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Acadêmico: Roberto Duailibi "Não era uma simples frase, com a qual Salomão Schvartzmann terminava seus programas de rádio ou televisão. Era uma proposta sincera aos ouvintes."
Não era uma simples frase, com a qual Salomão Schvartzmann terminava seus programas de rádio ou televisão. Era uma proposta sincera aos ouvintes. Tive a sorte de conviver com Salomão Schvartzmann durante muitos anos. A primeira vez que o encontrei foi durante um jantar na sede da Editora Manchete, no Flamengo. Discursando na inauguração de uma nova ala da televisão do grupo, Salomão contou que na frota de Pedro Álvares Cabral que chegou ao Brasil havia um marinheiro judeu que foi encarregado de estabelecer o primeiro contato com os índios; seu sobrenome era Perelmutter. “Por isso que tudo no Brasil se faz com permuta”, contava Salomão, olhando para seu patrão Adolpho Bloch. Sabia-se que depois de encomendar móveis e equipamentos, Adolpho costumava oferecer aos fornecedores, como pagamento, permuta em páginas de anúncios na revista Manchete. “Vale mais que dinheiro”, dizia ele. Mesmo criticado por essa prática, Adolpho acabou criando inúmeros novos anunciantes e conseguiu construir uma das mais importantes editoras do País e uma televisão que lançou grandes nomes. Excelente anfitrião, Adolpho utilizava a mesma estratégia ao oferecer recepções memoráveis a empresários e autoridades na cobertura do prédio de Botafogo, com aquela vista esplendorosa da baía de Guanabara. A combinação de culinária, elegância das mesas, shows com artistas de renome e discursos inteligentes era uma garantia de sucesso mesmo num Rio de Janeiro que ainda herdava três séculos de capital do País. Em certa ocasião, ao oferecer um banquete ao novo ministro do Planejamento, Roberto Campos, ao qual estavam presentes os maiores nomes de negócios nacionais e internacionais, Adolpho e Salomão fizeram um “tour” com o ministro pelas instalações do prédio. Ao final, Campos perguntou “Como você conseguiu tudo isso?”, o que deixou irritadíssimo Adolpho. “Se esse cara não sabe como se consegue isso, como pode ser ministro do Planejamento?”, dizia aos convidados. Depois, mudando para São Paulo para ajudar a ampliar os negócios da Manchete, Salomão estabeleceu uma enorme agenda de amigos. Numa ocasião, ligou-me para combinar uma reunião na DPZ, juntamente com Zevi Ghivelder, que viria do Rio especialmente para o encontro. A agência publicara um anúncio para seu cliente Borda do Campo, concessionário Ford, de título “Uma promoção tão especial que até os judeus vão gostar", no qual aparecia um amigo nosso, Raul Schulbacher, sentado no capô de um carro. Zevi, que tinha um cargo de liderança numa entidade de defesa contra o preconceito, veio do Rio para registrar seu protesto. Expliquei que o anúncio havia sido criado por um redator de excepcional talento, Lawrence Klinger, filho da Giselda Leirner, e o modelo do anúncio era o Raul Schulbacher. E o anúncio fora aprovado pelo diretor da Borda do Campo, também judeu. Gostávamos dessas provocações. Em outra ocasião havíamos publicado um anúncio para a Olivetti utilizando um testemunho da Mãe Menininha do Gantois, que também provocou protestos de lideranças umbandistas. Terminamos a reunião indo almoçar todos, Zevi, Salomão, eu e Lawrence. Além das reportagens e crônicas que escrevia, seu programa na Rádio Cultura tornou-se um sucesso nas manhãs paulistanas, elevando a audiência geral da emissora. Com uma voz pausada e grave, Salomão cultivava o sotaque carioca de sua infância em Niterói. Misturava relatos interessantes com trechos explicados de músicas clássicas, assunto que conhecia bem, por ter crescido numa família que, apesar de ter se refugiado da Bielorússia na Segunda Guerra Mundial e passar necessidades, nunca deixou de cultivar a música que aprendera na Europa. Para fazer o programa, acordava às 4 da manhã, lia os jornais recém-chegados, escolhia as músicas em sua enorme discoteca e criava o roteiro de seu programa de meia hora. Calculava minuto por minuto, ensaiava as frases, preparava a voz, escolhia os casos a abordar, escrevia os textos num português castiço e ensaiava até achar que estava perfeito. Tomava banho, vestia-se como se fosse a uma reunião importante, paletó e gravata. Dirigia pela Marginal até a emissora, vinte quilometros de sua casa, muitas vezes ainda vencendo a neblina da manhã. Durante vinte e três anos, com o apoio de suas mulher Anna, que conheceu em São Paulo, nunca faltou um dia sequer. Anna, aliás, também era uma de suas inspirações, ativista que é de causas para cuidado e tratamento de crianças e adultos com deficiências neurológicas. Às 7h30 entrava no ar como se estivesse conversando pessoalmente com cada uma das quase trinta mil pessoas que sintonizavam a emissora naquele horário, só para começar o dia de maneira inteligente e bem humorada. E terminava o programa com a saudação sincera do que desejava aos seus ouvintes: “Seja feliz”. Já havia, então, planejado com quem iria almoçar - em geral mais de uma pessoa. Conhecia os melhores restaurantes dos Jardins e seus cardápios; muitas vezes levava o vinho. Dava sempre preferência a seus amigos intelectuais, ou, pragmático, combinava com algum patrocinador ou homem de negócios. Só o vi irritado uma única vez, quando uma nova diretoria assumiu a TV Cultura e decidiu economizar acabando com alguns programas. Evidentemente o de Salomão estava na lista, apesar de ser o de maior audiência da emissora - ou talvez até por isso. Por sorte, o pessoal do grupo Bandeirantes viu nessa "reformulação” da Cultura uma oportunidade de ampliar sua audiência e o contratou. Uma das coisas boas da vida era almoçar com Salomão. A conversa fluía com a mesma leveza de seu programa, repleta de casos, anedotas, lições. À mesa acorriam outros amigos e o tratamento de maîtres e garçons era sempre especial, pois Salomão era amigo de todos eles. Assim, trabalhava o tempo todo, vestido de maneira impecável e, se não houvesse mais alguma reunião ou entrevista à tarde, voltava para casa, ao seu escritório, para escrever ou preparar o programa seguinte ou escrever um artigo. Muitas vezes recebia amigos para jantar em casa e em ocasiões especiais contratava um grande chef. Nesses jantares para os amigos abria sua adega. Conhecedor de vinhos, sem ser pernóstico, foi acumulando grandes rótulos e anos ao longo da vida e, em seus últimos dias, confessava que, ao visitar a adega, espantava-se com algumas das garrafas que colecionara no passado. "Nunca poderia comprá-las hoje em dia", confessava. Mesmo doente e em cadeira de rodas, continuava trabalhando e gravando na Band. A manutenção de seu programa, ainda que nas condições mais adversas, ficará registrada como uma prova de solidariedade e compreeensão da diretoria do grupo, e especialmente de Johnny Saad, com um companheiro jornalista, que até os últimos instantes de sua vida foi propiciado levar sua mensagem de "Seja Feliz” aos seus milhares de ouvintes. Publicado na Revista Propaganda de Novembro, 2019. voltar |
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