso como servidor público, que muito tem a ver com o debate atual sobre os questionamentos das regras e regulamentos para proteger a natureza e a crescente atenção à mudança do clima. No Brasil, vivíamos em um governo militar e um de seus dogmas era “Amazônia, integrar para não entregar”.

Como muito bem assinalou o colega acadêmico Jose Goldemberg, em brilhante artigo no Estado de S. Paulo, “o atual governo pensa do mesmo modo que os militares de então”. Ao comentar os fatos do período militar, Goldenberg, escreveu: “Essa era explicitamente a visão do governo em 1972, por ocasião da primeira Conferência Internacional sobre Meio Ambiente, em Estocolmo. A reorganização administrativa promovida em janeiro passado levou à extinção e a realocação de várias áreas ligadas a questões ambientais, o que indicava uma visão desenvolvimentista em que o licenciamento ambiental parece ser um obstáculo ao desenvolvimento. ”

O envolvimento de Paulo Nogueira Neto no âmbito governamental começou com a referida Conferência de Estocolmo de Chefes de Estado, organizada pela ONU, para tratar das questões relacionadas à degradação do meio ambiente, que teve profunda influência global. A Conferência de Estocolmo foi um marco na procura da melhoria das relações entre os seres humanos e o meio ambiente. A atuação do Brasil em Estocolmo até hoje é lembrada por sua oposição a uma agenda meramente ambientalista. Mas a delegação, graças a Paulo Nogueira Neto, Henrique Brandão Cavalcanti e a atuação de meu brilhante colega Miguel Ozório de Almeida conseguiu associar Meio Ambiente a Desenvolvimento, antecipando a evolução da agenda ambiental. Assegurou assim a defesa da soberania do país - sempre a maior prioridade do Itamaraty - e ofereceu uma direção para que o debate sobre o meio ambiente desse espaço tanto aos países desenvolvidos como em desenvolvimento. Pode-se dizer que o Brasil nas negociações ambientais passou de atuação defensiva a ativa e construtiva e, até recentemente, à de indiscutível liderança. Estamos voltando hoje a argumentos que se justificavam em 1972.

Os primeiros contatos que levaram Paulo Nogueira Neto ao centro da vida política interna nessa área aconteceram em 1973, mais de um ano após a Conferência das Nações Unidas. O governo ainda não havia reparado os danos à sua imagem devido a posições contrárias à proteção ambiental assumidas naquele evento. “Apesar disso continua Goldemberg - o professor Paulo Nogueira Neto conseguiu convencer o presidente Médici a criar, em 1973, a Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema) no Ministério do Interior”. Convidado para opinar sobre minuta de decreto de criação de uma agência federal de meio ambiente manifestou-se contrário aos termos propostos. Pela franqueza e firmeza de sua posição, foi convidado pelo secretário-geral do ministério, Henrique Brandão Cavalcanti, a modificá-la e a dirigir o novo órgão, a frente da qual conseguiu introduzir toda a legislação e os órgãos administrativos da área ambiental no País. A criação da SEMA, Secretaria Especial do Meio Ambiente, deveu-se, assim, mais ao prestígio pessoal de Paulo Nogueira Neto e sua reputação científica do que a uma compreensão clara da necessidade do governo militar de conciliar desenvolvimento com proteção ambiental. Ele era visto com reservas por grupos interessados na expansão da ocupação da Amazônia, mas com seu perfil não confrontacional conseguiu introduzir no País uma legislação ambiental moderna, influenciada pelos países da Europa e pelos Estados Unidos.

Prestigiado pelo governo e pela oposição durante as gestões Médici, Geisel, Figueiredo e Sarney, Paulo Nogueira Neto teve uma atuação à frente da SEMA marcada por seu perfil aberto ao diálogo, conciliador e realizador. Além de ter comandado a SEMA, de 1974 a 1986 no governo federal, Nogueira Neto foi também um dos formuladores do referido conceito de desenvolvimento sustentável, quando membro do grupo que elaborou o relatório Bruntland assumido pelas Nações Unidas em 1987 e, desde então, fundamentado por leis, políticas e projetos que extrapolam o âmbito da conservação ambiental em quase todo o mundo.

A SEMA, que foi o embrião do Ibama e do atual Ministério do Meio Ambiente, durante muito tempo, não passou de uma pequena estrutura subordinada ao ministro do Interior. Mas sua atuação foi decisiva para ações de outros órgãos, como o Ministério da Agricultura, com a criação de 26 reservas, estações ecológicas e outras unidades para proteger cerca de 3,2 milhões de hectares de áreas de vegetação nativa.

