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TÍTULO DE PROFESSOR EMÉRITO E GUERREIRO DA EDUCAÇÃO RUY MESQUITA 2019.
Acadêmico: Paulo Nathanael Pereira de Souza
Discurso de recepção do Título de Professor Emérito e Guerreiro da Educação Ruy Mesquita 2019 (15 de outubro de 2019)

Caros amigos, notadamente: o Presidente desta casa, dr. Antonio Jacinto Caleiro Palma, a quem agradeço as generosas palavras com que abriu esta sessão, o representante do jornal “O Estado de São Paulo”, Humberto Casagrande Superintendente do CIEE, os guerreiros da educação aqui presentes, os presidentes eméritos desta Casa, os diretores e funcionários desta casa, senhores convidados e familiares, e minha querida Beatriz Gomide, espécie de pitonisa de Elêusis, que ouve as minhas queixas e, com sabedoria, torna meus dias mais amenos:
Viver 90 anos é importante, mas viver 90 anos para receber o título de Professor Emérito e Guerreiro de Educação Ruy Mesquita torna este momento importantíssimo, talvez o melhor de toda a minha vida profissional. Aproveito o ensejo para agradecer a generosidade dos que, no colégio eleitoral, sufragaram o meu nome. Para quem não saiba, desejo esclarecer que para esta láurea ninguém se candidata, ninguém usa cabo eleitoral, ninguém pede voto. A escolha livre e sem condicionamentos político-eleitorais torna o prêmio algo acima de qualquer suspeita e homenageia em dobro aqueles que o recebem.
Como sabem os que me conhecem, meu assunto na vida sempre foi educação. Desde os 17 anos de minha idade, quando ministrei minha primeira aula para uma classe de 50 alunos, (a maioria mais idosa do que eu, como era o caso de um senhor, pai de minha namorada de então, e que se sentava na carteira da primeira fila), convivo com o saber e busco transmiti-lo às novas gerações. Não devo ter sido muito canhestro nesse mister, tanto que no final do ano acabei sendo o paraninfo desta turma. E ainda por cima, descobri a minha vocação, a qual busquei honrar por toda a minha vida.
Essa primeira experiência docente, devo-a ao ilustre e saudoso professor Julien Fauvel, um francês sorboniano, que vivia na cidade de São Carlos e tinha uma escola de comércio. Estava eu no curso clássico do Colégio Estadual “dr. Álvaro Guião” onde o Fauvel lecionava grego, uma matéria que tinha apenas um aluno, que era eu. Além da língua de Homero, discutiamos temas culturais e políticos, sendo eu naquela altura enamorado do comunismo, tanto que fui apelidado pelo mestre, de “Cominform”. Sua influência foi fundamental para que eu revisse minhas convicções, mas o apelido se manteve. Até que um dia, o Fauvel me disse: “Cominform, o professor de História do meu colégio está doente e eu quero que você assuma essas aulas”. Levei um susto, mas resolvi aceitar o desafio. Daí o fato de, naquele dia, ter começado a caminhada, que me trouxe até esta memorável cerimônia que nos reúne, hoje, no CIEE. Devo agradecimentos ao professor Fauvel, que ao lado da língua grega, me ensinou muito do que aprendi da arte de viver.
Depois do curso clássico, frequentei a escola normal, onde obtive o título de professor primário. Aprendi a alfabetizar crianças, mas gostava mesmo era de ler tudo o que me caia às mãos sobre História. Li os clássicos e os modernos desse ramo do saber, e, nesse esforço de autodidatismo, passei a dar aulas em todas as escolas secundárias da cidade. Até que um amigo, o Júlio Bruno, dono de uma dessas escola, me abordou, um dia, para sugerir-me que fizesse um concurso público para ser professor efetivo de História no ensino secundário oficial do Estado de São Paulo. Aceitei o conselho, prestei o concurso e, entre cem candidatos, fui aprovado em 6º lugar. Escolhi vaga na longínqua cidade de Tupã, onde dei aulas e acabei, um ano depois, diretor do colégio estadual. Prestei outro concu rso e me efetivei nesse cargo. Enquanto isso, ia fazendo o curso superior de Ciências Econômicas, na Faculdade de Marília, para onde viajava todas as noites.
