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GUERRA DA ENERGIA: O QUE INTERESSA AO PAÍS?
Acadêmico: Jorge Caldeira
Relatório da IEA mostra um Brasil relevante também na maior frente de batalha econômica no enfrentamento da questão climática

Guerra da energia: o que interessa ao País?

A imensa maioria dos brasileiros conhece a questão ambiental a partir dos dados de destruição de florestas: como o País detém as maiores do planeta, virou centro do debate mundial a partir de uma posição incômoda, a de devastador. Tem pontos positivos para apresentar no ano passado, mas joga sempre na defesa.

Esta nem é a parte mais importante do jogo. A segunda batalha que a humanidade trava é aquela do controle das emissões a partir de combustíveis fósseis. Essa tem um caráter muito mais econômico, pois envolve o gigantesco mercado de energia. Até pouco, o País era visto como marginal nesta frente de combate – algo compreensível, já que é um emissor muito secundário.

Este é o campo no qual as transformações estão se acelerando mais. Indicador importante da mudança: apenas cinco anos atrás, os relatórios da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) reuniam dados juntados a duras penas; um delay de um ano e meio entre evento e análise era considerado normal.

Podia ser assim, já que o cenário era de dominância absoluta dos combustíveis fósseis. Alternativas como energias eólica e solar eram assuntos de nicho: existiam em poucas economias, em escala quase de laboratório; dependiam quase totalmente de incentivos governamentais e iniciativas pioneiras.

Quando veio a crise da covid e, junto com ela, uma crise no petróleo, o cenário de análise mudou. A agência passou a tratar dados em tempo real. A troca de passo coincidiu com uma radical transformação no padrão na economia real: houve um salto imenso. O relatório sobre 2023 acaba de sair. Nada menos que 118 países têm hoje programas de mudança da matriz de energia na direção de uma economia de carbono neutro.

A aceleração no ano passado foi brutal: nada menos que 510 GW de energia renovável foram acrescentados à produção mundial (para comparar: a capacidade total de produção de energia elétrica do Brasil é de 195 GW). A taxa de crescimento foi de 50 num único ano. Nesse ritmo, as instalações devem triplicar até 2028.

A China tem uma liderança cada vez mais acentuada. No ano passado, colocou em operação 150 GW de energia solar. Esse volume equivale ao total da energia solar instalada no mundo – em 2021. Além disso, a capacidade instalada de energia eólica cresceu 68 em um ano.

A China também já está em outra fase do processo econômico: nos dois últimos anos foram retirados todos os subsídios, de modo que a competição por preços explica o resultado. O crescimento passou a ser fundado em custos menores e eficiência.

Uma novidade do relatório foi colocar o Brasil como um dos destaques entre os agentes da mudança que vem a seguir, merecendo a seguinte chamada de página: “Estados Unidos, União Europeia, Índia e Brasil se tornaram pontos brilhantes dessa transformação em todo o planeta”.

Em torno destes centros maiores passaram a gravitar políticas disseminadas por todos os continentes, gerando uma situação que é novidade na série de relatórios: uma análise comparativa das condições de custos e benefícios das diversas formas de energia agora em competição. Desconsiderados subsídios, as energias renováveis já são, em escala planetária, mais baratas para serem instaladas – e muito mais baratas para operar – do que o carvão. No ano que vem, devem superar a multissecular liderança dessa forma de produzir energia.

Com isso se abre o cenário para a grande guerra com o petróleo e o gás. Não vai ser mais uma questão ambiental, mas pura disputa de mercado. Custos decrescentes e eficiência crescente, contra um domínio de mercado cartelizado, subsídios e lucros concentrados.

Este é um cenário de competição que a indústria do petróleo não enfrenta desde as vésperas da Primeira Guerra Mundial, quando Winston Churchill, então Lorde do Almirantado inglês, resolveu substituir o carvão nacional pelo petróleo importado para mover os navios da frota – o que exigiu uma reorganização política e econômica do planeta, afora guerras regulares.

Outra mudança relevante do relatório foi a de reconhecer que a substituição rápida do petróleo passa imperiosamente pelo uso de biocombustíveis, o caminho mais viável quando se trata de transportes. Pela primeira vez, o relatório traz uma seção inteira dedicada a essa questão.

E não economiza elogios com relação ao País: “Economias emergentes, lideradas pelo Brasil, dominam a expansão global do mercado de biocombustíveis, para o qual a previsão de crescimento é de 30 nos próximos quatro anos”. A brecha de mercado para crescer é apontada: “Veículos híbridos, movidos a eletricidade e biocombustíveis estão se mostrando uma poderosa combinação para competir com o petróleo, com capacidade para uma redução de quatro milhões de barris/dia no consumo mundial”.

Enfim, o relatório da IEA mostra um Brasil relevante também na maior frente de batalha econômica no enfrentamento da questão climática. De modo positivo, não pelas promessas, mas pelas soluções. O País é o centro mundial da possibilidade de preservar florestas, mas ainda no negativo. Tem uma frente positiva para encarar. Quem sabe as lideranças nacionais se deem ao luxo de acordar de seus devaneios populistas ou negacionistas, para buscar liderança com um Plano de Carbono Neutro como representação do interesse nacional. Assim o jogo na defesa não fica obrigatório.

Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 04 02 2024



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