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ROBERT BADINTER E A ABSOLVIÇÃO DA PENA DE MORTE
Acadêmico: Betty Milan
Luta do político francês é legado contra execuções praticadas por Estados.

Robert Badinter e a absolvição da pena de morte

Morreu no último dia 9 de fevereiro, aos 95 anos de idade, Robert Badinter, ex-ministro da Justiça de François Mitterrand que se tornou célebre por ter sido um dos principais responsáveis pela abolição da pena de morte na França.

Em 1972, Badinter foi o defensor de Roger Bontemps, acusado de ter assassinado uma enfermeira e um guarda. Não conseguiu evitar a morte do acusado, mas se engajou de corpo e alma na luta contra a pena capital. Roger Bontemps não era o verdadeiro assassino. Depois do desfecho trágico, a corte descobriu tratar-se de Claude Buffet.

Guardas carregam caixão com corpo de Robert Badinter, retratado na foto ao fundo, em cerimônia em Paris - Ludovic Marin/AFP - AFP
De 1972 a 1981, o combate de Robert Badinter foi ininterrupto. Disse numa entrevista ("Les Matins", 2016) que a morte parecia estar presente nas audiências —como uma hiena espreitando a presa— e, diante de um procurador talentoso, ele só dispunha das palavras para arrancar o homem da morte. Por isso, nunca se valia de notas. Não era possível convencer quem quer que fosse lendo textos escritos anteriormente. O discurso precisava nascer das profundezas.

Já de 1977 a 1981, conseguiu impedir que seis homens fossem para a guilhotina. Em 1977, salvou Patrick Henry, acusado de matar um menino de sete anos. No dia da defesa, evocou o barulho que a lâmina faz ao cortar um homem vivo em dois e depois disse aos jurados: "Se vocês decidirem matar Patrick Henry, vou encontrá-los e dizer que foram vocês que decidiram, vocês e ninguém mais". Com essas palavras, salvou da pena capital o acusado, que foi condenado à prisão perpétua.

A partir de 1977, Badinter se engajou na política e participou ativamente de duas campanhas presidenciais de Mitterrand. Quando, em 1981, o socialista foi eleito, ele se tornou procurador-geral e pôde se consagrar à causa de sua vida. No dia 17 de setembro, apresentou aos deputados o projeto de lei de abolição da pena de morte. Como a maioria dos franceses era favorável à pena capital, tratava-se de uma aposta arriscada. Não obstante, o projeto foi adotado pelos deputados e, pouco depois, pelo Senado. No dia 10 outubro, a lei foi oficialmente promulgada.

A França foi o último país da Europa Ocidental a abolir a pena de morte. Isso só aconteceu graças à luta de Badinter, que também se explica pelas suas origens. Descendia de judeus russos que imigraram para Paris, e mais de um parente seu foi exterminado num campo de concentração. Em memória dos familiares e por todas as vítimas do genocídio, ele lutou incansavelmente.

Como a filósofa Simone Weil (1909-1943), trata-se de um herói nacional. Badinter será enterrado no Panteão, como anunciou Emmanuel Macron no discurso da última homenagem. Uma fala comovente em que o presidente se endereçou também a Elisabeth, a viúva, referindo-se ao casal Badinter como um casal universal. A feminista, autora da expressão "o amor a mais", sobre a maternidade, também não será esquecida.

A causa de Robert Badinter foi e continua a ser atual porque nas últimas décadas o número de execuções aumentou —mesmo sem contar as ocorridas na China e na Rússia, que não entram nas estatísticas por serem qualificadas como segredo de Estado.

Publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 03 03 2024



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