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Acadêmico: Jorge Caldeira Ou o Brasil aprende a nova linguagem da economia mundial ou vai sediar uma feirinha fóssil para admiradores das últimas plataformas de petróleo num mar de energia renovável
Atração de capitais ou feirinha fóssil? Outro dia cruzei na rua com alguém da grande elite política brasileira. Como entrei para a Academia Brasileira de Letras (ABL), interpelou-me para parabenizar. Perguntei o que andava fazendo. Respondeu que dirige atualmente uma área governamental encarregada de buscar investimentos para o Brasil – nada demais para seu currículo. Como vão os negócios? Logo contou um encontro com um representante diplomático de uma nação muito rica – e narrou sua desilusão: “O cara só falava em meio ambiente e descarbonização”. A decepção não foi só dele. Em silêncio, fiz minha contabilidade: mais um que não entende que seu interlocutor estava falando de negócios. Nesse rol cai a imensa maioria da elite brasileira. Para esta maioria, repito: hoje, US$ 50 trilhões, 30 vezes o PIB do Brasil, é capital que só se torna investimento, renda e emprego quando aplicado segundo cláusulas ambientais. Mais ainda. Esse modo de aplicar dinheiro é inteiramente privado. Nenhum governo ou qualquer lei obrigam os proprietários dos capitais a agir dessa forma. Não é dinheiro de caridade ou muito menos de aplicação em utopias. Trata-se dos melhores capitais do planeta: os maiores aplicadores são os gestores dos ativos de seguradoras, fundos de pensão institucionais ou administradores de grandes fortunas. Tipicamente, gente de risco AAA. Esse tipo de capital de grande qualidade raramente aparece no Brasil, com seus rankings de risco governamentais de faroeste e negócios privados que balançam e, muitas vezes, caem. Tal capital cada vez mais se expressa numa moeda, o preço do carbono. Moeda e preços criam fluxos de riqueza, oportunidades, negócios. Nesse caso, um fluxo bem claro: dinheiro transferido de emissores de carbono para capturadores ou economizadores de carbono. É exatamente deste tipo de negócio que o representante diplomático estava tentando falar. Investimentos fortes ligados a carbono neutro. Mas não se pode dizer que meu interlocutor da elite seja o único a ignorar completamente essa linguagem empresarial. Uma parte ainda maior dos ricos brasileiros tem ódio e saliva quando escuta esse tipo de conversa. Responde em linguagem de delírio, dizendo que é prosa de estrangeiros querendo acabar com a soberania nacional, impedir o progresso (não vale a pena perder tempo analisando esse peculiar uso do termo, quando aplicado contra capitais). Tal situação torna razoável uma pergunta: por que, afinal, o agente ligado a esses capitais veio perder tempo no Brasil? Pela qualidade das elites atuais, certamente, não foi. E as notícias políticas da última semana, com desenhos feitos para tornar ainda mais distantes as aplicações de capital ligadas ao preço do carbono, certamente não ajudaram. Essas notícias levam das regras de negócios privados para as regras gerais de aplicação de capitais na sociedade. Para as instituições, enfim. Nosso representante estava certamente empregando a conversa com o agente governamental brasileiro para avaliar a qualidade delas. Os aplicadores de capital das seguintes nações conseguiram levar sua atuação no setor privado para o quadro das instituições – basicamente, incentivando governos a adotar o princípio da neutralidade de emissões no âmbito do planejamento estratégico estatal, em torno de metas de carbono neutro: União Europeia, Estados Unidos, China, Japão, Coreia do Sul, Índia e até Rússia, só para falar dos maiores. Faltou alguma nação? Pois é. E por que se perde tempo com ela? Resposta singela: o Brasil tem os melhores fundamentos do planeta para uma economia de carbono neutro – de longe. Todos que aplicam capitais nessa direção sabem disso. Por isso nosso amigo estrangeiro busca interlocutores. Ousaria dizer que ele os encontra na parte do mundo privado brasileiro em que a transição para a economia de carbono neutro avança a passos largos – com destaque especial para a área de energia elétrica, na qual o País deve inaugurar três Belo Montes neste ano com energias eólica, solar e de biomassa. Tais agentes invadem um mercado até há pouco tempo reservado para monopólios estatais e preços para amigos. Afastam dos negócios gente de influência, que agora se junta aos ameaçados pelos capitais de melhor qualidade, para impedir a mudança. A economia ligada aos combustíveis fósseis e a queima de carbono florestal tem, mundialmente, as mesmas oportunidades de futuro que tiveram os fabricantes de máquinas de escrever com o advento dos computadores. Mas a elite brasileira ainda gosta de datilografia. Então, fica assim. O Brasil foi escolhido como sede para a 30.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-30), em 2025. Para quem não conhece a linguagem econômica relevante, informo: na COP-27 foram fechados negócios calculados em US$ 300 bilhões – umas 200 Agrishows somadas. Até lá, é o seguinte: ou o País terá aprendido a nova linguagem da economia do mundo e parado de chutar capital ou vai ser sede de uma feirinha fóssil para admiradores das últimas plataformas de petróleo num mar de energia renovável. Publicado no jornal O Estado de S. Paulo/Espaço Aberto Em 31 05 2023 voltar |
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