Com a ajuda de universidades, instituições de pesquisa e órgãos governamentais, Nogueira Neto foi o formulador da principal lei ambiental brasileira, a da Política Nacional do Meio Ambiente, que em 1981 antecipou disposições ambientais da Constituição Federal. Além de definir prioridades e áreas de atuação do poder público, critérios e padrões de qualidade ambiental, normas de uso de recursos naturais e de divulgação de dados e informações, a lei também estabeleceu a obrigação de poluidores e degradadores de recuperar ou indenizar os danos causados ao meio ambiente, apesar da oposição de algumas áreas do setor privado.

Paulo Nogueira Neto foi também o principal articulador da implantação em 1984 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que passou a definir normas como as de licenciamentos ambientais, controle de poluição e outras atividades. Sua atuação foi essencial para o governo retirar do Congresso projeto de lei sobre uso de agrotóxicos e impedir, em 1982, na construção da hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, o uso de desfolhantes para facilitar a remoção da floresta. Um produto de ação semelhante, o chamado agente laranja, havia sido usado para fins militares pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. Outro exemplo de sua influência é o da criação da Companhia Estadual de Tecnologia e Saneamento Ambiental, a CETESB, em São Paulo. O sucesso em resolver o problema ambiental de Cubatão, no governo Montoro (1986-1989), deu à Cetesb estatura e prestígio para enfrentar outros desafios. Em 2008, Paulo Nogueira Neto se tornou membro do Conselho Superior de Meio Ambiente da FIESP.

Em seguimento a seu incansável trabalho, teve participação relevante na definição das diretrizes da Conferência Rio-92, marco histórico no esforço global de preservação do meio ambiente, cujo objetivo foi a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera. A partir daí o Brasil sempre teve participação de liderança nas discussões internacionais nessa área, como no Protocolo de Quioto de 1997 que estabeleceu metas quantitativas ou redução de emissões de gases de efeito estufa por parte dos países desenvolvidos. Em vigor desde 2005, culminou com o Acordo de Paris em 2015, com metas voluntárias de redução de emissões.

Se vivo ainda, Paulo Nogueira Neto certamente estaria angustiado com algumas das atitudes e políticas anunciadas nos últimos meses. E perplexo em ouvir velhas teorias de que o problema do clima é uma invencionice da esquerda.

Gradualmente, no mundo, meio ambiente deixou de ser tratado apenas em fóruns especializados e se transformou em questão social. Uma nova força se associou às políticas públicas para o meio ambiente e às políticas de conservação: o consumidor. Atentas às atividades de empresas predadoras, ao descuido de autoridades e às deficiências de regulamentação, a imprensa e a sociedade civil começaram a manifestar-se e os consumidores responderam rapidamente a esses apelos. Atuam punindo os infratores com boicotes, mudanças de hábitos de consumo e uma campanha voltada a complementar as regras da boa conduta ambiental na expectativa de conseguir um comportamento ético voluntário.

Posições de alguns setores do atual governo e do setor privado parecem ignorar a realidade global. A mudança climática obedece a lei da física e não de princípios ideológicos, apesar das menções em contrário de círculos oficiais. Em todo o mundo essa ideia força está presente. Nos fóruns internacionais esse tema está instalado, deverá permanecer e mesmo ampliar-se pela crescente preocupação com a saúde do planeta. Até os Cardeais, no próximo Sínodo no Vaticano, irão discutir a Amazônia. O impacto dessas medidas ameaça impedir o acesso do Brasil aos recursos do Fundo do Clima financiado por diversos países. Na Organização Mundial de Comércio discute-se um acordo sobre meio ambiente, que juntamente com cláusulas ambientais incluídas nos acordos comerciais são mandatórias.

Ao defender politicas ultrapassadas na área ambiental e apoiar países que resistiram a implantação da Convenção do Clima, o Brasil corre o risco de perder sua liderança nas discussões globais de meio ambiente e mudança do clima. Estamos voltando para uma posição defensiva, que agora se acentua.

