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Acadêmico: Antonio Penteado Mendonça "Primeiro foi o mar, selva noturna/
Com solidões de estrela na manhã.
Houve marcos plantados em salsugem/
E fronteiras na espuma descoberta.
Primeiro foi o mar, o chão de espanto/
Sulcado pela quilha dos arados.
Depois, houve caminhos e sementes/
O sonho despertou areias brancas/
E a treva amanheceu em madrugada "
SER PAULISTA Primeiro foi o mar, selva noturna/ Com solidões de estrela na manhã. Houve marcos plantados em salsugem/ E fronteiras na espuma descoberta. Primeiro foi o mar, o chão de espanto/ Sulcado pela quilha dos arados. Depois, houve caminhos e sementes/ O sonho despertou areias brancas/ E a treva amanheceu em madrugada (Versos do “Armorial” de Paulo Bomfim). Minhas senhoras e meus senhores: Primeiro é sempre o mar. A imensidão oceânica nos separando da vida ou daquilo que nós gostaríamos que fosse nossa vida. Depois das ilusões da infância a realidade do mundo surge como um imenso oceano a ser cruzado numa pequena caravela, capaz de nos levar ao outro lado, onde esperam que arranquemos eldorados das profundezas da terra, mas onde terminamos por arar o solo e plantar nossos sonhos. A imensa maioria não tem coragem para iniciar a travessia. Teme a caravela, e os monstros que podem assombrar a viagem, e as tempestades, e os próprios medos. Teme, se cruzar o mar, encontrar a nova terra. E o desconhecido plantado depois das praias. Se apavora com a idéia de ter que fazer. De ter que ser. E decidir. É sempre bom ter um oceano como desculpa para não partir, ainda que do outro lado possa brilhar um novo céu, povoado de estrelas desconhecidas e maravilhosas. Mesmo que do outro lado existam praias com palmeiras e o sol ilumine “uma estrada com sete palmos de largura, plantada com uma grama especial que a protege dos avanços da mata”. Mesmo que em algum trecho deste caminho os altos da serra recém transposta abram horizontes deslumbrantes que convidam a cruzar campos cortados por rios imensos e cercados por árvores milenares que contam no barulho das folhas a história do tempo. É melhor ficar do que partir. Aceitar a submissão à velha ordem, ao conhecido, à rotina milenar que espreme os homens como se fossem caranguejos e os impede de pensar, dando em troca a calma ilusória de que felicidade é passar a vida na mesmice de sempre, sem qualquer desafio, dentro da velha apatia atávica que amarra o neto ao mesmo medo do avô. Mas há os que aceitam o desafio, os que desde sempre imaginaram as proas cortando as ondas, enquanto a esteira do barco deixa um rastro de espuma iluminado pelo sol clareando as rotas e desenhando os portolanos. A travessia é longa, tediosa, infernal, mas do outro lado está a praia com palmeiras e depois dela os mistérios para serem desvendados, a terra para ser conquistada, os eldorados para recompensarem a coragem de partir. São Paulo é isso. São Paulo representa isso. São Paulo é o grande prêmio para quem acredita nisso. Primeiro foi o mar. O esforço da travessia. A solidão das estrelas nas manhãs marinhas, até o espanto da nova terra, iluminada por um sol radiante, com praia sem palmeiras e fechada por um paredão formando uma muralha intransponível, quando vista do mar. Depois foram os vales e montanhas transpostos pela rota mágica da estrada imprevista, até o outro lado da íngreme serra, onde os rios correm ao contrário e o clima é ameno o ano inteiro, convidando, primeiro, para ficar, tomar fôlego, e, a seguir, tocar em frente, deixando o mar para trás e com ele a possibilidade da volta para a vida mesquinha de antes da viagem. Nos campos longe da costa a cidade nasce humilde, pobre e permanece pequena. Seus habitantes são homens e mulheres de todas as origens e de todas as partes, que deliberadamente subiram a serra, em busca da liberdade infinita de poder sonhar nas noites iluminadas pelas estrelas de outro céu, ainda virgem e sem rotas marcadas, delimitando a capacidade de dormir e de fazer destes sonhos a realidade de uma nova nação, arrancada dos confins da terra pela força dos braços, pela resistência dos pés e pela certeza dos sonhos. Homens e mulheres capazes de suportar os maiores sofrimentos, de passar fome, de não ligar para a dor, nem para o sangue derramado, e de usarem os ossos dos mortos caídos