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Acadêmico: José Pastore "Em várias áreas, as tecnologias provocam transformações e redução de empregos"
Estudos recentes sobre o impacto das tecnologias no mercado de trabalho indicam que a destruição de empregos não é tão catastrófica quanto se pensava. Países que usam intensamente as tecnologias modernas registram taxas de desemprego muito baixas: Estados Unidos (3,7%), Alemanha (3%), Coreia do Sul (3%), Japão (2,2%) e outros. Preocupa, porém, o fato de as novas tecnologias conspirarem contra a classe média (Carl B. Frey, The technology trap, Princeton: Princeton University Press, 2019; OECD, Under pressure: the squeezed middle class, Paris: OECD, 2019). As mudanças tecnológicas do passado demandaram uma aceleração da educação que redundou em bons empregos e bons salários para a classe média. Mas a revolução tecnológica, ora em andamento, está eliminando a necessidade da intervenção humana em profissões típicas da classe média — técnicos, chefes, gestores, supervisores, controladores, auditores, contadores, corretores, secretárias e até médicos, advogados, engenheiros e professores. Em várias áreas, as tecnologias provocam transformações e redução de empregos. Por exemplo, as muitas secretárias que antes datilografavam, arquivavam e faziam ligações telefônicas deram lugar a poucas profissionais que, além de digitar e telefonar, fazem pesquisas na internet, organizam viagens e eventos, controlam custos, orientam novatos e executam outras atividades. Isso ocorre com inúmeras profissões de classe média para as quais o diploma deixou de ser garantia para bons empregos. Essas mudanças levaram muitos profissionais de classe média a migrar para atividades de menor qualificação, com produtividade e salários mais baixos — zeladores, vendedores, entregadores, motoristas, garçons, recepcionistas, jardineiros, cuidadores etc. A mobilidade social passou a ser descendente. É verdade que os mais qualificados subiram para a zona dos altos salários. Mas são poucos. As novas tecnologias vêm gerando uma polarização no mercado de trabalho, aumentando a desigualdade. A produtividade do trabalho tem subido mais do que a renda de muitos profissionais de classe média. É verdade que as tecnologias modernas geram novas e boas oportunidades de trabalho. Mas para grande parte da classe média, elas têm sido piores do que as anteriores. Para muitos, viver com trabalho instável e precário passou a ser o novo normal. A frustração gerada por esse processo tem se refletido no campo da política. A ascensão de governantes populistas é observada por toda parte, inclusive no Brasil. Setenta e cinco por cento dos brasileiros acham que a economia brasileira foi capturada pelos ricos e buscam líderes populistas que prometem reverter o processo num passe de mágica. Nos anos de 1950-70, o Brasil foi campeão de mobilidade social ascendente. Muitos trabalhadores de origem rural e pouco qualificados conseguiram se inserir na indústria nascente, apreendendo em serviço, e subindo na escala social. Os que tinham alguma qualificação progrediram ainda mais ao se empregarem nas empresas estatais e nas entidades financeiras que rapidamente se expandiram naquela época. Embora em menor escala, a mobilidade prosseguiu nos anos de 1980-90 e no início dos anos 2000, houve a ascensão de trabalhadores das classes baixas para a média inferior. Com a chegada dos anos recessivos (2014-18), o desemprego e a informalidade aumentaram dando claros sinais de descenso social para os que tinham recém-chegado aos primeiros degraus da classe média. Hoje, são raros os filhos adultos que estão em situação social melhor do que a de seus pais. O que será do restante da classe média no momento em que a economia brasileira voltar a crescer e incorporar as novas tecnologias? Para aonde irão os poucos empregos ali restantes? É bem provável que a mobilidade descendente prossiga e que as escolhas populistas avancem. Só um choque de boa educação e qualificação para o novo trabalho pode deter essa tendência. Publicado no jornal “O Correio Braziliense”, 3 de outubro de 2019. José Pastore * Professor da Universidade de São Paulo e membro da Academia Paulista de Letras. É presidente do conselho de emprego e relações do trabalho da Fecomercio-SP. voltar |
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