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A DEMOCRACIA DEPARA-SE COM RISCOS CRESCENTES POR TODA PARTE?
Acadêmico: Bolívar Lamounier
A indagação que encima este texto é abordada quase diariamente pela imprensa mundial.

A democracia depara-se com riscos crescentes por toda parte?

A indagação que encima este texto é abordada quase diariamente pela imprensa mundial.

As respostas são geralmente pessimistas, e nem vejo como haveriam de ser diferentes. Entre as que me chegaram às mãos no primeiro dia de março, a que me pareceu especialmente clara e concisa está num trecho de um artigo de Tom Nichols na revista norte-americana The Atlantic . Transcrevo-a, em tradução livre: “A morte de Alexei Navalni foi o soco no estômago que tornou o inverno um dos piores para a democracia em quase todo o mundo. O governo russo argumentou que Navalny morreu de causas naturais. Suponho que isso possa ser verdade, embora saibamos que “causas naturais” são um fato comum nas colônias penais russas, cujas condições volta e meia transformam homens e mulheres saudáveis em destroços [...]. O presidente Putin aproveitou a ocasião para arreganhar os dentes a seus cidadãos, advertindo-os de que manifestações políticas no funeral de Navalny estavam proibidas. Não obstante, milhares de pessoas enfrentaram o frio severo de Moscou para homenagear Navalny com orações e flores.

Esse fato não deixou de ser um consolo, conquanto seja necessário registrar que a esposa e os filhos de Navalny não puderam comparecer”.

Meus leitores por certo acharão estranho eu tomar a Rússia de Putin como pano de fundo para discorrer sobre a questão a que recorri para intitular este texto. Nada a estranhar. Nunca imaginei que a Rússia, uma autocracia milenar, esteja prestes a atingir o limiar de uma democracia, menos ainda agora, tendo no governo um presidente moldado pela famigerada KGB. Meu foco é Navalny, o bravo cidadão que adentrou a arena como principal opositor de Putin. A brutal agressão contra a Ucrânia é outro motivo válido para suscitar aqui a questão da democracia. Dois anos atrás, a pretexto de efetivar “exercícios militares”, Putin ordenou uma invasão traiçoeira, disposto, ao que parece, a qualquer coisa para dizimar o povo ucraniano. E não nos esqueçamos de que esta não é a primeira vez. No inverno de 1932-1933, Stalin determinou a ocupação do país e o confisco de todo o alimento, sabendo-se que a Ucrânia é um dos maiores produtores de trigo. Dezesseis milhões de ucranianos foram submetidos ao holodomor, termo ucraniano que significa “deixar morrer de fome”. Nem um bom escritor consegue descrever o episódio. Aos interessados, recomendo assistir pelo UTube o filme do mesmo nome, com legendas em português.

Lembrei acima que a Rússia é uma autocracia de mil anos, que só se beneficiou de estreitas frestas para olhar mundos diferentes durante a curta tentativa de flexibilização conduzida por Gorbachev. O próprio Lenin, em 1924, em seu leito de morte, descortinou um futuro sombrio ao ponderar os deméritos relativos de Trotsky e Stalin para o suceder na direção da URSS: Trotsky, ele disse, é brilhante, mas peca por uma excessiva arrogância intelectual; Stalin, advertiu, é um risco ainda maior, tendo em vista seu habitual desrespeito para com os camaradas de partido e seus inequívocos traços paranoicos.

O que acima se expôs ainda é pouco para registrar a brutalidade que prevaleceu e ainda prevalece no chamado “socialismo realmente existente”. Na China, na virada da década de 1950 para a de 1960 do século passado, Mao Tse-Tung desfraldou a bandeira do “Grande Salto para a Frente”, mediante o qual se propunha a alcançar em 15 anos o nível de vida da Inglaterra. O resultado, como é sabido, foi a macabra cifra de 45 milhões de mortos – mais que o total da Primeira Grande Guerra. A China do todo-poderoso Hi Jiping é outro caso incontrovertível de Estado totalitário, que impede o acesso às grandes cidades de cerca de 600 milhões de trabalhadores rurais pobres e dedica 200 bilhões de dólares por ano à espionagem política interna. De Cuba não precisamos falar. Basta olhar as fotos que a imprensa divulga quase todos os dias e a emigração (se for esse o termo correto) de 550 mil cidadãos (5 da população) durante 2023.

Publicado no Facebook, em 02 03 2024



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