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O FIM DA ‘PAX AMERICANA’ E O AQUECIMENTO GLOBAL
Acadêmico: José Goldemberg
É necessário mais cooperação internacional e não o oposto, como pretende Trump

O fim da ‘pax americana’ e o aquecimento global

A eleição de Trump para o seu segundo mandato na Casa Branca tem sido caracterizada, até agora, por um abandono de compromissos internacionais e pela reafirmação das tendências isolacionistas dos Estados Unidos.

A sigla Maga (Make America Great Again), adotada por ele, representa uma tentativa de voltar ao passado em que os Estados Unidos eram a potência industrial dominante no mundo. Sob Trump, os Estados Unidos estão abandonando o papel de polícia mundial e protetor dos seus aliados com seu poderio nuclear, consequência da vitória sobre a Alemanha e o Japão na Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Após a vitória em 1945, os Estados Unidos não retiraram seus militares dos países vencidos como havia ocorrido após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Ainda hoje existem cerca de 800 bases militares americanas em mais de 70 países ao redor do mundo. Esta presença militar garantiu aos Estados Unidos um papel preponderante no mundo ocidental, tanto no plano militar como econômico.

Sucede que, como resultado da expansão industrial dentro do bloco ocidental e na melhor tradição do sistema capitalista, parte dela se deslocou dos Estados Unidos para a China, Vietnã, Tailândia e outros países em que o custo da mão de obra era mais baixo. Por exemplo, a importação de automóveis mais baratos da China e, outros produtos, gerou sério desemprego em algumas regiões. Os ressentimentos resultantes levaram à eleição de Trump, que pretende recuperar o papel que os Estados Unidos tinham no passado.

De acordo com Joseph Nye, eminente professor da Universidade Harvard e ex-secretário de Segurança Internacional do governo americano, existem três instrumentos de poder para conseguir isso: coerção, cooptação (e corrupção) e atração, em que o exemplo de sucesso econômico e social faz amigos e atrai aliados.

Trump claramente optou pelos dois primeiros e negligenciou o terceiro ao fechar a Voz da América, a Agência Internacional de Desenvolvimento, desprestigiar as universidades, abandonar a Organização Mundial de Saúde e a Organização Mundial de Comércio. Os Estados Unidos já haviam enfraquecido consideravelmente a Convenção do Clima adotada em 1992 ao se recusar a ratificar o Protocolo de Kyoto e ao se retirar do Acordo de Paris.

São muitos que interpretam estas tendências como o prenúncio do fim do papel dominante dos Estados Unidos no mundo, nos últimos 100 anos (“o século americano”), em que o país assumiu o papel que a Inglaterra teve no século 19 com seu imenso império colonial.

Frequentemente comparações são feitas com o declínio e queda da Roma Imperial no século 5 da Era Cristã após mil anos de domínio mundial inconteste. Mais ainda lembram estes analistas que o fim do Império Romano foi seguido por outros mil anos de caos e desordem na Europa no período histórico que se chama de Idade Média.

Essa é uma visão equivocada. O fim da pax americana vai permitir a ascensão e liberação de outros países, como já está ocorrendo hoje. O Império Romano foi um período de estagnação tecnológica completa: um império agrícola em que a posse da terra, a pilhagem e a escravização dos seus habitantes eram motivos de guerras, que exauriram seus recursos e o levaram à ruína.

Hoje, além dos Estados Unidos, temos a União Europeia com enorme capacidade tecnológica e o dobro da população americana, além da China, ascendente em todas as áreas, bem como da Rússia, com enorme poderio militar. Mais ainda, o fim do colonialismo no século criou novos atores importantes no cenário internacional como a Índia, o sudeste da Ásia e países da África.

Esses países, com seus enormes recursos, parecem todos mais sensíveis a uma visão globalista do que os Estados Unidos em muitas áreas.

No que se refere à Convenção do Clima em particular, é preciso reconhecer que resolver o problema do aquecimento global se mostrou mais complexo do que nos fizeram crer os economistas e ambientalistas nas últimas décadas do século 20, sobretudo diante da necessidade óbvia de resolver problemas mais urgentes em países em desenvolvimento.

O problema central neste caso é produzir a energia indispensável para movimentar uma economia que não para de crescer no mundo todo (sobretudo nos países menos desenvolvidos), consumindo menos combustíveis fósseis.

Sucede que os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão já fizeram isso com sucesso usando tecnologias avançadas mais eficientes e novas fontes renováveis de energia, reduzindo efetivamente sua dependência de combustíveis fósseis (que são praticamente insubstituíveis para o transporte de bens e serviços). O Brasil contribuiu nesta área com biocombustíveis.

Esses países, contudo, representam apenas 20 das emissões mundiais de carbono, sendo necessário estimular e ajudar os demais países do mundo a reduzir as suas emissões.

As tecnologias para tal existem, sendo essencial que governos abram caminho para sua adoção. Mais cooperação internacional e não o oposto, como pretende Trump, é que poderá fazer isso.

Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 30 06 2025



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