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Acadêmico: Betty Milan Direito de ir e vir é relativo diante da insegurança e das calçadas esburacadas
São Paulo em 2023 Entra ano e sai ano, e não há como andar na cidade de São Paulo. São tantos os buracos que só por milagre a pessoa não cai, correndo o risco de se esborrachar. Na Paulista, o pedestre tanto pode ser assaltado quanto tropeçar num dependente químico cujo corpo atravessa a calçada —por estar dormindo ou, infelizmente, já não estar vivo. Nas perpendiculares à avenida, as barracas não param de se multiplicar. Entre os nossos direitos fundamentais está o de ir e vir. Segundo a Constituição, somos livres para nos locomover no território nacional, podendo nele entrar, permanecer ou sair com os nossos bens. Isso figura no art. 5º, inciso XV —só que, na prática, nada significa. A menos que, entre os bens referidos na lei, não estejam a bolsa e o celular. Quem sai com eles na rua sem medo de ser roubado? Por não haver segurança, não gozamos do direito de ir e vir, que figura no papel. Na realidade, é para inglês ver, como se dizia no século 19, quando a Inglaterra exigiu do Brasil a aprovação de uma lei que impedisse o tráfico de escravos —regra que não foi cumprida. Duzentos anos se passaram e a expressão para inglês ver continua a valer. A lei… Ora, a lei. Nós, tradicionalmente, a desrespeitamos. Também por isso a rua é indevidamente apropriada. Se a rua é um espaço público destinado à locomoção, um espaço de uso comum, como podem as pessoas morar nela, instalar uma tenda e se apropriar da calçada para seu uso exclusivo? Obviamente não podem, e precisam ser ajudadas a cumprir a lei. Por que a prefeitura não toma providências? Não há recursos? Claro que há. São Paulo ocupa o 10º lugar no ranking das cidades mais ricas do mundo. Até 2025, deve ser a sexta mais rica do planeta, além de ser a capital de um estado cujo PIB é maior que o da Suécia. Dado o seu poder econômico, o perpetuamento da situação atual desqualifica a prefeitura e, mais que isso, a ridiculariza. Por que não organizar manifestações exigindo o cumprimento do direito de ir e vir? Sei bem que, pela lei, o proprietário do imóvel —residencial ou comercial— é o responsável pela reforma e conservação da calçada. Agora, se o pedestre sofrer danos corporais causados por um defeito no passeio, a responsabilidade é do município. Portanto, cabe à prefeitura reformá-lo ou conservá-lo quando o morador provar que não tem condições para isso. Por outro lado, é preciso tirar da rua os usuários de drogas que aceitam se tratar e alojá-los. No que diz respeito aos que recusam alojamento e tratamento, a melhor solução é a que foi adotada na capital da Noruega. A Prefeitura de Oslo definiu o espaço da cidade que pode ser ocupado pelos irrecuperáveis. Assim, o direito deles é respeitado, ao contrário do que se pretende fazer agora em Nova York: internar à força pessoas com transtornos mentais que ficam na rua ou no metrô. Também está na hora de remover as pessoas das tendas para moradias construídas a fim de abrigá-las. Até que seja possível encontrar outra solução. Óbvio que isso requer a intervenção e o investimento da prefeitura. Mas ela cobra impostos e taxas para custear obras, serviços e políticas essenciais para a vida na metrópole. Vivemos, nos últimos anos, um confinamento obrigatório por causa da pandemia de Covid-19. Se a situação não mudar, teremos que continuar confinados em casa em razão da insegurança. Além de nos habituarmos a não enxergar o que vemos quando somos obrigados a ir para a rua. Olhar é uma coisa, ver é outra e enxergar também. Com a vacina, foi possível combater eficazmente o coronavírus. Para o vírus da indiferença, não há imunizantes. Só podemos combatê-lo recusando a cegueira que a realidade impõe e nos manifestando de diferentes formas para defender o direito a uma cidade onde seja possível circular sem risco e sofrimento. Sei bem que resolver a questão do saneamento básico, dos desmoronamentos e das inundações é prioritário. Isso não exclui a intervenção necessária da administração pública para zelar pelo direito de ir e vir. Publicado no jornal Folha de S. Paulo/Opinião Em 05 01 2023 voltar |
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