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Acadêmico: Ignácio de Loyola Brandão Estremeci, a memória me remeteu aos meus 22 anos. Em um domingo de 1958, eu voltava de um show, promovido pelo jornal Última Hora e dei carona para Marlene França, atriz baiana nascida em Uauá, descoberta aos 14 anos por Alex Viany em Rosa dos Ventos, lançado em 1957.
Passando pela Marginal Pinheiros, dei com a roda-gigante destinada a ser a maior da América Latina. Minúsculo pano vermelho (parecendo balãozinho) mostrava-se agarrado a uma das cabines. Estremeci, a memória me remeteu aos meus 22 anos. Em um domingo de 1958, eu voltava de um show, promovido pelo jornal Última Hora e dei carona para Marlene França, atriz baiana nascida em Uauá, descoberta aos 14 anos por Alex Viany em Rosa dos Ventos, lançado em 1957. Ela veio para São Paulo disposta a fazer carreira, e fez. Ao passarmos pelo Parque Shangai, no centro, vimos a roda-gigante. Ela arregalou os olhos: “Lô” - assim me chamava -, “vamos dar uma volta?”. Na entrada, outro pedido: “Me dá um balão vermelho?”. O filme de Lamorisse, Le Ballon Rouge, tinha sido sucesso. Feliz, apertava tanto o balão junto ao corpo que tive medo de estourar. Demos uma volta, duas, três, ela pedia: vamos passar a noite girando? Não passamos, mas tempos depois começamos a namorar. Ela, que vinha de uma separação, queria desfrutar tudo, vivíamos pela noite, mas nosso ponto mesmo era o bar Porta do Sol, na Rua Sete de Abril. Marlene cresceu na carreira, acabamos nos distanciando e ela se casou com Andrea Matarazzo Ippolito, teve três filhos, fez carreira cinematográfica nas mãos de diretores como Walter Hugo Khouri, Jorge Ileli, Aurélio Teixeira, Luiz Sergio Person, Carlos Coimbra, Fauzi Mansur, Ozualdo Candeias, Rubem Biáfora, Luiz Paulino, Roberto Santos. Viveu com intensidade os filmes da “Boca do Lixo”. Muitas vezes, quando nos cruzávamos, ela dizia: “Ah! Meu balão vermelho”. Passamos décadas sem nos ver. Nesse período, a baiana que aos 12 anos vendia doces em Feira de Santana mostrou maturidade e pioneirismo ao dirigir quatro curtas-metragens. A mulher de sorriso esfuziante ousou enfrentar a ditadura em 1983 com um documentário (assistência de Frei Betto) sobre Frei Tito, o dominicano que se suicidou sob pressão da ditadura. Em 1985, ela foi a primeira a olhar para a questão dos boias-frias no curta Mulheres da Terra. Dirigiu em seguida Meninos de Rua, em 1988, problema ainda atual. Em 1999, veio o último curta, O Vale das Mulheres. Num momento em que a batalha das mulheres está em plena erupção, espero que se dê um lugar a Marlene. A escritora e videomaker Alexandra Roscoe, de Brasília, baseada nesse retalho de vida, fez poética animação, dez anos atrás. Em 2011, em uma tarde de setembro, Maria do Rosário Caetano me trouxe a biografia de Marlene por ela escrita e me deu o telefone, há muito por mim perdido. Liguei, ela morava em um sítio em Itatiba. Reconheceu minha voz. “Lô, o balão vermelho?” A voz era débil. Duas frases e a linha foi cortada. No dia seguinte, li: Marlene tinha tido um enfarte. Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, voltar |
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