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O MAIOR MOISÉS DA TERRA
Acadêmico: Bolívar Lamounier
Nós, brasileiros, somos os maiores crédulos da Terra. Só acreditamos vendo, e às vezes nem vendo. Lendo, não sei, porque são poucos os que leem.

Nós, brasileiros, somos os maiores crédulos da Terra. Só acreditamos vendo, e às vezes nem vendo. Lendo, não sei, porque são poucos os que leem.



Em particular, não acreditamos em recuos e retrocessos. Uma quebra violenta de toda a ordem política nem nos passa pela cabeça. Faz tempo que estamos estagnados, temos uma universidade entre as 100 melhores do mundo, nossa “elite” (uso o termo entre aspas e por clemência” não chega a 10 da população, mas abocanha metade da riqueza e da renda que o Estado não haja antes abocanhado, mas tudo bem, ainda nos ferramos ao slogan positivista da Ordem e do Progresso. Outro dia uma tentativa de golpe de Estado nos deu uma coceira, mas não foi muito além disso.



Tudo como dantes no quartel de Abrantes.



Já lhes direi porque separei esta aprazível manhã de domingo para lhes contar o que li no livro de David Fromkin, “O Último Verão Europeu”. Não tem grande relevância para o Brasil e a América Latina, porque tem o mérito de ser muito pior. Fromkin, um dos principais historiadores contemporâneos, relembra-nos de que, na última década do século 19, o único Chefe de Governo com alguma coisa na cabeça era o primeiro-ministro alemão Otto con Bismarck. Via claramente a possibilidade a possibilidade de uma grande guerra na Europa. Justamente por isso, o destrambelhado imperador Guilherme II demitiu-o em 1890. Todos os outros, Chefes de Estado e de Governo, só pensavam “naquilo”: uma boa guerra. Cada garrucha que um produzissem, todos os outros produziam iguais. A meia dúzia que lia alguma coisa lia Nietzche, o apologista da guerra. Mas na superfície estava tudo calmo, bonançoso como um fim de tarde no Leblon. Num período de prosperidade, todo mundo queria era sair para tomar seu drink ao ar livre.



Acontece, como todos sabemos, que o Arquiduque Francisco Ferdinando, que em breve assumiria o trono do Império Austro-Húngaro, odiava a Sérvia e deixava entrever que pretendia anexá-la. Decidiu visitar o país com a arquiduquesa no fim de junho, justamente no dia de uma antiga data histórica sérvia. Estava cansado de saber, mas não se importou muito com o fato de os balcãs estarem coalhados de sociedades secretas – assassinos e terroristas de toda a região. Planos de atentados havia para dar e vender, mas ele confiava em sua guarda. Numa manhã decidiu dar uma volta por Serajevo em carro aberto. Entre os presuntivos matadores, não duvido que tenham tirado no par ou ímpar que iria apertar o gatilho. Pois vejam só, no meio daquele fuzuê quem o fez foi um jovem estudante que nem completara 18 anos, se bem me lembro. O automóvel partiu em alta velocidade, tentando chegar à residência do governador, mas não houve tempo. O casal já quase imperial foi atingido às 10:30 da manhã e morreu a caminho do hospital, antes das 11:00.



Chego agora ao ponto mais importante. O jovem Princip disparou os dois tiros no dia 28 de Junho. Trinta e sete dias depois – permitam-me repetir: 37 dias – toda a Europa estava em guerra. Quatro anos depois, o macabro registro atingira 20 milhões de mortos, e em seguida mais 21 milhões devidos à gripe espanhola, consequência da guerra.

Incorrigível candidato a Moisés, não creio que jamais chegaremos a algo parecido ao verão de 1914 na Europa. Como país, somos uma tragédia, ou uma tragicomédia, se preferem. Bem ponderadas as coisas, somos um país até fácil de governar. Não nos assustamos por pouca coisa. Enquanto os pobres encontrarem alguma coisa culinariamente útil nas latas de lixo, podemos dormir tranquilos. Digam o que disserem, somos “imbolsonaráveis”.



Publicado no Facebook – 29 de janeiro de 2023.



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