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DISCURSO DE POSSE
Acadêmico: Paulo Nogueira Neto
"Trago comigo esta bagagem de idéias, talvez assustadoras, talvez inusitadas para alguns. Mas não vos assusteis. A ideologia da civilização auto-sustentável conduzirá à cultura do amor ao próximo, da paz entre os povos, da defesa dos grandes valores naturais e morais. Sem tudo isso não há auto-sustentabilidade possível"

Ao ingressar nesta tradicional Academia, antes de mais nada desejo prestar minha homenagem aos meus ilustres antecessores na Cadeira nº 10.

Cesário Mota Júnior, o Patrono da Cadeira nº 10, viveu de 1847 até o final do século. Foi médico, deputado federal e Secretário dos Negócios do Interior. Lutou pelo aperfeiçoamento das condições de higiene pública e pela melhoria do ensino. Um dos principais colégios de Campinas tem o nome de Cesário Mota. No exercício da clínica médica mostrou grande dedicação aos seus doentes.

Cesário Mota Júnior devotou grande atenção aos problemas do ensino, quando ocupou a pasta dos Negócios do Interior. Escreveu algumas palavras muito candentes, sobre a situação do ensino nas escolas regias até o fim do Império: "se se perguntava ao mestre em que consistia a instrução pública, ele respondia mostrando casas sem luz, meninos sem livros, livros sem métodos, escolas sem disciplina. Se se perguntava o que era o mestre, designava-se um cidadão de ordinário tratado como um paria, a quem se dava esse título. (...) E a falta de meios trazia a de estímulos; a deficiência de estímulos, o desânimo; e a escola pública era, em geral, a penitenciaria do menino e o ganha pão do mestre". Essas palavras foram reproduzidas de um artigo de João Lourenço Rodrigues publicado na Monografia Histórica do Município de Campinas (1951). Esse artigo se baseou em ensaio histórico de Vicente Melillo. Embora a autoria do texto seja atribuída a Cesário Mota, tratava-se provavelmente de Cesário Mota Jr., pois foi escrita em fins do século passado ou no início deste.

Eduardo Augusto Ribeiro Guimarães foi o primeiro ocupante da Cadeira nº 10. Formou-se em Medicina. Numa época em que eram muito escassos os cientistas brasileiros, ainda estudante escreveu em 1881 um trabalho sobre a tóxica "herva de rato", a Asclepias curassavica. Viajou pela Europa. Ao regressar, radicou-se em Campinas, onde se dedicou à política, à medicina, à agricultura e à instrução pública municipal. Mais tarde mudou-se para a Capital Paulista, onde exerceu sua profissão médica com muita competência, no setor da psiquiatria e neurologia.

Há uma excelente biografia de vida de Eduardo Guimarães, escrita pelo Prof. José Ribeiro do Valle (Ciência e Cultura, 1961, vol. 13).

Além do seu trabalho pioneiro sobre a Asclepias curassavica, Eduardo Ribeiro se notabilizou também como pesquisador, pelos estudos experimentais que realizou sobre o consumo do café (verificou que aumenta a pressão arterial), sobre os efeitos cicatrizantes do mulungu (Erytrina sp), sobre o alcaloide pereirina, sobre a farmacologia de carqueja (Bacharis spp) e de outras plantas. Em 1910 Eduardo Guimarães foi um dos idealizadores e depois professor numa instituição privada de tipo Universitário, em São Paulo, reunindo uma escola de medicina com outra já existente, de Farmácia.

Apesar dos nomes ilustres que compunham o corpo docente da nova escola médica, como Pinheiro Cintra, Rubião Meira, Adolfo Lindenberg, Rezende Puech, Franco da Rocha, Alves de Lima, Pinheiro Correia e outros, a nova instituição soçobrou quando em 1913 foi instalada a Faculdade de Medicina oficial. Houve então uma série de polêmicas a respeito de ambas instituições. Eduardo Guimarães defendeu os pontos de vista da escola médica privada, precursora da Escola Paulista de Medicina.

Segundo o seu biógrafo Prof. José Ribeiro do Valle, Eduardo Guimarães foi uma “personalidade marcante, viveu intensamente; dono de idéias novas, foi acerbamente combatido”. E acrescentou mais adiante: foi "aquele que sacudiu o marasmo da medicina paulista, nos idos de 1910". Passam-se os anos e o papel pioneiro de Eduardo Guimarães foi quase esquecido. Para mim é uma honra sucedê-lo nesta Academia. Temos raízes republicanas e científicas em comum.

