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![]() Acadêmico: Bolívar Lamounier O risco de o sr. Trump detonar a organização econômica mundial não é pequeno. Basta ver que ele se dispõe a começar por seu próprio país
Um enigma facilmente desvendável Distraída, a maioria eleitoral norte-americana não percebeu a simplicidade do enigma que lhes foi apresentado na eleição presidencial passada, e tampouco a perceberam os milhões de turistas que por lá andaram. O enigma é como aquela gente conseguiu condensar todos os defeitos do país num só indivíduo – Donald Trump – e, em seguida, elevar o resultado à enésima potência. Para ser bem compreendido, tal enigma requer algumas indagações complementares. A que defeitos estamos nos referindo? Por que não os percebemos com a devida antecedência? No que toca aos americanos, muitas respostas podem ser cogitadas. Desde o aparecimento, em 1885, do livro Congressional Government, de Woodrow Wilson, os americanos continuaram a louvar as qualidades de seus dois grandes partidos – o Democrata e o Republicano – não se dando conta de que a quase totalidade dos livros sobre o governo federal publicados no último meio século carrega títulos como Presidential Power (R. Neustadt, 1960), The Imperial Presidency (Arthur Schlesinger, 1973), The Personal President – Power Invested, Promise Unfullfilled (Theodore Lowi, 1985), Presidency by Plebiscite (Craig A. Rimerman, 1993). O caso dos visitantes estrangeiros é mais facilmente compreensível. Turistas raramente viajam a países pobres ou perigosos. Visitam países ricos, nos quais possam se esbaldar fazendo compras, seguros ou bem cuidados, que lhes propiciem amplas possibilidades de lazer. Sabendo que são países pobres e violentos, pouquíssimos vão à Bolívia ou vêm ao Brasil, e mesmo os que viajam aos Estados Unidos evitam bairros sabidamente marcados por conflitos raciais ou riots (ataques violentos em larga escala), como o de Watts (Los Angeles) de 1965 ou o de Detroit de 1967. Na mais que notória simbiose entre racismo e violência, não há como esquecer o assassinato de um homem negro, George Floyd, por um policial branco, Derek Chauvin, que sufocou Floyd sob sua bota durante quase 10 minutos. Este exemplo decorre de uma longa história de racismo e fanatismo. Remonta aos tempos da Ku Klux Klan, aquele bando de encapuzados ridículos que não se cansava de assassinar negros e de incendiar igrejas, principalmente as batistas, que se empenhavam em lhes dar proteção. No Michigan, na localidade chamada Wayne County, a extrema direita não encarnava apenas o racismo, mas também o antintelectualismo, atacando justamente um ponto do qual todo americano deveria se orgulhar: o melhor sistema de ensino universitário do mundo. Pelo menos 15 das melhores universidades do Primeiro Mundo têm sede nos Estados Unidos. Cabe indagar se foi de caso pensado que o atual inquilino da Casa Branca escolheu como alvo de suas agressões a icônica Universidade Harvard. O duplo viés (doméstico e estrangeiro) a que me referi explica uma parte da vasta ignorância a respeito da sociedade americana, do padrão raivoso de conflito que nela periodicamente se manifesta e, em particular, de sua receptividade a um gênero de populismo especialmente virulento. Um bom exemplo é a própria Guerra Civil de 1861-1865. O número de presidentes assassinados (quatro) também impressiona: Abraham Lincoln (1865); James Garfield (1881); William McKinley (1901); e John F. Kennedy (1963), sem esquecer o número de líderes da melhor estirpe, como Martin Luther King Jr. (1968), atingido por um tiro na sacada de um hotel em Memphis, Tennessee, e Robert Kennedy (1968), este tendo antes exercido a Procuradoria-Geral dos Estados Unidos. Claro, assim como há pontos baixos, também os há altos. O ponto forte do sistema é, sem dúvida, o Judiciário (o que, paradoxalmente, explica por que o país contabiliza, em números absolutos, a maior população carcerária do mundo). Pelo lado positivo, basta lembrar que ele mandou prender (no dia 14/5/2011), sob acusação de assédio sexual no hotel de Nova York onde se hospedara, o francês Dominique Strauss-Kahn, ex-presidente do Fundo Monetário Internacional, mandando retirá-lo do avião em que já embarcara. Mas nem tudo é tão admirável. Este ano, a Justiça admitiu a eleição e a consequente posse do sr. Trump na presidência mesmo após ele ser condenado por falsificar registros financeiros para ocultar pagamento feito à ex-atriz pornô Stormy Daniels, e tendo, no mínimo, meia dúzia de indiciamentos por outras condutas. Anteriormente, em 2016, o processo eleitoral fora regido pelo inacreditável arcaísmo do Colégio Eleitoral, graças ao qual Trump chegou à presidência, embora sua adversária, Hillary Clinton, tenha granjeado a maioria dos votos populares. Em se tratando de Donald Trump, tudo o que até aqui foi dito ainda é pouco. E continua a ser pouco mesmo com o acréscimo de sua macabra parceria com Vladimir Putin, cujo currículo tem como principal destaque seus anos de aprendizado na KGB. Isso porque o risco de o sr. Putin detonar uma de suas 6 mil bombas atômicas é relativamente pequeno. Nem ele deve estar próximo de tamanha alucinação. O risco de o sr. Trump detonar a organização econômica mundial não é pequeno. Basta ver que ele se dispõe a começar por seu próprio país. Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 03 05 2025 ![]() ![]() |
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