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Acadêmico: Ignácio de Loyola Brandão
O porteiro me entregou a caixa, enviada por sedex. Ao abri-la, dei com um caderno negro, que registra minha passagem pelo Colégio Progresso de Araraquara.
O porteiro me entregou a caixa, enviada por sedex. Ao abri-la, dei com um caderno negro, que registra minha passagem pelo Colégio Progresso de Araraquara. Até então eu carregava um mistério? Onde estava um ano de minha vida, 1946? Era um vazio. O caderno resolveu. Aos seis anos, em 1942, tinha entrado para o curso primário, terminado em 1945. Veio o cursinho para admissão ao ginásio, portanto em 1946. O ginásio, portanto, teria sido de 1947 a 1950. No entanto, eu tinha uma certeza, o primeiro ginasial fiz em 1948, tenho uma foto da turma e a data do fotógrafo. Ou seja, o cursinho de admissão foi em 1947. Então, onde ficou o ano de 1946, quando fiz 10 anos e ganhei o livro que transtornou minha cabeça, “Alice no País das Maravilhas? A resposta veio agora de Leliana Serafim, diretora do Progresso, como é chamado, onde cursei parte do primário (hoje fundamental). Podem pensar: o que interessam estas observações em momento de pandemia, quando a Cloroquina vem sendo enfiada pela goela abaixo de milhares de brasileiros por vontade caprichosa de um megalomaníaco alucinado? Este homem da moto, easy rider temporão, cultiva a memória de seu inspirador, o coronel torturador. É o que lhe dá prazer. Intoxicar-nos de Cloroquina e levar-nos à morte, talvez seja algo que provoque orgasmo. Psicanálise rasteira, talvez absurda. O que é absurdo hoje? Volto a coisas amenas. Há muitos anos carrego uma imagem recorrente. Vem da infância. Desço três altos degraus e me vejo em um terreiro de café, repleto de grãos expostos ao sol para secar. Sonho? Realidade? A insistência atravessou minha vida. Semanas atrás, uma foto enviada por uma parente de Vera Cruz, mostrava um terreiro de café, a tulha e uma escada de três degraus. Um e-mail decidiu a charada. Aquele terreiro era da fazenda de um parente de meu pai em Lins. Minha família tinha feito uma viagem àquela cidade em 1939, quando eu tinha três anos. Minha primeira viagem na vida. Criei outra indagação. Mas porque a imagem me perseguiu? A primeira , levei 80 anos para resolver. Terei outros 80 para solucionar esta? Ínfimos mistérios pessoais, a quem podem interessar? A outra era a respeito daquele vácuo em minha vida de estudante. Sabia porque meus pais me disseram ou imaginei que me disseram - que eu tinha iniciado o curso primário em 1942, aos seis anos de idade. Assim, fazia as contas: dois anos em uma escola particular, 1942-1943. Dois anos no Progresso de Araraquara, 1944-1945. Um ano de cursinho com dona Antonia para o exame de admissão ao ginásio em 1946 e a entrada no colegial, o IEBA, em1947. O fim do curso deveria ter sido 1950. Porém o diploma está aqui com a data: final em 1951. Ainda no Progresso tive menção honrosa em um concurso de desenho promovido pela Embaixada da França com o tema “Como Você Vê Paris Libertad a.” Ganhei uma edição do “Pinóquio” e um livro sobre Barba Azul. Eu, o pior aluno de desenho de toda a minha história escolar. Ganhando prêmios? O livro negro em minhas mãos mostra os dados de modo límpido. Fiquei na escola de Lourdes Prada entre 1943 e 1944. O início era aos sete anos, não aos seis. Daí o ano oculto. Fui para o Colégio, com uma bolsa dada por Emilia Albertini, amiga de minha mãe, ambas católicas. Daisy, irmã de Emilia me deu aulas ali, era linda, grande paixão. Fiz terceiro e quarto anos em 1945 e 1946. No ano seguinte fiz cursinho e entrei no IEBA em 1948. O vazio não existe mais. Também verifiquei que era tímido, mas mal comportado, cada nota ruim! Ou ficou confusa a narração? Culpa do isolamento... Vi a lista de presença e dos colegas do terceiro ano somente o Alberto Haddad está vivo. Em março de1945 tive um colega novo, o Edson Pereira da Silva, casado com a Vera de Oliveira, pais do Alexandre, um cronista da cidade, e do Gustavo, chef do restaurante Vittorio. Edson, Ronaldo Bertoldi e meu primo irmão Antonio Lopes, o Tóni, são meus três últimos amigos vivos de infância. Criou-se no entanto novo mistério. Tenho certeza que me lembrava de duas meninas na mesma classe, Marilu Morganti e Maria Helena Vieira. Eram ricas e como disse Scott Fitzgeral a Hemingway certa vez: “Sim, os ricos são diferentes de nós, eles têm muito dinheiro.” Eu sabia que as duas tinham livros de histórias infantis luxuosos, ilustrações incríveis e também álbuns de gibis que ninguém possuía. Mais, elas me emprestavam, mesmo sendo eu um remediado. Um encantamento. No entanto, em nenhum momento neste livro de presenças aparece a Marilu. Ela estava em outra classe? Porque eu via o chofer que a buscava na saída.&n bsp ; Mar ia Helena Vieira, sim, era colega. Maria Helena e Marilu. Juntei duas em uma? Criei estas “amizades” no imaginário? Queria que me emprestassem os livros mágicos? Lia no recreio, escondido delas, na sala vazia? Como funciona a mente, caríssimo Sidarta Ribeiro, neurocientista que é? Publicado dia 31 de julho de 2020, no jornal "O Estado de S. Paulo". voltar |
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