Cumpre assinalar ainda um episódio da vida de Eduardo Guimarães, da qual tive conhecimento através de uma antiga publicação de Paulo Nogueira Filho.

Escrevendo em 1916 sobre o Clube Republicano de Campinas, meu falecido pai referiu-se à grande epidemia de febre amarela que assolou a cidade em 1889. Os republicanos, entre os quais o meu bisavô José Paulinho Nogueira, Presidente da Câmara Municipal, destacaram-se na luta para debelar a epidemia. No mesmo dia em que o número de mortos era tão grande que não havia tempo sequer para identifica-los, o valoroso médico e republicano Dr. Eduardo Guimarães estava a postos, atendendo aos enfermos. Assim, podemos dizer, sem sombra de dúvida, que tivemos na cadeira nº 10 um Acadêmico herói, que não se arredou do seu posto de luta, mesmo em face dos maiores perigos.

Paulo Setubal, o 2º ocupante da Cadeira nº 10, destacou-se como o principal autor brasileiro de novelas de cunho histórico. A meu ver, o que mais ressalta, o que mais me impressiona na sua agitada vida, foi o ímpeto, o fulgor, o estilo explosivo, a impulsividade que mostrou em muitos aspectos da sua existência, e que se refletiram nas suas obras. Foi um homem brilhante, genial e ao mesmo tempo humilde, modesto, contemplativo. São aspectos pessoais geralmente contraditórios, mas que em Paulo Setubal estavam reunidos na mesma pessoa.

Lourenço Dantas Mota em 1983, ao apresentar os livros do grande escritor, na coleção publicada pela Cia. Editora Nacional, afirmou que "Setubal foi o grande autor de massas, dos anos 20 e 30". E acrescentou que segundo insinuação de Cassiano Ricardo, é possível "sentir com facilidade o homem Setubal em seus escritos, ao observar que o seu é um estilo gritado, como se quisesse que o leitor o "ouvisse" e não apenas o lesse". São palavras que retratam muito bem a exuberância, para não dizer o entusiasmo transbordante com que Paulo Setubal escrevia.

Os autores de romances históricos enfrentam um dificílimo dilema. De um lado, devem permanecer fiéis à História. De outro lado, devem, com fértil imaginação, suprir as lacunas deixadas pelos fatos conhecidos, devem recriar situações, devolvendo a vida ao passado. Se examinarmos objetivamente o significado das palavras, chegaríamos à conclusão lógica que a ficção é a antítese da História. No entanto, Paulo Setubal superou esse dilema. Fez os seus romances levarem ao leitor, o gosto pela História. Mostrou ao grande público muitos fatos históricos, de permeio com a ficção. Quando isso ocorre existe, é certo, o grande risco de que a versão seja o que vale, o que fica, e não o fato verdadeiro. É o que diz um famoso pronunciamento atribuído ao falecido Ministro Alkimim. Paulo Setubal, porém, procurou evitar essa armadilha, fazendo questão de se manter fiel às grandes linhas da História, mas ao mesmo tempo mostrando claramente ao leitor que estava fazendo romance. A meu ver, a melhor demonstração de que conseguiu realizar esse difícil casamento entre realidade e ficção, são as palavras do grande e austero historiador Afonso Taunay, para quem os romances de Paulo Setubal são" sempre honestamente históricos". Em outras palavras, Paulo Setubal não procurou mudar a história através de versões.

Além dos seus romances históricos, Paulo Setubal foi também um poeta bem sucedido. "Alma Cabocla" foi um livro de poemas que teve várias edições, coisa bem pouco comum entre nós. Os seus poemas escritos em linguagem simples, direta, nativista, encantaram os seus numerosos leitores.

No último e culminante de seus livros, no "Confiteor", Paulo Setubal se mostra por inteiro, como o homem que teve suas fraquezas, mas que ao renunciar a elas e superá-las criou uma imensa força interior. Assim, ele se agigantou, aos olhos das pessoas e certamente também diante de Deus. Ao reverenciar a memória de Paulo Setubal, saúdo os seus filhos Olavo e Vivi, herdeiros da inteligência e da integridade moral do grande escritor.