na jornada como rosas do vento apontando os rumos para os que vierem depois. Em troca de manter a independência e a liberdade de escolher o próprio destino, os paulistas abriram e conquistaram mais de metade do território brasileiro, tomando à força para a coroa portuguesa uma parte enorme da América do Sul, adormecida em falsa segurança, sobre um chão de riquezas muito além da imaginação ou da tradição dos tesouros mais ricos. Para eles, o importante sempre foi tocar em frente, seguir a impaciência de seu inconformismo, abrindo a mata, arando a terra, para plantar sonhos e arrancar das profundezas das lendas fortunas tão grandes que financiaram o pragmatismo da revolução industrial inglesa. O paulista é antes de tudo um inconformista e um inconformado. Para ele o mundo deve ser permanentemente desafiado porque na seqüência da vida tudo pode ser feito de outro jeito e tudo pode ser melhorado. Depois de cada palmo conquistado, à custa de esforços extraordinários, existe outra serra para ser transposta, outro rio para ser cruzado, outro céu para deitar embaixo e deixar estrelas desconhecidas velarem pelo sono, ritmado pelo cansaço de mais um dia de trabalho incessante, sob o calor do sol ou o alívio da chuva, sempre atrás de um novo sonho e da possibilidade de transformá-lo em realidade. São Paulo é o único estado que tem em sua bandeira o mapa do Brasil. E é lógico que seja assim porque não há chão brasileiro que não tenha sido regado com sangue paulista. Saindo, desde a segunda metade do século 16, de suas vilas acanhadas do outro lado da serra quase intransponível, os paulistas marcharam - e marcham - em todas as direções, cruzando os pontos cardeais para amarrarem a unidade do território nacional nos nós deste avançar perene que fez e faz - primeiro um imenso país e, depois, cada vez mais rica, uma grande nação. Não custa lembrar que foi de São Paulo e seus arredores que partiram os homens que conquistaram e povoaram em primeiro lugar o Paraná, Santa Catarina e o Rio Grande do Sul. Que foi de São Paulo que partiram os primeiros desbravadores do sertão do Araguaia e do Tocantins. Que foram paulistas que colonizaram a margem esquerda do rio São Francisco. Que foram paulistas que subiram para povoar o Piauí e o sertão do Ceará. Que foram os bandeirantes que tomaram e ocuparam os dois Mato Grossos, e arrancaram do leito dos rios o ouro de Goiás. E esta marcha continua viva, dinâmica, colorindo de progresso e riqueza os horizontes do Brasil. As universidades paulistas estão entre as melhores do país. As estradas de São Paulo são as melhores do país. Os portos de São Paulo escoam uma enorme parte da riqueza do país. As fábricas, o comércio e os serviços paulistas geram, direta e indiretamente, a maior parte da riqueza nacional. Há 500 anos o paulista luta corajosamente pelos seus sonhos de uma vida mais rica e um mundo melhor. Pelos seus sonhos de liberdade e independência individual. Pela certeza de um dia glorioso, recompensando seus esforços. E assim luta para manter, preservar e desenvolver o Brasil. Lutou primeiro no seu próprio chão. Depois no Rio de Janeiro. E na Bahia, e em Pernambuco. Lutou no sertão do Guairá, nas missões das fronteiras do sul, no Mato Grosso. Nas guerras pela posse da terra e nos movimentos pela unidade do Brasil. Mas luta também no campo de batalha dos grandes negócios, dos empreendimentos geradores de riquezas, na implantação de novas tecnologias, no desenvolvimento e consolidação de novas alianças, unindo o Brasil ao mundo. E luta a luta heróica do dia a dia anônimo a maior de todas as lutas, que une nas tarefas cotidianas as esperanças das gerações fazendo da melhor maneira possível o pouco que cada um de nós pode fazer para fazer melhor a vida das pessoas. Este é o grande traço do paulista. Ele é um lutador e não teme lutar o bom combate, nem cruzar os mares, nem dormir sob um céu com novas estrelas. Também não teme os eldorados arrancados das lendas, nem semear sonhos nos campos regados com o seu suor. O paulista detesta a apatia, os medos ancestrais, a falta de vontade de tocar em frente, o medo de ter medo. Ele é um lutador eternamente inconformado com o que ainda não foi feito de um jeito melhor. Por isso São Paulo, desde o seu mais remoto começo, é um imã, atraindo gente disposta a pagar