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Acadêmico: Jorge Caldeira Investir em plataformas – e num mercado que caminha para a obsolescência – pode ser menos negócio para a Nação do que brincar de Playmobil
Brincadeira de criança ou negócio sério? Pouco tempo atrás o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, numa entrevista a este jornal, foi bastante direto numa comparação: “O setor elétrico é muito mais simples do que o setor de petróleo. Nos contratos, nos negócios, na operação, na fabricação, na discussão regulatória. Posso dizer que, para nós, fazer eólica no mar é brincar de Playmobil. Para quem faz uma sonda, um navio plataforma dessas enormes, que fica produzindo milhões de barris em poços profundos, fazer eólica offshore é um passeio”. Em muitos sentidos, a declaração é correta. As escalas técnicas dessas duas formas de produzir energia são diferentes. A Petrobras se destaca mundialmente pelo domínio tecnológico na extração de petróleo em águas profundas. Tem uma história que não pode ser desprezada. Por oito décadas a empresa vem sendo uma construção da nação brasileira, que sustentou os riscos e percalços pagando impostos – transferidos por muito tempo para o financiamento do projeto. Enquanto se capacitava, ia criando musculatura econômica, na escala necessária para sobreviver num setor de gigantes do capital e das disputas geopolíticas planetárias. Tudo isso fundamenta a comparação do presidente da empresa. Torna crível o abismo linguístico criado pela imagem que separa os grandes homens das crianças, os desafios de titãs e o mundo das brincadeiras infantis. Esse abismo conceitual bem pode ser considerado um termo normal no entendimento de seus negócios no Brasil. Aqui, afinal, a empresa é muito gigante em relação ao ambiente ao redor. Não obstante o peso real de todas essas circunstâncias, e, sobretudo, sem perder de vista o mérito da empresa, pode-se lidar com outras escalas. Por exemplo, com aquela do mercado mundial de energia nos últimos anos. É dessa escala que trata um relatório muito recente da Agência Internacional de Energia sobre os investimentos no setor. O dado global mais relevante é uma mudança visível. Em 2015, o setor fóssil era o mais importante no mundo da energia, recebendo investimentos anuais de US$ 1,31 trilhão. Naquele mesmo ano, o investimento em energias renováveis chegava a US$ 1,079 trilhão. A partir de 2019 começou uma forte inversão de tendências. Os investimentos em energia renovável se aceleraram, enquanto aqueles no setor fóssil caíram – especialmente durante a pandemia – e só se recuperaram levemente depois. A combinação das duas tendências levou a um novo equilíbrio na situação. Em 2022, os investimentos totais em energia renovável foram de US$ 1,617 trilhão (o PIB do Brasil em dólares, para ter referência das magnitudes do setor). Uma nova liderança, deixando longe os investimentos em fósseis, que caíram para US$ 1,002 trilhão. Oito anos atrás, os investimentos em energia renovável eram 28 menores que aqueles em fósseis; oito anos depois, superam em 60 aqueles do concorrente. A previsão para 2023 é de que o fosso aumente ainda mais. Não seria necessário mais do que esse dado para mostrar uma escala que não é exatamente infantil. Essa radical mudança de tendência se reflete inexoravelmente no mercado do petróleo. Nem mesmo o imenso presente dado aos concorrentes por Vladimir Putin (a receita total das petrolíferas dobrou entre 2021 e 2022, chegando a US$ 4 trilhões) mudou as estruturas da queda. Os investimentos de capital em petróleo e gás ainda estão abaixo do nível de 2019 – e não devem chegar a esse patamar neste ano corrente. A tendência de queda, que vem desde 2014, não foi revertida. A receita extra foi empregada basicamente para pagar dividendos e diminuir dívidas – e em investimentos em energia renovável. Quem ganhou dinheiro com petróleo não gastou em petróleo. Os sinais de declínio se acentuaram. Em fevereiro deste ano, um grupo dos maiores investidores do planeta – fundos de pensão com aplicações de alguns trilhões de dólares – deu um passo para além de não investir em petróleo: mandou cartas aos diretores de alguns dos maiores bancos globais sugerindo que eles fizessem o mesmo. Seja pela força dos clientes ou – mais possivelmente – por chegar a conclusões semelhantes, bancos do porte do HSBC ou do BNP-Paribas abandonaram o setor. Outros bancos europeus, sem alarde, também estão seguindo nessa direção. Como resultado, o financiamento privado da indústria de petróleo está se tornando um negócio basicamente norte-americano e dos fundos soberanos de alguns países produtores. Sem relevantes investidores privados, acentuou-se uma tendência definida desta maneira num relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI): cada vez mais, o mercado de petróleo vai ser coisa de países em desenvolvimento, marcado pelos riscos políticos e as tentações de empregar o controle do mercado interno – onde a produção é monopólio estatal – como forma de bancar o enfrentamento da deterioração do mercado global. Algo que ver com o Brasil? Com isso se pode pensar a frase do presidente da empresa em chave menos metafórica. Investir em plataformas – e num mercado que caminha para a obsolescência a passos largos – pode ser, muito a sério, menos negócio para a Nação do que brincar de Playmobil. Publicado no jornal O Estado de S. Paulo Em 06 08 2023 voltar |
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