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Acadêmico: Ignácio de Loyola Brandão Éramos três e a mocinha que nos atendeu disse: Não tem lugar. Apontei uma mesa vazia de quatro lugares, ela me explicou: vocês são três, aquela mesa é para quatro
Nesta Rua João Moura havia um referencial, a Casa do Choro, famosa, lotada, grandes nomes da MPB passavam por ali. De repente, não existiu mais. Não tenho certeza se o lugar se transformou na agência dos Correios ou se o sucessor foi o Soweto, exclusivo dos negros, onde ia quem queria dançar e ouvir boa música. Fechou há muito, as fundações de um novo prédio brotam. Algumas lojinhas de antiguidades, muitas árvores, muitas frutas nos quintais dos sobradinhos. Em um deles, eu me encontrava com uma namorada, Lu Franco, redatora de publicidade que me deu o título – que Jabor adorava e invejava – do meu romance O Beijo Não Vem da Boca. Não há mais sobrados, edifícios tomaram seus lugares, a vasta vegetação foi trocada por arvorezinhas mirradas nas calçadas. Assim como o sítio e as jabuticabeiras do “seu” Chico estão sepultados em concreto. Vizinho a mim, sobe outro prédio, colado à minha parede, na qual existem, há 35 anos, duas janelas que me têm trazido sol. Mas a lei – quem faz essas leis? – diz que podem fechar tudo. A farmácia da esquina, pequena, onde nunca tinha o medicamento que a gente precisava, mas que eles mandavam buscar e entregar, deu lugar a um renovador de faces e peles de famosa estrela da tevê. Lá na ponta, existiu o Buttina, cantina do Zé e da Filó, onde se comia – debaixo de jabuticabeiras – um maravilhoso espaguete-couve-linguiça e um filetto alla Pizzaiola imbatível. Buttina fechou, tem uma nova cantina. Aqui na rua, nasceu o Underdog com carnes maravilhosas, mas tiveram de mudar de nome, agora é Borratxeria, domínio de jovens descolados. Uma noite, tentei ir ao Cão Veio, jeito simpático, creio que do chef Fogaça, mas éramos três e a mocinha que atendeu disse: Não tem lugar. Apontei uma mesa vazia de quatro lugares, ela me explicou: vocês são três, aquela mesa é para quatro. Uma dia, haverá uma mesa de três lugares. Na esquina da João Moura com a Teodoro Sampaio, havia uma colina e, sobre ela, um palacete branco imponente, parecia casa de Beverly Hills, Hollywood. Foi só a proprietária morrer, sobe um megaprédio. Sim, sei, estamos vivendo o boom da construção civil. E também um boom de concreteiras concretando – nasceram para isso – todos os dias, todas as horas há momento em que não passa carro. Não é reclamação. De que adianta reclamar? Não sei se estou infeliz, triste, se a rua piora, se tudo se desumaniza, concretiza, não sei se vai haver esgoto que suporte a pressão de tanta moradia. Não reclamo, constato. Mas vou ficando mais triste a cada dia. Publicado no jornal O Estado de S.Paulo, 20 de março de 2022. voltar |
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