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MAIS UMA LUZINHA NO FIM DO TÚNEL?
Acadêmico: Bolívar Lamounier
Pelo lado da política, desenvolvimento requer um elenco com disposição para deslanchar uma reforma abrangente

Mais uma luzinha no fim do túnel?
 
Antes tarde do que nunca; finalmente, a economia deu sinais positivos nos Estados Unidos e trouxe forte alívio à alma dos brasileiros.

Afastado o espectro da recessão e aberta a janela para a esperada redução dos juros nos Estados Unidos, nosso índice Ibovespa reagiu eufórico, atingindo o nível recorde de 135.778 pontos. Ultrapassar a barreira maldita dos 3 de crescimento do PIB neste ano torna-se, assim, uma conjectura com pé e cabeça. Mas, claro, para a luzinha brilhar com mais força, tornando-se uma tendência efetiva, como diria o Barão de Itararé, começar já é um começo.

Por enquanto, somos infelizmente forçados a repetir que ficar patinando nos 3 durante vários anos não nos levará a lugar algum. Esse número demoníaco significa que tão cedo não conseguiremos duplicar nossa já pífia renda por habitante, sem enxergar o sonhado horizonte de um país de fato desenvolvido. Ao cronista restará a obrigação de martelar o lugar-comum de que o marco zero dessa esperança é fazer o dever de casa.

Cabe aqui evocar uma lição atribuída ao general Charles de Gaulle: “D’abord, la politique” (Primeiro, a política). Em qualquer país, desenvolvido ou não, é por aí que a situação pode se desarranjar seriamente. No Brasil, só um obtuso não percebe que a situação já se encontra assaz desarranjada. Começando pelo presidente da República, lembremos que na semana passada, sem abrir mão de sua sutileza de estadista, Lula da Silva afirmou que a Venezuela “é um regime muito desagradável”, mas não uma ditadura. Por aí podemos inferir que Lula pode até possuir outros dos requisitos necessários ao cargo que ora exerce, mas com certeza não o dom do verbo. Algumas semanas antes, presumivelmente tentando ajudar seu colega Fernando Haddad, afirmou que ajustes fiscais fazem o povo sofrer.

Do Congresso Nacional, o que mais se ouve, e não me atrevo a discordar, é que a presente legislatura é a pior de nossa história. Um parlamentarismo sério, racionalizado, como o da Alemanha, nem ele e nenhum antecessor de Lula se animaram a tentar instituir. Mas construíram com notável eficiência uma divisão de Poderes em que ambos mandam, o Centrão com a condição de amplo acesso a uma variedade de “emendas” e Lula como sua contraparte executiva, mas não exatamente “republicana”. Veja-se, a propósito, a soma distribuída aos parlamentares, um recorde histórico, compreensível em ano de eleição municipal, e ele, Lula, com o apetite aguçado pela eleição presidencial de 2026. Referindo-se em conjunto aos Três Poderes, houve quem cogitasse um almoço de reconciliação, hipótese que não deve valer mais que uma nota de três reais, como bem assinalou a jornalista Eliane Cantanhêde.

Mas isso não é tudo. Imaginar que os atuais protagonistas do processo político encetarão de dentro para fora as imprescindíveis reformas política e do Estado é incidir no grave pecado do autoengano. Primeiro, precisamos nos convencer de que nossas camadas médias e altas são despolitizadas, interesseiras, diria mesmo indiferentes aos destinos do País. (Falo das camadas médias e altas; questionar severamente os 30 ou 40 inferiores em escolaridade quase equivaleria a praticar um ato de tortura.)

Nossas camadas médias não destoam do figurino da passividade e da indiferença. Cada família, tendo empregos estáveis para se manter, casa própria e, se não for pedir demais, um automóvel, os outros que se danem. São um retrato ainda vivo de um país formado pela contrarreforma, ou seja, aquela mentalidade avessa ao estudo, aquela mesma que não foi capaz de sustentar a dianteira outrora sustentada pela Itália, que se deixou ficar na rabeira científica à medida que a dianteira migrou para o norte, para a Inglaterra e a França, países que se desvestiram dos antigos preconceitos religiosos e abraçaram de corpo e alma a ciência experimental.

Mas vejo indícios positivos. De uns dez anos para cá, diversos grupos profissionais e até famílias passaram a se reunir para conversar sobre coisas sérias. Mas isso ainda é pouco, muito pouco. A “arte da associação” a que Alexis de Tocqueville se referiu em 1835 não pode se reduzir a grupos isolados. Associar-se horizontalmente e com o objetivo de pressionar de fora para dentro os Poderes, deles exigindo as reformas e comportamentos de que o País precisa com urgência. Eis aí, em poucas palavras, a questão inexorável com a qual cedo ou tarde nos iremos deparar.

Pois é, meus caros leitores e leitoras, mantenhamos a luzinha que ora rebrilha no fim do túnel, mas conservemos, por enquanto, a dúvida sobre qual e quanto combustível a mantém acesa. No que me toca, sou forçado a repetir, com o habitual constrangimento, que, pelo lado da economia, desenvolvimento requer investimento numa quantidade e qualidade que não estão à vista, aumento da produtividade, ciência e tecnologia e um sistema econômico mais aberto ao exterior. Pelo lado da política, um elenco com disposição para deslanchar uma reforma abrangente, lúcida e corajosa.

Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 24 08 2024



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