Gustavo de Paula Teixeira foi o 3º ocupante da Cadeira nº 10. Nasceu na cidade de São Pedro e mais tarde veio a falecer ali, em 1939, como o filho mais ilustre desse Município paulista. Foi jornalista e poeta de nomeada, em sua época. Era considerado pessoa tímida, insegura, desprendida e modesta. Tinha sentimentos religiosos. Seus sonetos receberam grandes elogios de Cassiano Ricardo. Colaborou no jornal "A Cidade" de Campinas. Suas Poesias Completas foram publicadas postumamente, pela Editora Anhembi, em 1959. Foi também autor do livro "Ementário: amor - aquarelas - cambiantes".

Embora Gustavo de Paula Teixeira fosse um poeta muito bem considerado, a ponto de suas poesias completas terem sido publicadas pela Editora Anhembi, de grande renome, manteve uma vida pessoal muito retraída. Contudo, o seu desprendimento e a sua modéstia, criaram em tomo de si uma auréola de simpatia popular. Assim, quando faleceu, a população de São Pedro lhe prestou um expressivo tributo, comparecendo em grande número ao seu funeral.

Afonso Schmidt, o 4º Acadêmico a ocupar a Cadeira nº 10, destacou-se no jornalismo e também como escritor de contos e novelas de caráter histórico. Tinha uma mensagem a transmitir. Segundo as suas palavras, no Capítulo inicial do livro "O Tesouro de Cananéia" (1964), "por temperamento, não compreendo arte pela arte, jogo de paciência para mandarins; palavras cruzadas. Suponho sempre que quem fala ou escreve tem um pensamento a comunicar, uma emoção a transmitir". A sua mensagem estava freqüentemente ligada à preocupação de divulgar o que ocorre nas camadas mais humildes da população. Segundo afirmou, "Na escuridão e no mal estar dos bairros pobres, inteligências sem nome, reunindo grãos de areia, construíram sistemas novos, cheios de lógica e beleza, mas incompreensíveis para os que se emparedaram com suas próprias mãos".

Neste mundo em que freqüentemente há escritores, autores de peças teatrais e autores de novelas de televisão que competem entre si para divulgar o que há de pior e de mais degradante, no seu afã de chocar e de deseducar, Afonso Schmidt foi uma luz na escuridão. Em Nota Explicativa publicada, no livro "O Tesouro de Cananéia", Evangelista Prado escreveu: "Jamais a pena de Afonso Schmidt exaltou o lado malévolo, malicioso, indigno, de seus múltiplos personagens". Assim, Afonso Schmidt mostrou que é possível escrever de modo atraente sem recorrer a processos moralmente condenáveis.

Em relação à obra de Afonso Schmidt, cabe também outra reflexão. O jornalismo, como todos sabem, retrata os acontecimentos que ocorrem na vida real. Ao seu lado, há também um jornalismo que se expressa como ficção literária, em contos, novelas e romances. O estilo é praticamente o mesmo. A diferença é tratar-se da descrição de acontecimentos que realmente ocorreram, ou que se passaram num mundo imaginário criado pelo jornalista escritor.

Afonso Schmidt passava do mundo real, para o mundo da ficção, com a mesma competência literária.

Nos livros de contos de Afonso Schmidt, em que estão retratados episódios da vida de pessoas da classe média e de modestos trabalhadores. Ele retratou a saga dos que construíram, com o suor dos seus rostos e com o sacrifício do seu difícil dia a dia, a gigantesca e angustiada Capital Paulista. É, em outras palavras, a saga dos que projetaram nossa cidade no mundo, levantando do bem alto o nosso brasão: "Non ducor, duco".

O 5º ocupante da Cadeira nº 10, meu antecessor, foi o ilustre médico e professor universitário (catedrático) Edmundo Vasconcelos. Para mim foi urna grande honra ser o substituto de outro professor que também pertenceu à Universidade de São Paulo. O Acadêmico Edmundo Vasconcelos, além de ter sido um médico e professor competente, escreveu muito e pronunciou numerosas conferências, num impressionante total de 850 trabalhos científicos publicados e palestras realizadas. Recebeu também um Prêmio da Academia Nacional de Medicina. No campo literário, traduziu versos de Kipling, bem como a peça Macbeth, de Shakespeare, poemas de Pablo Neruda e um trabalho de Paul Valery. Além disso é o autor de um ensaio sobre "A arte da cerâmica na China" e atualizou o Juramento de Hipócrates, prestado pelos médicos. Esses são apenas alguns dos seus trabalhos culturais.

