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LIDERAR UM MUNDO DE CRISES CONVERGENTES
Acadêmico: Bolívar Lamounier
A pandemia e a guerra na Ucrânia são o pano de fundo da estratégia traçada pelo Clube de Madri para os próximos três anos

Em 2001, exatamente um mês após o ataque terrorista contra as Torres Gêmeas em Nova York, um grupo de ex-presidentes e ex-primeiros-ministros reuniu-se em Madri com o objetivo de defender e promover a democracia contra as crescentes ameaças que vinham surgindo no plano internacional.

A referida reunião, da qual nasceu o Clube de Madri, teve como patronos o rei Juan Carlos II, o ex-presidente Mikhail Gorbachev, presidente da Fundação Gorbachev, Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos, e o empresário de Comunicações Diego Hidalgo, presidente da Fundación para las Relaciones Internacionales y el Diálogo Internacional (Fride). Tive a honra de participar de tal conferência, na qualidade de assessor acadêmico, e tenho a alegria de continuar até hoje ligado à entidade.

Fiel ao compromisso acima enunciado, o Clube de Madri tem tido importante atuação no plano mundial, por meio de projetos e de relevantes contribuições às questões em debate no plano internacional.

No presente momento, o clube está disseminando o documento base de seu diálogo anual, exortando os governos, organizações multilaterais e cidadãos de todo o mundo a tomar providências contra as crises convergentes que ora se configuram. Eis o que o clube diz no parágrafo de abertura do mencionado documento, intitulado Leading in a World of Converging Crises: “Em 2022, quando o mundo mal começava a emergir da pandemia de covid-19, ela mesma caracterizada por angustiantes desigualdades em todo o mundo no tocante ao acesso a vacinas, medicamentos e recursos fiscais, a invasão da Ucrânia pela Rússia, uma violação ao Artigo 2(4) da Carta das Nações Unidas, acarretou uma fratura adicional na arquitetura de segurança da Europa e dos demais continentes. A Ucrânia vem sendo devastada, sofrendo com o deslocamento de milhões de refugiados, a morte de milhares de civis, a destruição generalizada da infraestrutura e uma brutal contração da atividade econômica”.

Tendo em conta o pano de fundo acima resumido, a estratégia do clube para os próximos três anos contempla cinco pontos principais.

Primeiro, pôr fim à guerra na Ucrânia. É dever da comunidade internacional aplicar todo o seu capital político para deter a agressão da Rússia, restaurando a integridade territorial da Ucrânia e recapacitando-a a se reconstruir econômica e socialmente.
O princípio da indivisibilidade da segurança, segundo o qual nenhum país tem o direito de garantir sua própria segurança criando insegurança para outros países, há de ser considerado como base de uma arquitetura de paz e segurança.

Segundo, reformar o Sistema das Nações Unidas. A necessidade de tal reforma tem sido reconhecida desde 2003, quando o secretário-geral Kofi Annan nomeou um Painel de Alto Nível para elaborar e implementar respostas adequadas a ameaças, desafios e mudanças com vistas a criar um mundo mais seguro.

Terceiro, garantir a segurança alimentar global. Faz-se necessária uma ação política imediata a fim de restabelecer exportações de alimentos e fertilizantes, desde logo da Rússia para os portos do Mar Negro. Todos os agentes relevantes precisam reafirmar seu compromisso de apoiar a normalização do comércio de grãos assinada em Istambul no dia 27 de julho e abster-se de qualquer ação que ponha em risco tal objetivo. Os acordos então assumidos precisam ser restaurados e ampliados. Não existe justificativa alguma para um agente expor os povos de outros países ao risco da fome generalizada. O prosseguimento da guerra na Ucrânia pode transformar o risco de uma crise de acesso a alimentos numa crise de escassez absoluta de alimentos em 2024. Isso é inaceitável. Temos de reconhecer a seguran&cce dil;a alimentar como uma questão básica de direitos humanos no século 21.

Quarto, implementar um programa de reestruturação do endividamento para economias em situação de alto risco: ação urgente do G-20 e das instituições financeiras internacionais a fim de implementar os estímulos propostos pela ONU, inclusive um substancial aumento do apoio do setor público para o desenvolvimento social e econômico e para a mitigação dos efeitos de crises humanitárias e climáticas.

Quinto, acelerar a transição energética. É imperativo reduzir as emissões de gás em 43 até 2030, para viabilizar a neutralidade do carvão agregado até 2050. Isso imporá custos econômicos no curto prazo, mas o Fundo Monetário Internacional avalia que tais custos serão compensados por benefícios da desaceleração da mudança climática no longo prazo. Reduzir as emissões produzidas pelos maiores emissores é essencial para uma efetiva mitigação dos danos ambientais.

Nesta época perigosa que estamos vivendo e sem embargo de diferenças entre Estados, é imperativo concentrar e focalizar esforços na promoção do desenvolvimento sustentável; reduzir a pobreza absoluta e a desigualdade social, aumentando a equidade dentro e entre nações; e reduzir a vulnerabilidade humana, nacional, regional e global, a que todos estamos submetidos.




Publicado O Estado de São Paulo, 05 de novembro de 2022




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