Em manifesto recente, oito ex-ministros do meio ambiente, chamaram a atenção sobre a ausência de diretrizes objetivas sobre o tema, que tolhe o cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil comprometendo seu papel protagônico exercido globalmente, mas também sinaliza retrocessos nos esforços de redução de emissões de gases de efeito estufa, nas necessárias ações de adaptação e no não cumprimento da Política Nacional de Mudança do Clima. Observaram também que depois de quase sete anos da mudança do Código Florestal, seus dispositivos, pactuados pelo Congresso e consolidados pelo Supremo Tribunal Federal, estejam sob ataque quando deveriam estar sendo simplesmente implementados.

Na mesma direção, mas um passo adiante, 602 cientistas de instituições de todos os 28 países europeus pediram que a União Europeia (UE), segundo maior parceiro comercial do Brasil, condicione a compra de insumos brasileiros ao cumprimento de compromissos ambientais.

A escalada retórica ganhou repercussão internacional e se transformou na mais grave crise externa desde os anos 70 e 80, também causada por críticas as políticas de meio ambiente e de direitos humanos. Levado a consideração do G-7, que congrega países desenvolvidos, a reação foi atenuada e ficou decidido que recursos técnicos e financeiros serão oferecidos aos países amazônicos, inclusive o Brasil

Os interesses em jogo são muito grandes. Segundo estudos da FAO, até 2030, com o aumento da população global e com a redução da pobreza e o crescimento da classe média, o consumo de produtos agrícolas vai crescer 20 em relação a 2017. Desse total, estima-se que 40 deverá vir do Brasil. Nos próximos dez anos, assim, projeta-se uma crescente demanda de produtos brasileiros. A política comercial se tornou um instrumento da política climática. A proteção do meio ambiente tornou-se uma questão de competitividade internacional. Alguns países europeus ameaçam não ratificar o acordo comercial com o Mercosul. Algumas medidas internas como a reavaliação do Fundo Amazônico acarretaram a suspensão de recursos financeiros da Alemanha e da Noruega. O mundo está observando nossas ações que terão o poder de salvar ou destruir a maior floresta tropical do planeta, como ressaltou o influente The Economist em sua principal matéria no início do mês. A retórica do atual governo em relação ao meio ambiente está diminuindo a influência do Brasil nas discussões sobre o assunto nos fóruns internacionais e a afetando a percepção externa com efeito negativo sobre o soft power brasileiro. A confrontação alimenta campanhas contra o pais estimuladas por motivações políticas e comerciais. Sob pressão dos acontecimentos, o governo declarou tolerância zero com as queimadas e prometeu medidas drásticas para conter os desmatamentos e o garimpo ilegais, com o Ibama, ICMBio, Policia Federal e Forças armadas e vai promover iniciativas para tentar mudar a imagem negativa no exterior, como tristemente exemplificada pelas manifestações contra embaixadas brasileiras em muitas capitais.

Com o objetivo de preservar o legado de Paulo Nogueira Neto, não posso deixar de assinalar a necessidade de o Brasil abandonar a posição defensiva que passou a adotar. Se não for por convicção arraigada, que seja por pragmatismo e realismo político para a defesa de interesses comerciais concretos, para restabelecer a percepção externa sobre o Brasil e para voltar a fortalecer nosso “soft power”. Não há como confrontar a tendência global de definir políticas de preservação do meio ambiente e de mudança do clima. Elas estão aí para ficar. A emergência climática é nossa terceira guerra mundial, ressaltou um prêmio Nobel de economia. Esse tema passará a interferir cada vez mais na estratégia de negócios. Urge a definição de uma estratégia que retire o Brasil do isolamento, contrária aos interesses nacionais e, em especial, do setor do agronegócio, que sofrerá as consequências, caso o Brasil descumpra os compromissos internacionais assumidos, inclusive no acordo recente com a União Europeia. Não há como divorciar a produção agroindustrial da preservação ambiental. Aguarda-se com expectativa o pronunciamento do presidente no tocante a questão ambiental na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas em setembro. Endosso plenamente a opinião do confrade Jose Goldemberg em artigo recente: só uma política de transparência absoluta poderá esvaziar a campanha contra as políticas do atual governo.

O mais triste talvez seja a falta de percepção de que o Brasil é certamente o país que mais tem a ganhar com o reforço dos padrões mundiais de exigência quanto à sustentabilidade. Nossa liderança nessa área - graças a nossas instituições, nossos cientistas, nossas universidades, nossa legislação, nossa diplomacia, nosso empresariado e nossa extraordinária sociedade civil - nos coloca à frente dos principais concorrentes não só para o comércio, mas também para a captação de investimentos. Repito, nenhum país tem mais a ganhar por estimular o fortalecimento do combate à mudança do clima e ao cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável até 2030. A importância que adquiriu essa agenda internacional valorizou um tema no qual o Brasil é uma superpotência, e cria oportunidades únicas para nosso pais continuar a fortalecer sua posição como referência mundial positiva.