Uma das coisas que me aproxima do Acadêmico Edmundo Vasconcelos é o fato de que ambos estudamos no Ginásio São Bento, aqui em São Paulo. Fomos alunos do Professor Tranquilo Tranquilli, certamente também de outros professores. Passamos pelos mesmos bancos escolares. Estou a ver o Professor Tranquilo Tranquilli a me dizer, nas aulas de inglês, o que deve ter dito também ao São Bentista Edmundo Vasconcelos: - recite a carga da Cavalaria Ligeira (de Lord Tennyson). O 517 então recitava: Forward, the Light Brigade / was there a man dismayed? / No thought a soldier new, / There is not to make reply / There is not to reason why / there is battle to do and die. / Canon on the right of them / canon on the left of them /, into the valley of death, they rolled. / E assim a heróica Brigada Ligeira Britânica foi dizimada na batalha de Balaklava, na guerra da Crimeia. Quando terminava, o Prof. Tranquilli me dizia: - e agora, 517, repita, que isto é muito bonito. Certamente disse o mesmo ao ginasiano Edmundo Vasconcelos.

O Acadêmico Edmundo Vasconcelos foi aluno, na Faculdade de Medicina, de meu falecido tio Nicolau de Moraes Barros, a quem chamou de "homem extraordinário". Realmente, tio Nicolau era um médico fora do comum. Por princípio, não confiava muito nos medicamentos usados no seu tempo, há uns 40 anos atrás.

O acadêmico Edmundo Vasconcelos também merece o título de homem extraordinário, ou seja, marcante, fora do comum. Acredito que ninguém, no Brasil, produziu maior número de trabalhos científicos, resultado de seus estudos e pesquisas, e ao mesmo tempo escreveu trabalhos de cunho literário e importância cultural. É, portanto com humildade e com certa apreensão, que ocupo neste momento a Cadeira nº 10 desta Academia. Não vai ser fácil suceder ao Professor Edmundo Vasconcelos, cujo brilho deixou aqui uma grande lacuna.

Procurarei ser digno de meus ilustres antecessores é o que posso declarar neste momento de emoção.

Quero agora dizer também algumas palavras sobre outro acadêmico, já falecido, mas que não ocupou a cadeira nº 10. Quebro assim uma praxe, mas estou certo de que meus pares, aqui na Academia, compreenderão o inusitado gesto. Refiro-me ao meu saudoso pai, o Acadêmico Paulo Nogueira Filho. Na sua agitada vida pública, no mundo da política, dedicou o melhor dos seus esforços à causa da democracia. Teve grandes vitórias, sendo Deputado Federal dos mais votados. Mas conheceu também o amargor do exílio, que sofreu durante 8 longos anos, na ditadura do Estado Novo. Nos últimos anos de sua vida dedicou-se à literatura de caráter histórico, sociológico e autobiográfico, escrevendo vários livros, entre os quais sobressaem as "Memórias de um burguês progressista" e "A guerra cívica", de 1932. Sempre procurou incutir em mim o amor pela democracia.

Membro da Academia, tinha grande e profundo amor a esta casa, à qual ele constantemente se referia, no círculo familiar. Estou certo de que ficaria radioso de alegria, se soubesse que seu filho Paulo Neto iria também fazer parte deste centro de cultura, que para ele tanto representava, em sua vida de lutador e escritor.

Antes de fazer algumas considerações de ordem geral, quero agradecer aqui à minha esposa Lucia, aos demais membros da minha família, aos amigos e aos colegas, todo o apoio que sempre me deram. Como diz o velho e verdadeiro ditado, "uma andorinha sozinha não faz verão".

Em 1635, ao fundar a Academia Francesa, a célula mater de todas as Academias hoje existentes, o Cardeal Richelieu escreveu que o seu objetivo era "Trabalhar com o maior cuidado e diligência para a obtenção de regras rígidas para a nossa língua, de modo a torná-la pura, eloqüente e adequada às artes e às ciências". Assim, desde o seu início a Academia Francesa considerou as Ciências como um dos objetivos de seu trabalho. Trata-se, mais especificamente, de modelar uma linguagem adequada não somente às Artes, mas também às Ciências.