pra ver, e fazer o que tem que ser feito, porque tem que ser feito. Ser paulista é ser solar, claro, generoso, pensar nos outros e fazer e lutar, por si e por um mundo melhor. Ao mesmo tempo é quase ter vergonha de contá-lo. A tal ponto que a maioria da população sabe que somos o estado mais rico do país, mas não sabe como aconteceu esta história. Mas ser paulista vai além, ultrapassa as noções de terra, de berço e de corpo, para se entranhar na alma, no canto luminoso onde se forjam as vontades. Porque ser paulista é um ato consciente, uma expressão de vontade, ou a determinação imposta não como um castigo, mas como uma missão, traçada pelo destino. Não importa o local do nascimento, nem a origem, a raça ou a religião. Importa apenas a gana de fazer bem feito, desafiando céus e mares para chegar lá, saindo da vila escondida atrás das serras para mergulhar de cabeça na metrópole indomável. Eu entro na Academia Paulista de Letras sem dúvida nenhuma feliz, pelos amigos que eu tenho e que generosamente me elegeram, antes de tudo pela minha escolha consciente de querer ser paulista, despertada por uma frase ouvida na piscina da fazenda da família, quando eu ainda era menino: “tem gente que nasce com a obrigação de dar e tem gente que nasce com o direito de exigir”. Cumpria dar, e na medida do possível, fazer bem feito. Não posso julgar meus passos, mas confesso que, em média, minha falta de sono não é decorrência de uma consciência pesada, nem de remorsos, até mesmo daquilo que eu não fiz. Chego na Academia Paulista de Letras honrado por, paulista por nascimento e opção, pertencer a mais uma entidade tipicamente paulista, como também o é a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, onde sou irmão mesário. Mas chego humilde, com essa quase vergonha de ser paulista, pelo tamanho da obra de meus companheiros, nas mais diversas atividades, e pela singeleza de meus poucos feitos. Venho ocupar a cadeira de Ezequiel Ramos, vaga com a morte do poeta Geraldo Pinto Rodrigues, expoente da geração de 45, jornalista de escol e paulista por nascimento e opção, a quem desde já peço perdão se não der à cadeira que ocupou o mesmo brilho que ele lhe emprestava, dignificando-a, na continuação dos outros que vieram antes, a saber Ezequiel Ramos Junior, o fundador, Lourenço Filho que o sucedeu e Fernando Ferreira de Góes. A Academia Paulista de Letras é um microcosmo que retrata dentro de suas características únicas, as características mais marcantes do melhor de São Paulo. Fundada em 1909, a quase centenária casa de cultura sempre foi aberta a todos os paulistas, de nascimento e por opção, tanto que entre seus fundadores, 14 não nasceram no estado, mas escolheram fazer suas vidas em São Paulo. E até hoje, reproduzindo a realidade paulista, ela se orgulha em aceitar gente das mais diversas partes do Brasil e do mundo, que, em outras latitudes, podem ser inimigos de morte, mas que aqui, nas terras de São Paulo, formam um único povo, irmanado numa única vontade férrea e na certeza de que a liberdade é o maior de todos os bens. Eu sei que as bruxas não existem, mas como diz o espanhol “que las ay, las ay”. Se não, por que força do destino eu seria eleito justamente para a cadeira número 32? 32 de 1532, ano da fundação da Vila de Piratininga por Martim Afonso de Souza, auxiliado por João Ramalho. 32, de 1932, da Revolução Constitucionalista e da luta por um Brasil mais moderno e mais justo. Quando em setembro daquele ano São Paulo perdeu a guerra, com a vitória, o Brasil perdeu a chance de entrar no primeiro mundo. Só me resta agradecer a todos que de uma forma ou de outra somaram comigo, dividiram comigo, lutaram, trabalharam, amaram e acreditaram num mundo melhor, junto comigo. Muito obrigado a todos que me ensinaram tanto, sem pedir nada em troca, e em cuja amizade eu tive sempre um porto seguro nos momentos difíceis. Meus agradecimentos aos paulistas por berço ou opção e aos amigos vindos de outras partes do Brasil, que também, como os paulistas, dão um duro danado, enfrentando a vida de frente, plantando sonhos e os fazendo viver. A todos, o meu muito obrigado por, com sua luta, me ensinarem a querer um mundo de luz e a ser, antes de tudo, brasileiro. Antonio Penteado Mendonça voltar |
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