Mercê do trabalho desenvolvido na direção do colégio, que em dois anos se tornou o maior da Alta Paulista, acabei convidado pelo então Secretário Estadual de Educação, dr. Alípio Correia Neto, para assumir uma Inspetoria Regional do Ensino Secundário e Normal, com sede em Itapetininga. Assim deixei as funções da micro educação, como professor e diretor de escola, e adentrei as da macro educação, referente à administração de sistemas de ensino. Estava aberto o caminho para uma carreira que não parou de crescer e de se diversificar. Fui chefe do ensino secundário e normal do Estado, diretor do ensino municipal de São Paulo, Secretário da Educação e Cultura do município da Capital e Secretário de Educação do Estado (em substituição do titular, dr. Carlos Pasquale, que adoeceu); convidado pelo MEC, assumi a gerência da experiência nacional dos ginásios pluricurriculares; atuei como conselheiro estadual e federal dos respectivos conselhos de educação, e fui presidente do Conselho Federal de Educação, tornei-me reitor de universidades acadêmicas e corporativas, delegado nacional do 1º Censo da Educação Brasileira, Superintendente da Fundação Bienal de Artes a convite de meu amigo, Ciccillo Matarazzo, Conselheiro e Presidente do Cenafor (fundação ligada à OIT, em Genebra), membro dos Conselhos de Curadores de várias Fundações, com destaque para a fundação Padre Anchieta, e a de ciências aplicadas. Quanto ao CIEE fui eleito seu Presidente, por dois mandatos consecutivos, integrei, e integro, os conselhos da Fiesp, da Fecomércio, e da Associação Comercial de São Paulo; tornei-me titular das Academias Paulista de Letras, Brasileira de Educação, Brasileira de Filosofia, Paulista de História, Cristã de Letras e cidadão honorário de diversos municípios, entre eles os da capital de São Paulo e de Goiânia.
Enquanto isso, aconteceram os seguintes fatos: meu casamento com a minha colega do colégio de Tupã, professora Irene Galvão de Souza, já falecida, e que me deu dois filhos, o Paulo Eduardo e o Paulo Henrique; o meu doutoramento pela Universidade Mackenzie, onde fui professor dos cursos de pós-graduação; as numerosas condecorações brasileiras como as do (Mérito Educativo Nacional e Almirante Tamandaré) e estrangeiras, como as do governo Francês, a saber - Ordem Nacional de Mérito (Presidente Giscard e D'Estaing) e Legião de Honra (Presidente François Mitterrand), além de deter os principais prêmios da Academia Brasileira de Letras; escrevi e publiquei mais de 20 livros sobre educação e história, todos, felizmente esgotados. Viajei por deze nas de países da Europa, das Américas e do Extremo Oriente, na maioria dos casos a convite dos respectivos governos.
Muitas cousas nesta síntese de memórias curriculares foram ficando pelas beiradas dos caminhos mas, como um discurso é gênero impróprio para confissões existenciais circunstanciadas, vamos tratar de mudar de assunto.
Falemos, agora, algo sobre a crise, que desde muitos anos, se abate sobre a educação brasileira. Afinal, há mister em saber-se o que pensa sobre o tema um Guerreiro da Educação.
Vivemos a idade do conhecimento ou, como querem outros, da informação. Sua característica principal é a velocidade, que torna obsoleto em curto prazo, aquilo que, no passado, levava anos - e até séculos - para reclamar mudanças.O conflito entre o ensino tradicional e o exigido pelos novos tempos está na raiz dessa crise. Assim é que a herança cultural da humanidade, que se constituiu até aqui, na matéria prima da educação tradicional praticada pelas redes escolares brasileiras, em todos os graus e tipos de ensino, está a envelhecer com incrível rapidez. E já não consegue sozinha explicar nem as indagações filosóficas dos nossos tempos, nem quais atitudes e saberes são os exigidos por um futuro cada vez mais presente. Por isso vai ela, pouco a pouco, convertendo-se em conhecimentos do tipo museológico. E o que restou a educadores, intelectuais, empresários e líderes de todo país é constatar a força dessa realidade, que nos rodeia, e que de todos cobra novos compromissos para tentar compreendê-la, dominá-la e utilizá-la no benefício geral. O mundo de ontem, tomado como modelo único pelas escolas de hoje, terá pouca validade para os que deverão viver amanhã.
