Compartilhe
Tamanho da fonte


QUANDO O REPÓRTER ESCREVE COM A PRÓPRIA PELE
Acadêmico: Luiz Carlos Lisboa
"Nesse meio tempo trabalhou em meio a guerras e conflitos em diferentes lugares. Um dia em Beirute corre atrás de um avião sírio que caía, outra vez acorda com os sinos de uma igreja maronita alertando para um bombardeio."

Há livros que devem ser lidos a partir das últimas páginas. É o caso de Escritos com a pele, onde o leitor é informado de que o autor é alguém de carne e osso como ele, um ser cordial e tranquilo que foi trabalhado pela vida em meio a conflitos que sacudiram o mundo no último meio século. Às voltas com a tragédia, a morte, o medo, não deixando de anotar a beleza, o amor e a poesia em meio ao horror. Esse homem, o jornalista Moisés Rabinovici, registrou aqueles tons inconfundíveis com a isenção e o realismo que uma imprensa honesta exige. Com a sua própria pele, como diz. Mas não o chamem de herói ou de sábio, que ele se ofenderia. No Jornal da Tarde e dep ois, convivendo por cinco décadas com esse senhor, eu mesmo descobri o quanto ele é autêntico, direto e simples. Sua escola de jornalismo foi feita no contato direto com os fatos, não omitindo o que via de perto e sentia na pele. Para ele, essa conquista foi feita aos poucos, mas seus amigos acham que ele já nasceu assim.

“Noite inteira batucando a máquina de escrever, desgostando, recomeçando, amanhecia pisando em laudas amassadas no chão, quase sempre derrotado”, lembra ele na introdução do seu livro. Em 1979, Rabinovici obteve da censura israelense o direito de ter um telex em sua casa em Tel-Aviv, como correspondente brasileiro, e tinha consigo apenas uma máquina de escrever portátil. Nove anos depois ele compraria seu primeiro laptop, então em Washington. Nesse meio tempo trabalhou em meio a guerras e conflitos em diferentes lugares. Um dia em Beirute corre atrás de um avião sírio que caía, outra vez acorda com os sinos de uma igreja maronita alertando para um bombardeio. Naquele tempo “os repórteres iam aos acontecim entos, esgotavam-se com entrevistas e escreviam só para jornais de papel”. Hoje os leitores migraram em bom número para os tablets e computadores. “Juntei-me à manada de dinossauros da imprensa”, ele resume.

Tudo que se segue em Escritos com a pele é ação pura, ou efeito da ação. Tendo à nossa disposição o olho do repórter perfeito, aquela mesma sentinela se adaptou às sofisticações de diferentes épocas, impostas pela tecnologia. No Líbano, de onde enviou até três artigos por dia, no Equador, em Ruanda, em Israel e outros lugares para onde a atenção do mundo se voltava naquele instante, ele viu e descreveu o fundamental. Sem interpretação, mas com minúcia, porque essa é a missão do repórter. Enriquecido com ilustrações e depoimentos, Escritos com a pele é um livro a ser consumido com fascinação, e nunca mais esquecido.


Rabinovici, Moisés Escritos com a pele, 11Editora
Lançamento dia 1° de agosto, 20h00, Museu de Imagem e Som, Av. Europa, 158 Jd. Europa, São Paulo/SP
_________________
(*) Luiz Carlos Lisboa, escritor e jornalista, ocupa a cadeira 6 da Academia Paulista de Letras. Autor de Jejum do coração (entre outros), Peônia Press.




voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.