Ressalto esse ponto porque pertenço ao mundo das Ciências e neste momento também sou recebido no mundo das letras, que há longos anos procuro cultivar. O mesmo ocorreu com os meus ilustres antecessores, Acadêmicos Eduardo Guimarães e Edmundo Vasconcelos. As Ciências e as Letras estão em permanente convergência. A esses dois mundos, poderíamos agregar o da qualidade da vida, ou mais precisamente o do meio ambiente. É na realidade um tripé, do qual, estou cada vez mais convencido, depende a própria vida da humanidade, na face do planeta.

Numa época em que as ideologias se esboroam, temos que procurar novos rumos, novos objetivos e até mesmo redirecionar antigas filosofias. Perdoe-me o ilustre Acadêmico Miguel Reale esta incursão no seu campo, mas quero aqui remontar brevemente aos meus tempos do curso Pré-Jurídico, que antecedia a Faculdade de Direito. Havia então uma cadeira de História da Filosofia, regida com brilhantismo pelo saudoso Acadêmico Monsenhor Castro Nery. Cada aluno tinha que fazer um trabalho sobre um filósofo. A mim coube Leibnitz, ilustre e genial alemão filósofo, matemático, lógico e homem versado em ciências naturais. Segundo Leibnitz vivemos no melhor dos mundos possíveis. Isso está de acordo com a vontade divina, que sempre quer o melhor. Então talvez embutidas nessa mensagem filosófica de Leibnitz as razões profundas do prudente otimismo que me acompanha através da vida, e que me empurra para a frente, mesmo nos momentos difíceis. É um otimismo fundamental, como o de Leibnitz, e que também tem na sua base, uma profunda fé cristã.

Mas retomemos ao tripé Ciências, Letras e Qualidade de Vida. Para que o planeta possa ser salvo dos imensos desastres ambientais que se avizinham e se agravam, é preciso que a Humanidade tenha: consciência desses perigos. É necessário que todos saibam que a catástrofe ecológica planetária, representada principalmente pelo aquecimento atmosférico, tem grande parte as suas raízes, no avanço descontrolado e até mesmo irresponsável das tecnologias que usam e abusam da queima de combustíveis fósseis. Essa combustão lança à atmosfera quantidades inimagináveis de carbono poluente. Por outro lado, a miséria é a grande responsável pela explosão demográfica que ameaça levar à fome, à carência, ao desespero, ao crime e à destruição, não apenas milhões de pessoas, como ocorre hoje, mas bilhões, como poderá ocorrer no próximo século. Como, porém, evitar esse cenário dramático que nos espera nas próximas dezenas de anos?

Entra aqui a minha perspectiva Leibnitziana, prudentemente otimista. A Ciência e a Tecnologia, embora redirecionadas a toque de caixa, poderão ser as grandes propulsoras e viabilizadoras do desenvolvimento auto-sustentável, propugnado pela Comissão Brundtland das Nações Unidas, à qual tive a honra de pertencer. As grandes ideologias do futuro, as grandes linhas filosóficas do amanhã, terão que se alimentar e de evoluir em torno dos princípios do desenvolvimento auto-sustentado. Adeus às falácias do materialismo histórico, adeus às loucuras Nietcheanas, adeus aos liberalismos desligados das preocupações humanas. O homem deste fim de século, o homem do próximo milênio, está e estará muito mais interessado na lógica do desenvolvimento auto-sustentável, e nas filosofias e ideologias que promoverão e privilegiarão esse tipo desenvolvimento. Será inclusive, sob o aspecto teológico, uma avenida que poderá ajudar no reencontro da pessoa humana com o nosso Deus Criador. Uma das molas e fundamentos do desenvolvimento auto-sustentável é o amor ao próximo. A Comissão Brundtland definiu esse tipo de desenvolvimento, como aquele que não prejudica as gerações futuras. O próximo que Cristo nos ensinou a amar, certamente não é apenas aquele que está ao nosso lado, mas são também as incontáveis gerações futuras que herdarão de nós esse planeta conturbado.