No Brasil, essa crise se agrava continuamente, dadas as carências que crescem na rede escolar, da creche à pós graduação. O grande caminho para se alcançarem os novos padrões de convívio entre a inteligência humana e a busca das novas verdades desse “Admirável mundo novo” para usar a expressão cunhada por Aldous Huxley, passa necessariamente pela educação. Não pela educação tecnoburocrática, organizada pela visão conservadora e controladora de educadores e administradores de plantão, a qual se referencia mais pelo passado do que pelo presente, e se projeta inevitavelmente na organização de um sistema de ensino cada vez mais esclerosado e “diarioficializado”. Mas, sim, pela educação voltada para as novas necessidades, para os novos saberes, para as novas tecnologias em que a liberdade e a criatividade de alunos e professores devem conduzir o processo de aprendizagem, em contraste com o pedagogismo de regras rígidas e quase sempre inúteis, fixadas pelos órgãos superiores de administração dos sistemas e por professores não raro formados por faculdades que não inovam. No que diz respeito à didática, cada escola, daqui para o futuro, deve transitar do “magister dixit” dos discursos em sala de aula, para ambientes de discussão, pesquisa, consonância e dissonância em que a “internet” e as bibliotecas se associarão aos mestres no apoio à construção do saber Mestres esses que deverão atuar como maestros à frente da orquestra, inspirando, coordenando, articulando e avaliando o produto final do ambicionado conhecimento, sempre conectados em tempo real com as antenas do mundo de amanhã. Trata-se de reviver uma espécie de maiêutica socrática, em que as dúvidas e indagações prevalecem sobre as certezas. Ressuscitar um Sócrates, modelo século XXI, e construir um tipo de autodidaxia da aprendizagem , conforme diz o Oxfordiano Pickering, que exige do ensino formal contemporâneo, que transforme “cada aluno em um autodidata para a vida toda”.
Daí porque, em plena era do conhecimento, o povo brasileiro continua deseducado. Isso ocorre justamente no momento em que o saber, como dizia Bacon, já no século 16, passou a ser o poder. E vale esse axioma tanto para o cidadão comum, como para as nações no seu convívio global. É preciso ter modernidade e funcionalidade, que são as duas faces da qualidade do ensino. A UNESCO chama isso de pertinência. A educação brasileira carece de pertinências.
Façamos, tão rapidamente quão possível, um sobrevoo sobre os graus de ensino dos nossos sistemas educacionais. Primeiro, no que diz respeito à chamada educação infantil, composta de creches e pré escolas. São graus de ensino que respondem pela prontidão escolar das crianças entre zero e cinco anos. Cada real que se gaste com esses mecanismos de preparação para o início da aprendizagem formal corresponde à economia de muitos reais no decorrer da escola fundamental, porque são eles o antídoto para as atuais reprovações. Para universalizar as creches e as pré escolas em todo o Brasil, há que criar cerca de 7 milhões de vagas, no primeiro caso (correspondentes a duas populações do Uruguai) e não menos que 3 milhões no segundo.
No que toca à alfabetização, o panorama não é nem um pouco risonho. As escolas de ensino fundamental, que, no passado, alfabetizavam crianças no decorrer da primeira série desse nível de escolaridade, hoje não conseguem faze-lo nem mesmo nos três primeiros anos desse curso. E tudo por culpa das polêmicas de fundo ideológico que tomaram de assalto as universidades e faculdades, que ministram as licenciaturas de Pedagogia. Várias correntes disputam a primazia dessa atividade e, com isso, são poucos os mestres que ainda sabem, com êxito, alfabetizar crianças. A mim me parece que são polêmicas indefensáveis, eis que não importa o método de alfabetização utilizado pelos mestres, o que importa é ter todas as criança s alfabetizadas ao fim da primeira série do ensino fundamental. Ou, como dizia aquele presidente chinês em relação ao regime econômico, que deveria praticar-se em seu país: Não importa a cor do gato, desde que continue a caçar os ratos!
Por essas e outras razões, o processo de alfabetização entrou em decadência entre nós e surgiram milhões de analfabetos funcionais, a obterem diplomas nos graus posteriores de ensino, sem saber ler, escrever e contar com razoável aceitabilidade. É a lei dos comboios aquela que diz ser a nave mais lenta a determinante da velocidade de todo o conjunto, que vai aos poucos, contaminando todos os graus de escolaridade no Brasil, a ponto de o fracasso dos alunos se ir multiplicando do ensino fundamental até o superior.
A situação é tão mais grave quanto é verdade que o ensino fundamental deveria ser o mais qualificado de todos, eis que é a única escolaridade que terá a maioria dos cidadãos brasileiros. Não é o que ocorre e, com isso as deficiências iniciais dos alunos se irão potencializando nos graus futuros de escolaridade que, por sua vez, vão rebaixando, de ano a ano, o seu teor de qualidade. É a nave mais lenta a conduzir o sistema como um todo!
