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POLARIZAÇÃO E RADICALIZAÇÃO
Acadêmico: Michel Temer
No Brasil, não há mais discussão de ideias quando se trata daqueles que querem chegar ao poder federal para dirigi-lo

Polarização e radicalização

Reservo a palavra polarização para o embate de ideias, de programas. Ela é fundamental na democracia. Esta exige visões diferentes de país, de mundo, de governo. Não há, nem houve nunca, uma ideia única no meio social. A não ser aquelas postas pela ditadura, ou seja, aquele sistema que desautoriza controvérsias. E até as pune.

No Brasil, não há mais discussão de ideias quando se trata daqueles que querem chegar ao poder federal para dirigi-lo. Há, sim, radicalização, que é atividade distante do campo programático. É a disseminação do mal querer, do ódio entre pessoas e até entre instituições. É a agressão verbal, até física, entre brasileiros e até contra instituições. Vide o 8 de janeiro de 2023. Veja-se a agressão a prédios públicos quando se discutia as indispensáveis reforma trabalhista e previdenciária em 2017. Nada de formulação de conceitos ou posições. Apenas agressividade. E tudo nasce da pregação do “nós” contra “eles”. Percebia-se que durante muito tempo, o “nós” tinha organização e militância. Ao longo do tempo o “eles” também se organizou e passou a ter militantes. Induvidosamente, as redes sociais tiveram papel preponderante no acionamento dessa divisão. Se em tempos passados eram poucos os que tinham acesso à informação e condições de manifestar-se, as redes sociais constituíram-se em campo aberto para ambas aquelas atitudes. Todos se informaram e todos militaram. Mas a falta da propagação de ideias, de conceitos e sistemas forneceu caminho errado para os manifestantes. Nada de polarização e muito de radicalização. Isso porque os que se manifestam não recebem dos governantes um programa para defendê-lo. Apenas gestos e falas virulentos sem nenhum conceito embutido neles. “Ora, se os líderes assim se comportam, por que não poderei eu fazê-lo?”, é, seguramente, o que muitos se indagam.

Costumo registrar que o homem público, especialmente, o dirigente da Nação, serve de exemplo, de baliza para os seus jurisdicionados. Se este prega o embate pessoal, não o ideológico, todos se acham no direito de repeti-lo.

Não milito mais na vida pública, mas ouço muito em face de natural procura. E o que os meus ouvidos ouvem é que o povo está cansado dessa radicalização. Quer a polarização de ideias. Quer saber o que o candidato pensa sobre o País e o mundo. Quer projeto de poder. Quer programa. Quer poder dizer, por meio do voto, se concorda ou não com o projeto político oferecido. No fundo, quer respeito pela cidadania. Daí porque, em artigo anterior, Esquerda, direita, centro... (Estadão, 23/11/2024) propus que as tendências rotuladas como direita, centro e esquerda, apresentassem, por meio do seu candidato, projeto para o País. Não seria nome contra nome (como é hoje), mas programa contra programa.

Registro que, no passado, vários momentos foram reveladores de projetos concretos. Relembro o plano de metas de Juscelino Kubitschek, o plano de reformas de Fernando Henrique Cardoso, a redemocratização pregada por Tancredo Neves e executada por José Sarney e a Ponte para o Futuro, no nosso governo. Eram mensagens programáticas que mobilizavam o País.

Até mesmo no tópico das estruturas partidárias, tudo era diferente. O episódio autoritário e antidemocrático de abril de 1964 ensejou a criação de dois partidos que tinham posição e proposta: a Arena e o MDB. O primeiro, a favor do Estado que se instalou no País; o segundo, contra o status quo. Eram posições bem definidas, o que permitia ao eleitor a escolha por uma das propostas. Eram partidos políticos no sentido que se lhes deve dar: partido, vem de parte; político vem de polis. Portanto, os partidos eram parcelas da opinião pública que optavam por uma ou outra concepção para dirigir a polis, ou seja, União, Estado ou Município.

Em muitos países, há fenômenos programáticos. Tome-se os Estados Unidos da América. Embora permitidos os partidos, são dois, sempre, os disputantes das eleições: o republicano e o democrata. Tudo porque são agremiações com posturas político-governamentais consolidadas e bem definidas. Se apanharmos o Reino Unido, lá são os conservadores e os trabalhistas. São duas forças ancoradas em conceitos e teses. Também na França, os chamados partidos de esquerda disputam eleições, com aliança ou não, com aquele rotulados de direita. São teses bem definidas. Na Alemanha, embora em sistema multipartidário, o fato é que eles todos têm definição programática: dos liberais aos verdes passando pela esquerda, pelo socialismo cristão e pelo ecológico, ou ainda dos direitos dos animais e pelo direito da família.

São breves exemplos de países que se aprimoraram nas disputas políticas.

Nesse caminho, o MDB e a Fundação Ulisses Guimarães começam a dar um exemplo na medida que lançam uma espécie de Ponte para o Futuro a partir do seu movimento O Brasil que o Brasil Precisa.

Como homenagem à seriedade política e ao eleitorado, unamo-nos todos a essa ideia. Ela ajudará a pacificar o País.

Publicado no jornal O Estado de S. Paulo/Opinião, em 10 03 2025



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