Senhoras e Senhores,

Minha trajetória na vida pública passou por quatro décadas a serviço do Estado, no Itamaraty, sempre inspirado pelo ‘instinto da nacionalidade’ machadiano. Ao longo da carreira diplomática e quando exerci funções em outros órgãos, pautei-me pelo senso de prioridades claramente definidas com a percepção de que nada era impossível. Aceitei e jamais recusei os desafios com que me confrontara, agindo com capacidade de iniciativa, dedicação exclusiva e lealdade a Casa de Rio Branco. Lealdade com independência, sempre opinando e deixando minha marca, mas sabendo respeitar regras e cumprir decisões superiores, dentro da ética e de minha visão política. Para mim, ter tido a oportunidade de fazer parte do serviço externo e representar o Brasil no exterior foi uma honra, que me trouxe grande satisfação pessoal.

Sempre defendi que o Itamaraty, órgão de Estado, seguindo os ensinamentos do Barão do Rio Branco, deve ficar acima de interesses ideológicos e partidários para poder renovar-se, como reação as transformações que ocorrem no cenário internacional. Com visão de futuro, a Instituição e seus funcionários diplomáticos devem sempre identificar os interesses nacionais permanentes e defendê-los. Nos últimos anos e agora, o Itamaraty passou e passa por momentos de apreensão em vista de posições ideológicas que refletiram e refletem plataformas partidárias acima dos interesses permanentes do Estado.

De certa maneira, a palavra aproxima o Itamaraty da Academia Paulista de Letras. Aprendi que, na diplomacia, a palavra tem um significado muito sutil e delicado. É um instrumento de trabalho refinado e com muitas implicações para o entendimento entre nações e para as disputas política, comerciais e bélicas. A palavra na Academia tem uma importância especial. A Academia Paulista de Letras tem a cultura do vernáculo como prioridade e deve acompanhar a evolução da palavra nova ou rara, técnica ou regional introduzida na língua portuguesa.

Não deixa de ser um orgulho para o Itamaraty que a diplomacia brasileira está também representada nesta Casa, pelos acadêmicos Celso Lafer e Synésio Sampaio Góes, que trazem suas experiências para os trabalhos desta Casa. Minha longa trajetória no Itamaraty e passagens pelo Ministério da Fazenda, pela presidência da República e por embaixadas relevantes para o Brasil como Londres e Washington, e, nos últimos anos, depois de minha saída do MRE, no setor privado e na mídia, permite ao diplomata que agora é acolhido na APL dedicar à Academia sua experiência externa e vivência da política interna.

Senhoras e Senhores,

Não consigo imaginar maior honra do que a admissão à companhia de todos os confrades. Sou grato aos acadêmicos que sufragaram o meu nome e, de modo muito particular, aos que me encorajaram e ajudaram a levar a bom termo minha candidatura. Dentre estes, desejo destacar Eros Grau, Raul Cutait, Ives Gandra, Joao Carlos Martins e Celso Lafer. Esses amigos leais não apenas me ofereceram solidariedade irrestrita, mas empenharam-se para que eu hoje pudesse ter o privilégio de incorporar-me à Academia Paulista de Letras.

Grato por estar integrando a Academia Paulista de Letras, posso assegurar que procurarei, na medida do possível, corresponder à confiança em mim depositada. Antes de ser igual a meus confrades, serei, por muito tempo, um aplicado discípulo. Na minha vida profissional me dediquei ao trabalho de ajudar a construir uma política externa que pudesse colocar em primeiro lugar a defesa do interesse nacional acima de regimes de exceção e de ideologias partidárias. Poder ser membro desta Academia, para mim, é o coroamento de uma vida dedicada ao serviço do Estado e ao trabalho desafiador no setor privado. Penso que, com a credibilidade e a influência dos seus membros, importantes formadores de opinião, pode a centenária APL aumentar seu perfil externo e ganhar maior visibilidade ampliando as discussões abertas ao público, promovendo-as com personalidades que poderão contribuir com suas ideias para o debate sobre questões relevantes nos diversos campos de atividades da sociedade paulista. Estarei a partir de agora a serviço do engrandecimento da Academia Paulista de Letras.

Muito obrigado.




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