E quanto ao ensino médio: a metade dos formados no fundamental nele não se matriculam, e aqueles que o fazem se vão evadindo ao longo do curso. Com isso cria-se a multidão dos nem, nem (nem estudam, nem trabalham), que hoje, cresce no país. Mostram as pesquisas que o motivo maior de abandono dos estudantes nesse nível, se deve ao fato de que o ensino dado nesses colégios nada tem a ver com as aspirações dos jovens e/ou a continuidade dos estudos com seu necessário preparo para o mercado de trabalho. O melhor termômetro para medir a qualidade desse grau de escolaridade, é o chamado PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), patrocinado pelo OCDE e do qual o Brasil participa como convidado, a cada dois anos. Os alunos devem ter no mínimo 15 anos e as provas versa m sobre matemática, ciências e língua vernácula. Pois o Brasil, desde que existe o Pisa (anos 2.000) tem sempre ficado no último terço da classificação.
O ensino superior é o grande herdeiro disso tudo e também enfrenta inúmeras dificuldades para datar seus cursos de uma melhor qualificação. A partir da reforma havida em 1968, deu-se a explosão expansionista do ensino superior privado, que muito contribue, com algumas raras exceções, a piorar o nível desse grau de escolaridade. De norte a sul, de leste a oeste, não faltaram aventureiros para abrir faculdades disto e daquilo. Muitas fecharam, outras se fundiram entre si e algumas conseguiram crescer para se tornarem universidades. Passados tantos anos, a lei dos comboios ainda vige no precário funcionamento dessas instituições. No que diz respeito à pertinência, salvo este ou aquele caso, deixa a rede de ensino superior muito a desejar.
Aqui cabe uma pergunta: será que haverá salvação para essa educação tão perpassada de negatividades? e minha resposta é sempre a mesma: Claro que sim. Primeiro porque muitos dos países, hoje, prósperos e primeiro mundistas passaram por agruras semelhantes às nossas, e, depois, porque todos sabem que o desenvolvimento sócio-econômico, que consta como aspiração nacional prioritária da nossa Constituição, não se faz, sem que a população como um todo, não se tenha valido de uma educação básica de qualidade. Ademais eu e os professores desta nação, somos educadores, e ninguém educa ninguém, se permanentemente, não conseguir manter em alta as suas esperanças.
Senhores e senhoras, permitam-me encerrar estas considerações que já vão suficientemente extensas, com uma palavra de aplauso à instituição do prêmio Guerreiro da Educação e a todos, os que, pela liderança que tiveram e a obra que construíram, fizeram jus a recebê-lo. Primeiro, pois, ao jornal “O Estado de São Paulo”, pelo respeito de que desfruta, no país e fora dele, e pelo jornalismo nota dez que pratica baseado na incondicional luta, que desenvolve, o tempo todo em favor da liberdade de expressão e da defesa dos direitos humanos. Depois, à memória de Ruy Mesquita, de quem tive a honra de ser amigo, e com quem discutia frequentemente sobre as mazelas da educação no mundo e no Brasil.
Quanto ao CIEE, trata-se da maior ONG a funcionar na América Latina. Fundada por um grupo de educadores e de empresários paulistas há mais de meio século, nasceu com a finalidade de fazer uma ponte entre os sistemas de ensino e o mercado de trabalho. Nestes cinquenta e cinco anos de sua existência desenvolveu atividades que beneficiaram milhões de estudantes através de estágios e dos cursos de aprendizagem. Sempre com vistas a minimizar o excesso de eruditismo dos currículos escolares e oferecer aos estudantes um excelente convívio com o mundo do trabalho e suas peculiaridades. Tendo iniciado suas atividades modestamente, foi, mediante os resultados que obteve nos seus anos iniciais de funcionamento, se espalhando por todo o Brasil, e se transformando neste gigante que todos admiram e aplaudem. Permitam-me que, aqui, reitere os meus agradecimentos tanto ao jornal “O Estado de São Paulo” quanto ao CIEE, notadamente a seus Conselhos Administrativo e Consultivo, que votaram no meu nome para receber, no ano em curso, o Troféu Ruy Mesquita e o Prêmio Professor Emérito. Tal gesto, além de honrar-me sobremaneira, coloca-me na companhia de gigantes da vida educacional e intelectual deste país, a saber: Rute Cardoso, Miguel Reale, Esther de Figueiredo Ferraz, Luiz Decourt, José Pastore, Hélio Guerra, Antônio Cândido, Paulo Vanzolini, Paulo Nogueira Neto, Clodowaldo Pavan, Ives Gandra da Silva Martins, Evanildo Bechara, Adib Jatene, José Cretela Jr; Angelita Habr-Gama; Antônio Delfim Netto; William Saad Hossne; José Goldemberg; Celso Lafer, Rubens Ricupero, Roberto Rodrigues e Fernando Henrique Cardoso.



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