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“NEGACIONISMO” E POLÍTICAS PÚBLICAS
Acadêmico: José Goldemberg
“Negacionistas” são pessoas que recusam em aceitar a realidade adotando posições que não tem validação ou experiencia histórica.

“Negacionistas” são pessoas que recusam em aceitar a realidade adotando posições que não tem validação ou experiencia histórica.

A história está de fato cheia de exemplos de “negacionistas”. Se os reis da Espanha e Portugal fossem “terraplanistas” como era a Igreja; na época não teriam financiado a viagem de Cristóvão Colombo que descobriu a América ao tentar atingir o Oriente. Nem Cabral teria descoberto o Brasil.

Apesar disto no Brasil está surgindo um número inquietante de negacionistas.

Um deles é o próprio Presidente da República que nas palavras insuspeitas do seu ex-ministro da Justiça, Sergio Moro é um “negacionista” no que se refere à pandemia do coronavírus descrevendo-a como uma “gripezinha” mesmo diante da evidencia aterradora de mais de 1500 mortes por dia. Além disso, encontra pretextos para argumentar que os números de mortes são “exagerados” e manipulados pelos opositores políticos.

A realidade é bem outra, como se sabe: morrem por dia no Brasil por ano cerca de um milhão e trezentas mil pessoas por todas as doenças como câncer, problemas cardíacos e outras, acidentes de trânsito, homicídios e suicídios. Isto significa cerca de 3500 mortes por dia. O COVID-19 aumentou este número para cerca de 5000 mortes por dia.

Há duas razões para que pessoas (ou agentes públicos) adotem posições “negacionistas”: ignorância pura e simples ou má fé (interesse material ou político).

A segunda hipótese é exemplificada pelo que ocorre com a indústria do tabaco que lutou (e ainda luta) desesperadamente para evitar a redução dos fumantes usando argumentos anticientíficos para negar a evidência de que fumar é uma causa importante de câncer de pulmão.

O caso do COVID-19 é mais complexo e mistura ignorância e má fé. Há “negacionistas” de direita e de esquerda. Os Presidentes dos Estados Unidos e do Brasil populista de direita se recusaram a levar a sério o problema para agradar sua base eleitoral com resultados dramáticos em números de mortes. Em contraste o Primeiro Ministro da Hungria e o Presidente Erdogan da Turquia também de direita, adotaram confinamento severo e contiveram a propagação da doença nos seus países. O mesmo fez o Presidente da Argentina que é de esquerda. Já o Presidente do México também de esquerda não o fez com resultados perversos para a população do seu país. Sem a liderança do governo federal não é possível ter uma política eficaz do combate ao vírus.

No Brasil a responsabilidade de governadores e prefeitos é “concorrente” à do governo federal o que não o exime de exercer a liderança como aliás o ex-Ministro Mandetta da saúde conseguiu fazer até ser demitido.

Outro exemplo de “negacionismo” no atual governo é no tratamento da questão da Amazônia que destruiu a imagem positiva que tínhamos no exterior e que pode acabar por prejudicar seriamente nossas exportações.

Não reconhecer a realidade do desmatamento crescente da Amazônia nos últimos anos (documentada por órgãos do próprio governo como o INPE) é não só um absurdo, mas prejudicial ao próprio país.
Já enfrentamos este problema no passado em duas ocasiões em que o desmatamento ilegal e predatório foi reduzido sem que fossem prejudicadas as atividades econômicas.

O exemplo mais conhecido é o da redução dramática do desmatamento entre 2007 até 2012 mesmo com o aumento do volume e do preço da soja e carne exportadas. Um exemplo anterior a este que ocorreu entre 1998 até 2002 no fim do Governo Sarney e Governo Collor.

Nos dois casos o que ocorreu foi a adoção de uma política clara na Presidência da República que motivou e até constrangeu os governos estaduais e municipais a participar do esforço da redução do desmatamento. A integração das ações do IBAMA com a Polícia Federal e policias ambientais dos Estados, com o amplo apoio da imprensa e muitas organizações não governamentais deu resultados.

Foram essenciais neste processo as ações de inteligência capazes de detectar com antecedência as ações predatórias e não simplesmente correr “atrás do prejuízo” e enviar força policial ou militar quando o desmatamento já ocorreu. O papel do IBAMA se mostrou essencial nos dois casos descritos acima.

O “negacionismo” do governo atual no caso de desmatamento diferencialmente do caso do COVID-19 não parece se dever apenas à ignorância e populismo, mas tem base política em parte do setor agropecuário que se mostrou insatisfeito com restrições à expansão da ocupação da Amazônia decorrentes do Código Florestal.

Esta visão não é unanime no setor agropecuário que reconhece que melhores tecnologias permitiriam aumentar a produtividade da soja, milho e outros produtos sem avançar em áreas públicas ou “griladas”. No caso da pecuária adensar a forma de criar os rebanhos também faz sentido técnico e economicamente e poderia se acelerar.
Desmatar a Amazônia não é um “problema cultural” como argumentam alguns. É um problema de transgressões que devem ser coibidas.

Publicado no dia 20 de julho, no jornal O Estado de S. Paulo.






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