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A ARANHA E A CAÇADORA DE PALAVRAS
Acadêmico: Anna Maria Martins
Era alguém que lidava com palavras, gostava de conhecer novos vocábulos. Chegada a um dicionário, disfarçava a ignorância com indagações.

Era alguém que lidava com palavras, gostava de conhecer novos vocábulos. Chegada a um dicionário, disfarçava a ignorância com indagações. Compulsar volumes, leves ou pesados, preenchia sua satisfação de descoberta.
Certa vez apanhara-se às duas da madrugada à procura de um aracnídeo. O termo loxóceles, que aprendera na véspera, não a deixava dormir. Martelava-lhe a mente ininterruptamente. Levantou-se e encontrou o verbete, com todas as explicações e implicações malignas. Não se tratava de um inseto qualquer. A loxóceles causadora de lesões profundas, deformantes, ia além de sua crueldade: matava.

Minúscula, escura, como inofensivo grão de feijão, a loxóceles sem nenhuma provocação ou ameaça à sua integridade física desfecha a ferroada venenosa.
Foi o que aconteceu com a caçadora de palavras, vítima incauta do atilado aracnídeo. Nesse dia, o alvo da ferroada encontrava-se tranquilamente espichado no sofá, imerso em excelente narrativa: lia Rubem Fonseca.

A loxóceles, como soube depois, costuma abrigar-se em plantas ou atrás de molduras de quadros. A agressora em questão não era uma aranha qualquer. Seu gosto refinado escolhera como abrigo um desenho de Flávio de Carvalho e atrás dele montara sua residência. Esperava há quanto tempo? o momento propicio para a ferroada: uma perna esticada, um braço convidativo.

A vítima atingida sentiu a picada dolorida, largou o livro, levantou-se, desinfetou o local e foi cuidar de seus afazeres cotidianos.

À medida que o tempo passava, a perna inchada, deformada, exigiu cuidados médicos. Repouso e medicação amenizavam a dor.

A imobilidade compulsória preenchia-se com leitura, noticiário jornalístico, filme, música. Memória e reflexão inseriram-se entre espaços narrativos e imagens televisivas.
Lembrava-se da infância e juventude em zona rural, subindo morro, cruzando trilha, sempre alerta a répteis e aracnídeos.

Aranha caranguejeira conhecia de vista, mas com a loxóceles, até então, jamais topara.

Ao minúsculo aracnídeo invasor agradecia a ferroada não letal.



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