A nossa grande esperança, em relação ao futuro ou que outro nome tenha, do ideal do desenvolvimento auto-sustentável. Esse novo tipo de desenvolvimento permitirá obter uma melhor qualidade de vida. Contudo, para atingir esse objetivo são necessárias medidas sérias da proteção à diversidade biológica, de manutenção das florestas tropicais e sobretudo medidas de restrição aos gases causadores do efeito estufa, que provocam um desequilíbrio climático. Melhor qualidade de vida, convém lembrar, dependerá igualmente da erradicação da miséria. Poderão talvez dizer que todo esse ideal é uma nova utopia, a utopia de nossa época. Que seja. São as utopias que fazem os homens caminhar. São os Dons Quixotes os que tocam para a frente os Sanchos Panças do mundo. Para que a Humanidade caminhe, é preciso que haja uma luz interior, um objetivo, um ideal em cada um de nós.

Toda essa caminhada, porém, depende do mundo da comunicação, do mundo da palavra escrita e falada. A vontade pública, a opinião pública, não existe, não se forma, não tem consistência, se as mensagens apropriadas não são divulgadas, se o pensamento não se estrutura e não se difunde. É através da linguagem que os resultados obtidos pelas pesquisas científicas chegam aos tomadores de decisões. É por meio da linguagem que os novos ideólogos do desenvolvimento auto-sustentável levarão a opinião pública a pressionar Governos, a exigir o cumprimento dos princípios de uma Carta da Terra. Esta, diga-se de passagem, será um dos resultados da Conferência Rio-92, mais conhecida aqui como ECO-92.

Chega-se, assim, à velha e muito verdadeira estória do Rei que perdeu a batalha porque faltou um cravo na ferradura do cavalo de seu mensageiro, que levaria às suas tropas a mensagem decisiva.

A linguagem dá vida e forma às idéias. Retorno aqui ao pensamento de Richelieu, em 1635, quando fundou a Academia Francesa. É preciso cultivar a língua, em benefício das Artes e das Ciências. Se as pessoas não se exprimirem adequadamente, se os ideólogos do desenvolvimento auto-sustentável não souberem veicular suas mensagens, se os Cientistas não divulgarem bem as suas pesquisas, será perdido o cravo da ferradura do cavalo do mensageiro e seremos todos derrotados na luta para reabilitar o planeta. O grande papel das Academias de Letras, consiste em promover e incentivar, no que estiver ao seu alcance, o uso correto do idioma. Somente assim este poderá ser um eficiente instrumento a serviço da qualidade de vida, da ideologia ambiental do desenvolvimento auto-sustentável e de outras causas justas e dignas.

Não é essa uma tarefa fácil.

Antes de terminar quero fazer também algumas considerações sobre a literatura e seus estilos, passados e atuais. O gongorismo, com os seus arroubos exagerados, sobrevive somente em alguns poucos palanques de políticos ultrapassados. Contudo, a preocupação parnasiana pelo estilo impecável e clássico, ainda está muito viva. Assim, é proibido repetir palavras. É vedado usar palavras estrangeiras, mesmo as de uso técnico. O belo e a harmonia no estilo é o ideal a cultivar na redação dos textos. Tenho observado ser essa herança parnasiana uma preocupação constante, nas muitas ocasiões em que redigi textos juntamente com outras pessoas. São preocupações estilísticas que vieram da França e que aqui se instalaram. No mundo que ora se inicia, o belo também existe, mas mudou de lugar. Deixou de ser a frase elegante. Agora o belo é escrever claro, com precisão, sem deixar lugar a duvidas. A Ciência, para atingir os seus objetivos, requer um novo estilo direto e preciso. Os trabalhos científicos também são literatura. São parte importante da literatura básica da civilização auto-sustentável.

Trago comigo esta bagagem de idéias, talvez assustadoras, talvez inusitadas para alguns. Mas não vos assusteis. A ideologia da civilização auto-sustentável conduzirá à cultura do amor ao próximo, da paz entre os povos, da defesa dos grandes valores naturais e morais. Sem tudo isso não há auto-sustentabilidade possível. E acima de tudo, tal como Leibnitz, temos que admitir sempre que Deus nos conduz, no melhor dos mundos possíveis. Entendo, porém, que cabe a nós fazer a nossa parte, para melhorá-lo ainda mais, seguindo as normas que Cristo nos deixou.





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